Nosso texto de hoje propõe algumas considerações sobre um dos grandes questionamentos da humanidade: quem surgiu primeiro, a linguagem ou o pensamento? Para tentarmos desvendar mais esse mistério, é bom que comecemos conceituando linguagem e pensamento.
Descartes, importante filósofo, físico e matemático francês da Idade Moderna, reconheceu que o ato de pensar é a essência de todo ser humano, justamente por isso, afirmou sua mais célebre frase: penso, logo existo. Isso porque o ato de pensar, além de estar relacionado a atitudes racionais - avaliar, comparar, dentre outras, também se relaciona com a imaginação, com as experiências misteriosas e, ainda, com os sentimentos. É justamente por envolver ações para além do racional, que podemos dizer que não é impossível pensar sem usar a linguagem.
Já a linguagem, pode ser definida como a capacidade inata dos seres humanos de se comunicarem, ou seja, cada um de nós pode externar o próprio pensamento, ao mesmo tempo em que somos capazes de decodificar o pensamento do(s) outro(s). Mas calma! Isso não tem nada a ver com ler a mente do outro, adivinhar o que o outro está pensando naquele momento, ou qualquer coisa desse tipo. Decodificar o pensamento do outro é compreender o que ele nos manifestou por meio de uma linguagem, isto é, o que o outro disse, escreveu, pintou.
Lembremos, ainda, que a capacidade de linguagem se manifesta no homem, por meio de um sistema simbólico organizado, composto de signos que podem ser os linguísticos - também chamados de verbais - como as palavras, ou outros signos não verbais, como por exemplo, os gestos, os desenhos, as cores, e tantos outros.
Há uma linha de estudo que acredita que a linguagem teve sua origem quando os primeiros hominídeos começaram a cooperar uns com os outros, usando para isso sistemas de comunicação organizados em gestos e sinais usados para compartilhar, sobretudo, a intencionalidade das ações. Essa linha de pensamento acredita também que o desenvolvimento da linguagem coincidiu com o aumento do volume cerebral. Foi justamente essa ampliação do tamanho do cérebro que, conforme acreditam alguns linguistas, permitiu a evolução das estruturas da linguagem até se tornarem efetivas não só para a comunicação, como também para diversas outras funções cognitivas específicas.
Pois bem, considerando-se as ideias anteriores, podemos inferir que o pensamento precede a linguagem, ou ainda que a linguagem é fruto do pensamento. Isto quer dizer que o ser humano, para expressar seu pensamento, usa a linguagem, uma capacidade que lhe é inata. Assim, podemos dizer que a linguagem dá forma ao pensamento, por meio de um sistema de signos que codificam e podem ser decodificados.
Voltando ao pensamento, Descartes ainda disse: sou uma coisa que pensa, isto é, que duvida, que afirma e que ignora muitas coisas, que ama, que odeia, que quer e não quer, que também imagina e que sente. Isso quer dizer que só aprendemos, duvidamos, afirmamos, desejamos e sentimos, porque somos seres pensantes e seres de linguagem. E que nosso pensamento e nossa linguagem estejam sempre, e cada vez mais, a favor de nossa humanidade!
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MICHELLE APARECIDA PEREIRA LOPES: Doutora em Linguística pela Universidade Federal de São Carlos e pesquisadora da constituição discursiva do corpo feminino ao longo da história. É docente e coordenadora do curso de Letras da Universidade do Estado de Minas Gerais - Unidade de Passos.