ESPECIAL - INTERLAGOS

Retorno ‘heróico’ de Robert Kubica vai muito além do que um simples fracasso

iloto polonês provou para si mesmo que era possível retornar à Fórmula 1 mesmo com suas limitações físicas.
Por: Sérgio Magalhães | Categoria: Esporte | 16-11-2019 14:45 | 5024
Polonês Robert Kubica que vai deixar a F1 ao final desta temporada
Polonês Robert Kubica que vai deixar a F1 ao final desta temporada Foto: Getty Images

Sergio Magalhães, de Interlagos

Quen olha apenas para os resultados, principalmente o grid de largada de cada uma das 19 etapas do mundial disputadas até aqui - o GP do Brasil, amanhã é o 20º de 21 etapas, pode imaginar que foi um fracasso o retorno de Robert Kubica à categoria em que esteve afastado desde 2011 devido ao grave acidente que sofreu numa prova de rali, na Itália, em fevereiro daquele ano.

Mas se olhar com outros olhos é justo dizer que a coragem de enfrentar uma Fórmula 1 muito diferente da que ele havia deixado por força do acidente, e com as limitações físicas como consequência das sequelas que ficaram daquele 11 de fevereiro, o retorno de Kubica foi muito mais ato heróico do que fracasso.

Foi aqui mesmo, em Interlagos, na decisão do extinto Campeonato Brasileiro de F-Renault, em 2002, que Kubica assombrou com uma atuação impecável para quem não conhecia o traçado e venceu com ‘um pé nas costas’, como se diz na gíria do automobilismo, roubando a cena dos pilotos que brigavam pelo campeonato. Kubica participou daquela corrida como convidado especial.

Quando estreou na Fórmula 1, em 2006, já tinha apresentado o cartão de visitas nas categorias de base. O primeiro polonês a desembarcar na principal categoria do automobilismo mundial e dotado de enorme talento que o credenciava à condição de futuro campeão mundial.

A única vitória aconteceu em 2008 com a BMW-Sauber um ano depois de um forte acidente que sofreu no mesmo GP do Canadá. 

Kubica era um piloto muito capaz; reunia todas as condições técnicas de se tornar campeão mundial, mas a carreira foi brutalmente abreviada numa prova de rali em que perdeu o controle do carro e a lâmina do guard-rail entrou como uma lança em seu Skoda, causando severas lesões no braço e mão direita.

O piloto correu sério risco de vida e depois de longo período de recuperação voltou a competir, mas em provas de rali. A promissora carreira na Fórmula 1 estava encerrada.

Foi aí que entrou a determinação e força de vontade em superar os limites. Kubica fez um teste com carro de F3 em 2017 e percebeu que apesar das limitações, era possível pilotar novamente um carro de Fórmula. Logo a Renault lhe ofereceu um teste e Kubica teve a certeza de que reunia condições de regressar à F1. Acabou acertando com a Williams para ser piloto de desenvolvimento no ano passado, e foi promovido a titular nesta temporada.

A Williams precisou fazer modificações no carro, concentrando todos os comandos de embreagem do lado direito para o esquerdo por causa da pouca, ou quase nada, mobilidade que ele tem na mão direita. O problema é que o polonês chegou no pior momento da história da Williams, e encontrou um jovem e não menos promissor, George Russell, piloto inglês da academia da Mercedes, para ser o companheiro de equipe. 

Comenta-se no paddock que o carro de Kubica não é o mesmo de Russell, e o resultado é que o polonês ficou sendo o único do grid que não conseguiu largar nenhuma vez na frente do companheiro de equipe - perde por 19 a 0 para Russell em posições de largada. Em contrapartida, o único ponto conquistado pela Williams nesta temporada foi justamente obtido pelo polonês no GP da Alemanha graças à desclassificação dos dois carros da Alfa Romeo por irregularidades na embreagem, que elevou o piloto da Williams à 10ª posição.

Kubica, assim como Nico Hulkenberg, da Renault, está deixando a Fórmula 1. Há uma possibilidade se tornar piloto de desenvolvimento da Haas, mas como titular sua carreira chega ao fim no GP de Abu Dhabi, daqui a 15 dias. 

Amanhã ele fará sua última apresentação em Interlagos onde ainda desconhecido dos brasileiros, causou espanto na corrida de F-Renault. Ao todo foram até aqui 96 GPs, uma vitória, uma pole position, uma volta mais rápida, 12 pódios em sete temporadas.

É certo que o mundo competitivo da Fórmula 1 não pode, e não permite, manter um piloto cujos resultados não aparecem, embora o buraco na Williams seja muito mais embaixo do que falta de capacidade dos pilotos. Mas ficou provado que as limitações físicas não permitem mais ao polonês, devoto do Santo João Paulo II, competir de forma digna, o que não tira nenhum de seus méritos. Ele fez o que tinha que fazer, provar para si mesmo que era possível voltar a correr de Fórmula 1.