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Salvador Mafra: Lutando por amor à vida

Sempre tive vontade de aprender, e em nenhum momento achei que era autossuficiente
Por: João Oliveira | Categoria: Entretenimento | 25-11-2019 13:56 | 3001
 Salvador Mafra já trabalhou em diversas siderúrgicas e viajou o mundo a trabalho
Salvador Mafra já trabalhou em diversas siderúrgicas e viajou o mundo a trabalho Foto: ASSCAM

O engenheiro metalúrgico, Salvador Mafra Filho já passou por momentos difíceis em sua vida e chegou a pensar que não sobreviveria. Mas graças ao amor que sente pela vida, família e amigos, conseguiu superar esses momentos de dor e se tornar uma pessoa mais forte e mais determinada a fazer o bem. Filho de Salvador Mafra e de Jamile Abdo Mafra (em memória), é casado com Célia Regina Gonçalves Mafra, pai do Bruno, Marina e do Matheus; e avô do Pedro, filho do Bruno, e da Eloá, filha da Marina. Aos 64 anos, ele conta que pensa em descansar, mas um descanso voltado para ajudar ao próximo e pessoas que passaram pelas mesmas dificuldades que ele, em agradecimento à nova vida.

Jornal do Sudoeste: Como foi sua infância em Paraíso?
S.M.F.: Foi uma infância rica, não tínhamos celulares, computadores, eram outros tempos, ficava até tarde da noite brincando de pique e futebol. Hoje a criança fica até tarde brincando no tablete ou celular e não sai de casa, naquela época era o contrário, não ficamos em casa. No Largo São José tinha um campo, onde passávamos o dia jogando bola.

Jornal do Sudoeste: Como foi a fase de escola?
S.M.F.: Eu sempre tive muita facilidade para aprender, quando me formei no grupo tirei o primeiro lugar. Depois fui para o Paraisense. Nessa época aconteceu algo interessante: meu avô, Nequinha Mafra, foi vice-prefeito, vereador e ligado à UDM, assim como Monsenhor Mancini. Quando montou o colégio Industrial e Estadual, que era do PSD, eu não podia ir para lá, mas eu também não tinha condições de ir para o Ginásio Paraisense, o colégio do Padre; nesta época tinha um deputado, o Joaquim de Melo Freire, que me deu uma bolsa, então durante seis anos que estudei no Colégio, acho que ganhei bolsa em quase todos os anos. No entanto, essa bolsa só vinha em outubro e novembro, e como atrasava o pagamento eu não tinha acesso às minhas notas, só no final do ano. Graças a Deus, tudo deu certo e eu nunca peguei recuperação. Aprendi a conviver com essa adversidade e isso me ajudou a ser também mais responsável. Não era comum meus pais ficarem vendo meus deveres.

Jornal do Sudoeste: Você prestou vestibular para ao UFOP?
S.M.F.: Sim, daqui de Paraíso foram quatro aprovados. Além de mim, o Newton Martins da Cunha, Luiz Sérgio Marques e o José Aparecido Amaral. Incialmente, meu pai não queria que eu fosse, dizia que Ouro Preto era um lugar perigoso. Mas eu disse a ele que estava feliz, que tinha passado em uma federal e que tinha muita gente de Paraíso que também estudaria lá - Paraíso tem um histórico em Ouro Preto, há alunos que estudaram lá há mais de 100 anos. Para mim, era o único lugar que eu teria condições de estudar, pois vinha de uma família humilde. Meu pai era assalariado, trabalhava para a Siqueira Meirelles (era concessionária do serviço de energia elétrica em Paraíso), então o pouco que ele mandava era difícil para eu sobreviver e era muito para ele tirar de dentro de casa, só a gente sabe o sacrifício que foi. Talvez meus pais até passassem alguma privação para que não faltasse nada a mim. Criei um senso de responsabilidade muito grande e vivi o melhor período da minha vida em Ouro Preto, porque lá tive o acesso à cultura que aqui não tive - era teatro, música clássica, literatura, e para mim era um tabu, porque eu não conhecia, só sabia de futebol. Lá me criei como pessoa, convivi com diferentes culturas, gêneros, situações financeiras. O pouco que meu pai me ajudava, eu via que ainda era muito comparado a quem estava ali.

