LÍNGUA SOLTA

Como se formam as palavras?

Por: Michelle Aparecida Pereira Lopes | Categoria: Cultura | 07-10-2019 15:53 | 2953
Michelle Aparecida Pereira Lopes
Michelle Aparecida Pereira Lopes Foto: Reprodução

Você já se perguntou, pelo menos uma vez, como as palavras se formam? Já se perguntou se nós, falantes de uma língua estruturada, como a portuguesa, ou qualquer outra, podemos formar palavras novas, assim, a partir de outras, ou mesmo a partir do nada? Alguns poderiam responder a primeira pergunta dizendo que a nossa língua tem sua origem no latim. Certo! Mas quando falamos de estrutura e formação das palavras de uma língua estamos falando sobre os processos morfológicos que originaram e originam as palavras. Por isso, o texto de hoje é uma espécie de continuação daquele texto anterior, no qual falamos sobre o processo morfológico que originou a palavra “sextou”.

Para que você possa entender, vamos relembrar que os morfemas são as menores partes estruturais das palavras. Toda palavra possui morfemas, ou seja, partes nas quais podemos dividi-las. São morfemas da língua: a raiz – estudada pelos etimologistas; o radical – que concentra o significado; os prefixos e sufixos – morfemas adicionados ao radical, no início e no final, respectivamente; as vogais temáticas verbais e nominais; as desinências – aquelas terminações das palavras que nos indicam se elas estão no plural, no masculino, ou se um verbo está conjugado, por exemplo, na primeira pessoa do singular, do presente do indicativo. Há, ainda, as vogais e consoantes de ligação – mas essas só aparecem quando necessárias à melhoria da sonoridade da nova palavra.

Da união de um radical com outros morfemas, derivam palavras novas, formando assim um grupo de palavras cognatas, isto é, palavras originadas de uma mesma e que, por isso, possuem entre si relações significativas. Os processos que originam uma palavra a partir de outra, chamam-se derivações e essas ocorrem conforme o morfema que se une ao radical: há a prefixação – união de um prefixo a um radical, como em “infeliz”; na sufixação, o radical ganha um sufixo, por exemplo, “felizmente”; também pode ocorrer a união simultânea de um prefixo e um sufixo ao radical, como ocorre na formação da palavra “infelizmente”. A derivação pode, ainda, acontecer para formar verbos a partir de substantivos usando, para isso, prefixos e sufixos anexos ao mesmo radical; esse processo, chamado parassíntese; foi um processo de derivação parassintética que originou os verbos “anoitecer”, “apedrejar”, entre outros. Da mesma forma, um verbo pode regredir perdendo a desinência de infinitivo “-r” para originar um substantivo, como ocorreu com o verbo “lutar” que originou o substantivo “luta”; a esse processo chamamos derivação regressiva.

É muito comum que também ocorram outros processos, além da derivação. Todos nós já usamos uma onomatopeia – aquela palavra que imita o som de algum objeto, ou animal, o “tique-taque” do relógio, por exemplo; criamos as siglas – “MG” para substituirmos “Minas Gerais”; além de abreviarmos muitas palavras que, numa outra época, eram mais extensas: ninguém mais vai ao “cinematógrafo”, ou tira uma “fotografia”! Hoje, vamos ao “cinema” e tiramos “foto”. Aliás, “foto”, não! Tiramos as “selfies”; mas a palavra “selfie” não se adequa aos nossos exemplos de derivação, porque se trata de um “estrangeirismo”, ou seja, uma importação feita de outra língua.

De certo modo, poderíamos pensar que toda palavra vem de outra, mas não só de uma palavra; há processos de formação que usam duas outras palavras, ou mais, para formarem uma terceira palavra, de significado distinto. Processos assim são chamados de composição.  A composição pode ocorrer por justaposição, como em “guarda-chuva” e “bem-te-vi”, nas quais nenhuma das palavras sofreu perda de letras; ou por aglutinação, se uma das palavras perde uma ou mais letras, como aconteceu com a palavra “embora”, composta por “em+boa+hora”. Um bom exemplo de aglutinação é também “nonada”, palavra que abre o livro Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa. “Nonada” é resultado da aglutinação da forma arcaica de “não” com “nada”.

E já que é fim de semana e citamos o grande Guimarães Rosa, não nos custa lembrar mais um belo exemplo de seus neologismos para deixar aqui um conselho: “Não se esqueça! Se ficar “entalagado”, não dirija!

*Entalagado – palavra usada para dizer que a pessoa bebeu em talagadas, ou seja, que tomou uma porção de bebida alcoólica de uma só vez.

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MICHELLE  APARECIDA PEREIRA LOPES:
Doutora em Linguística pela Universidade Federal de São Carlos e pesquisadora da constituição discursiva do corpo feminino ao longo da história. É docente e coordenadora do curso de Letras da Universidade do Estado de Minas Gerais - Unidade de Passos.