REDAÇÃO ENEM

Tema da redação do Enem discute “democratização do acesso ao cinema no Brasil”

Por: João Oliveira | Categoria: Educação | 06-11-2019 17:35 | 2124
Foto: Reprodução

O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) trouxe como proposta de redação na edição deste ano o tema “A democratização do acesso ao cinema no Brasil”. Em seus textos motivadores, a prova abordou a história do surgimento do cinema, números relacionados ao público frequentador, bem como o crescimento das salas de cinema e falta de acesso à população, afastada de grandes centros urbanos a esta que é considera a sétima arte da humanidade. O tema, apesar de não ter surpreendido muitos especialistas, se mostrou um desafio dada a sua especificidade.

Conforme avalia a professora doutora em Linguística e coordenadora do curso de Letras da Universidade do Estado de Minas Gerais, Michelle Aparecida Pereira Lopes, considerando-se que “democratizar” é tornar algo mais democrático, isto é, oportunizar que algo chegue ao maior número de pessoas possível, ou que atenda a maior diversidade de pessoas possível, dentro de uma sociedade, de modo geral, podemos dizer que o tema não foi tão surpreendente assim, pois a “democratização do acesso à cultura” era um dentre os temas prováveis para a redação deste ano.

“Sobre a abordagem do tema, o ideal é que o cinema fosse pontualmente abordado e não apenas a cultura de modo geral, o que caracterizaria, assim, o tangenciamento do tema. Aqui vejo o maior risco. Explico: se a temática ‘acesso à cultura’ era uma das apostas dos professores e dos cursinhos, pode ter sido bastante debatida, porém, esse debate pode ter acontecido de forma geral, sem tratar especificamente do cinema. Logo, se o candidato escreveu sobre o acesso à cultura e não direcionou sua argumentação para o cinema, não obterá um bom resultado”, opina.

De acordo com Michelle, dentro da temática do cinema é preciso considerar que democratizar o seu acesso é tanto criar políticas públicas que possam oportunizar sessões com preços mais acessíveis, já que o valor de um ingresso não é barato para a grande maioria da população, quanto também levar as salas de cinema para mais lugares dentro do país.

“Um dos textos de apoio, Texto IV, abordou a exclusão ao citar que as regiões Norte e Nordeste, as periferias urbanas e as cidades pequenas e médias do interior do país não têm acesso ao cinema. Além disso, também poderia se discutir a necessidade de se criar estratégias inclusivas para deficientes surdos, cegos, dentre outros. Considero que o candidato que tenha reconhecido isso teve, pelo menos, duas linhas fortes de argumentação”, ressalta.

Sobre o grau de dificuldade do tema, a professora acrescenta: “Uma questão não pode deixar de ser levantada: como aqueles candidatos que pertencem à parcela da população citada no Texto IV, os habitantes das grandes periferias urbanas, cuja renda é precária, os que vivem nas cidades pequenas do interior e/ou das regiões Norte e Nordeste – os ribeirinhos, por exemplo – que podem nunca ter ido a uma sessão de cinema e sequer conhecem como isso funciona, poderiam elaborar algo sobre um tema que sequer conhecem, ou já viram?”, questiona.

“Discursivamente, trata-se de um tema contraditório, pois propõe discutir democratização, mas ele mesmo exclui da discussão os que não têm acesso ao cinema. Desse modo, é um tema válido, que precisa sim ser discutido, mas é também um tema excludente. Nesse sentido, considero que o tema pode não ter sido fácil para uma grande parcela dos candidatos”, destaca Michelle Lopes.

PROVA DE LINGUAGENS
Sobre a prova em si, a doutora conta que a mudança no governo havia deixado os educadores apreensivos quanto às possíveis mudanças que vinham sendo noticiadas. No entanto, após a leitura da prova de Linguagens, ela destaca que não viu mudanças significativas. “As questões permanecem primando pela interpretação de texto e contextualização com a realidade social. Várias questões abordaram os temas que nossa sociedade vem discutindo, como bullying, violência contra a mulher, excesso de exposição na mídia, refugiados, direitos dos idosos, entre outros. Nesse sentido, considero que as questões foram boas e não deixaram de problematizar diversas questões sociais”, acrescenta.

Em relação ao conteúdo abordado na área das linguagens, Michelle conta que é possível perceber que as funções da linguagem, a função social do texto, as características de tipologia e gênero textual e, ainda, o reconhecimento de que a língua é heterogênea e por isso mesmo varia, não deixaram de aparecer. “Isso nos permite inferir que a prova de linguagens vai ao encontro do que a Base Nacional Comum Curricular propõe para o ensino de língua: o reconhecimento da língua como fato social; o texto como ferramenta de ensino e o reconhecimento das diferentes estratégias textuais como fator preponderante para a interpretação dos sentidos na/pela sociedade”, completa.