Jornal do Sudoeste: Como foi a construção da sua carreira após a formação?
S.M.F.: Formei-me em 1980. Meu primeiro emprego foi na Belgo Mineira em Belo Horizonte, onde trabalhei por quatro anos. Depois foi inaugurada uma siderúrgica em Juiz de Fora, a Siderúrgica José Mendes Junior, onde fui contratado para participar da montagem de um startup da Usina. Lá cheguei como gerente de área e cheguei a ser superintendente, sendo subchefe de aproximadamente 600 pessoas no auge da indústria. Depois esta indústria, como todo o grupo Mendes Junior, passou por dificuldades financeiras e foi vendida, nesse período voltei para São Sebastião do Paraíso, em 1995, e fiquei até 2007, quando a Votorantim Siderurgia comprou uma unidade fabril na Colômbia. Fui chamado para fazer um diagnóstico de avaliação da empresa, depois ela passou por um processo de modernização do aço, houve uma mudança no processo de fabricação e o produto saiu diferente do que era, consequentemente foi preciso fazer uma adaptação. Fui contratado para ser um facilitador entre o novo produto e os clientes antigos. Na Colômbia fiquei de três a quatro anos, mas quando trabalhei na Mendes Junior também dei muita assistência técnica fora do Brasil, principalmente na América Latina.

Jornal do Sudoeste: Depois você regressou ao Brasil?
S.M.F.: Sim, quando a Votorantim inaugurou uma nova unidade da Siderúrgica Barra Mansa em Re-sende (RJ), para poder entrar no mercado fui fazer o que fazia na Colômbia, ser o facilitador do lançamento desses produtos, onde trabalhei por cerca de nove anos. A Votorantim foi vendida para a Arcelor Mittal, onde hoje estou trabalhando. Atualmente só atendo os clientes do Brasil, essa é uma parte da minha função, a outra é desenvolvimento de produtos. Vou fazer 40 anos de formado e minha carreira toda foi voltada a um ramo da siderurgia que é chamado de deformação mecânica, praticamente trabalhar com arames e diversos subprodu-tos, quer fosse para edifi-cação, automobilismo ou construção civil. Esse era meu forte, e paralelamente eu atuava nas comissões de norma técnicas; sou conselheiro da Associação Brasileira de Metais e sou corresponsável pelos seminários internacionais que são promovidos no seguimento que eu mais conheço, que é a deformação mecânica. Temos um comitê que se reúne quase todo mês e revê as normas que dita o mercado, para quem não conhece, treliças, telas entre outros produtos, tudo passa por uma revisão.

Jornal do Sudoeste: Foi um longo caminho de aprendizado, não?
S.M.F.: Sim, eu sai de Ouro Preto com uma lição de vida, mas tecnicamente saí com base acadêmica. A Belgo Mineira foi minha segunda escola, onde encontrei verdadeiros professores que me ensinaram a prática. Acredito que essas duas escolas é a razão de hoje, aos 64 anos, eu ainda estar empregado. Quase todos da minha geração já não trabalham mais, a maioria já cansou, assim como já estou me cansando, mas ainda estou firme e sobrevivi a uma série de coisas. Acredito também  que resisti no ramo porque sempre tive vontade de aprender, e em nenhum momento achei que era autossuficiente.

Jornal do Sudoeste: Por que você escolheu a engenharia?
S.M.F.: Sempre gostei muito de matemática e tive talvez um dos melhores professores em termos de exigência, que foi o Antônio de Almeida (Toninho Bioquími-co), que ministrava a disciplina de química, ele era o “terror” entre os professores. Eu tinha o gosto pela matemática e pela química, então a engenharia metalúrgica foi certamente fruto disso.

