Foi como eu disse a ela. No seu e-mail ela dizia estar preocupada, pois sentia-se velha, porque completara quarenta anos. Confessei-lhe que sua angústia não poderia ser levada a sério. Ela complementava: sua filha, com pais idosos, o marido, que não realizara ainda todos seus sonhos. Melancólica, perguntava-se: Onde estava a jovem de dezoito anos que eu conhecera, tão feliz, tão idealista? Ela quase não conseguira nada.
Talvez eu tenha sido meio sarcástica, mas realmente, minha jovem senhora perdera a noção da realidade. Primeiro, ela era quase uma criança, estava ainda na metade do caminho, mal começara a luta e já conquistara muito. Tem uma linda filha adolescente, uma profissão interessante, que ela ama (é Psicóloga), um emprego fixo, concursada na Prefeitura, um marido ainda jovem. Ela já crescera tanto e não via?
Diante da questão metafísica, "onde estaria ela, a moça de dezoito anos", fui até irônica. Esqueça a jovem lá atrás, ame a mulher que é agora, mais madura e mais sábia, viva o momento atual, o hoje. O passado pode ter sido lindo, mas se foi. Deixe-o em paz. Siga o conselho de Machado de Assis: Coloque uma laje sobre o passado e um epitáfio: descanse em paz! Só para isto serve o passado, uma realidade que você nem mesmo sabe se existiu, pois o distanciamento mostra fatos muito diferentes dos que você pensa ter vivido.
Mas este ataque de saudosismo é muito comum. Recentemente eu ouvia dois setentões descrevendo frutas e sabores da infância, pratos que a mãe fazia... Lembrei-me de uma deliciosa experiência da amiga que, depois de ler "À la recherche du temps perdu", de Proust, que sentado em certo bistrot de Paris, pediu uma madeleine e mergulhou no passado, escrevendo a obra imensa, famosíssima. Ela jurou que um dia iria a Paris, sentaria no mesmo local e pediria uma madeleine. Quem sabe se escreveria também outra obra-prima? Um dia conseguiu, sentou-se no barzinho famoso e pediu a guloseima. Frustração! Então era aquela bolachinha insossa que inspirou o famoso escritor?
Voltemos ao e-mail da jovem senhora. Ela reclama que se sente estranha. Com certeza logo estará como suas clientes, meio neurótica, precisando de tratamento. Ao que respondi. E daí? Pessoas muito equilibradas são um porre, tediosíssimas. Recordei-me de uma tirada deliciosa do excelente cronista (e poeta) Carpinejar. Ele confessa: para mim, bipolar é pouco. Sou multipolar.
Não sei se minha resposta agradou. Mas foi muito sincera. A melhor época do mundo é a do momento em que se vive. Gosto dos filhos de Prometeu, como o amigo que diz: que venham os problemas. É bom , de peito aberto, estar pronto para enfrentá-los. São nossas pequenas e grandes vitórias diárias que dão sabor à vida.
Enfim, a vida, o mundo, tudo é muito dinâmico e mutável. Lançar âncora em algum probleminha diário ou em uma dor que será passageira, principalmente se for do espírito, é um nonsense, pura tolice. O amanhã mudará o caleidoscópio da existência. Não acreditar nisto é ingenuidade, burrice filosófica, cosmovisão vesga.
(*) Ely Vieitez é escritora.
E-mail: elyvieitez@uol.com.br