Jornal do Sudoeste: Nesses mais de 40 anos, qual foi o momento de maior dificuldade?
S.M.F.: No profissional, nunca tive problemas, sempre tive bons relacionamentos. Mas acredito que pessoalmente, o momento mais difícil foi em dezembro de 2014, quando foi diagnosticado com câncer e precisava fazer um transplante de medula. Naquela época me sentia muito cansando, mas nunca tinha sentido nada além disso. Minha esposa tinha notado esse cansaço e eu sempre fui muito elétrico, mas achei que tivesse relação com o período que fiquei na Colômbia, devido a altitude. Até então, embora levando a situação como algo difícil, levava também como algo superável. O momento mais difícil, foi o da quimioterapia. Quando fiz esse primeiro ciclo, passei o Natal no hospital. No dia 30 de dezembro o médico entrou na sala e havia dito que a quimio deu errado, e que eu ainda tinha 68% das células cancerígenas. Disse ainda que o câncer era agressivo e que não havia outra solução senão fazer o transplante de medula, e que meus irmãos não eram compatíveis. Naquele dia faltou chão para mim, mas quis Deus que tudo desse certo. Meus filhos fizeram o exame e deu quem era 50% compatível. A probabilidade de dar errado era muito alta, mas Deus quis que desse certo. Nunca senti nada depois disso, somente um mal-estar nos primeiros dias. Credito tudo isso, primeiramente a Deus e a Nossa Senhora, que sempre estiveram comigo, segundo a oração das pessoas - a solidariedade que eu recebi foi sem igual e de pessoas que nem conhecia; e também devo ao tratamento que recebi, que foi um tratamento de ponta. A minha recuperação foi fantástica, já faz cinco anos que fiz o transplante, e mais de um não tomo nenhum remédio.

Jornal do Sudoeste: É uma nova vida, não?
S.M.F.: Sim, eu saí disso muito diferente de quando entrei. E quero ajudar as pessoas, como eu ainda não sei, mas penso em fazer um trabalho, quer seja sobre o câncer – que ainda sofre muito preconceito e a maioria das pessoas não querem falar sobre isso, quer seja para quem precise. Eu preciso retribuir o que eu ganhei na vida. É meu objeto daqui para frente.

Jornal do Sudoeste: O que significa a família para o senhor?
S.M.F.: Todas essas dificuldades nos tornam mais unidos, e mais fechados entre a gente. Mas hoje minha percepção de família é um pouco diferente do que era; não desmerecendo o conceito de família, mas também dou muito valor aos amigos, que não têm me faltado a vida inteira, sempre presentes em momentos difíceis e que tem me ajudado. Tive a solidariedade de muitos amigos nesse período, e ainda tenho, e procuro preservar essas amizades.

Jornal do Sudoeste: Qual o balanço que você faz dessa trajetória?
S.M.F.: Até agora, tudo valeu a pena. Sou um sujeito muito esperançoso. Meu sonho é morrer jovem o mais tarde possível. Consegui, ao longo da vida, me atualizar, não me desassociar do que é moderno, do que é evolução, isso é se manter jovem. É o balanço que eu faço. Tenho uma família muito boa, e que sempre esteve comigo. Gosto de ter meus filhos, exagerando um pouco, debaixo da minha asa. Agradeço a tudo o que passei; eu saí do zero, meu pai com toda a dificuldade criou a mim e a meus irmãos; consegui fazer uma boa escola; consegui vencer com a ajuda dos meus pais e da minha família; tive adversidades na vida, mas estou superando. A doença foi para mim, acima de tudo, uma lição de vida; num primeiro momento eu achei que fosse morrer, hoje agradeço pela doença abrir os  meus olhos para muitas coisas. Agora, meu sonho é pagar essa oportunidade que eu tive na vida, ajudando ao próximo.