ENTRETANTO

Entretanto

Por: Renato Zupo | Categoria: Justiça | 04-12-2019 09:19 | 824
Foto: Reprodução

Impeachment de Gilmar
Todo detentor de cargo público de Estado e, portanto, representante dos poderes da República, pode sofrer afastamento constitucional, que é o impeachment. Não só presidentes da República. O problema quanto à possibilidade de impeachment do Ministro Gilmar Mendes, que muitos pedem, não é esse. É a ausência de justa causa para fazê-lo. Como muito se falou no caso de Dilma, não é possível afastar do poder alguém simplesmente porque não é simpático ou porque desempenha de maneira insatisfatória suas funções. Tá certo, Dilma quebrou o país, mas sequer foi processada criminalmente por isso. De Gilmar se diz que é seletivo em suas decisões, o que é uma inverdade. Quando erra ou acerta, o faz igualmente para todos os lados. Também se diz que amealha ligações com políticos, dentre os quais seus processados, e é citado nominalmente o ex-governador mineiro Aécio Neves. Nunca se fez prova, contudo, de amizade íntima ou inimizade clara ou interes-se econômico a vincular Gilmar aos seus réus, e somente isso tornaria a conduta dele improba e desonesta. E o momento de provar não é durante um processo de Im-peachment. Acho Gilmar Mendes coerente e, sobretudo, corajoso: sua linha de raciocínio é a que menos muda, e quando seu entendimento muda ele fundamenta bem essa mudança. E não está nem aí para os seus (muitos) críticos. A cara dele pode ser feia, mas é uma só, diferente de outros…

Juristas e políticos
A história de passeatas contra Ministros do Supremo é preocupante, mas explicável: quando o jurista se comporta como político, quando troca seu discurso dialético pela retórica populista, arrisca-se a ser tratado como político, o que, no Brasil, significa passeatas contrárias, execração pública, manifestações grosseiras de desapreço a homens públicos. O que acho interessante é como uma mudança de rumos faz enorme diferença, mesmo no Supremo Tribunal Federal. Com o Ministro Toffoli no comando dos trabalhos daquela mais alta corte de justiça, o Poder Judiciário é vinculado a crimes, ameaças, CPI do lava togas, etc… A situação, no entanto, era – senão de calmaria, isso não existe por aqui há vinte anos – ao menos de equilíbrio democrático e ordem institucional quando era a Ministra Carmem Lúcia a exercer o cargo de magistrada suprema do Brasil.

TSE e Fake News
O Tribunal Superior Eleitoral também é responsável pela disciplina durante as campanhas eleitorais e não somente pela aplicação de leis e penas. E estabeleceu a possibilidade de impor sanções aos futuros candidatos às próximas eleições municipais que tenham a ousadia de criar ou divulgar informações falsas, as Fake News.  Isso, prestem atenção, no âmbito da Justiça Eleitoral, porque a divulgação de mentiras por qualquer meio ou mídia configura crime ou ilícito civil segundo a nossa legislação, e quando acarretar dano gera indenização, ao menos desde o último Código Civil em vigor desde 2002 (para mim, desde sempre). O que a justiça eleitoral irá disciplinar é a possibilidade de sanções obviamente eleitorais para aqueles autores e divulgadores de notícias falsas, punindo com a inelegibilidade e multas aos infratores. Acho que somente se deve ter cuidado com o que chamo de efeito colateral eleitoral: o correligionário do candidato apronta a confusão e o candidato paga por ela; ou o adversário político forja o fogo amigo, se finge vítima da notícia falsa e tenta incriminar seu concorrente. Nos dois casos, pode dar absolvição, mas dá trabalho sentar no banco dos réus. O cuidado para não se confundir o joio com o trigo, para não misturar alhos e bugalhos e se cometer uma injustiça deve ser redobrado.

Puro malte
Encontrei outra expressão para odiar, ao lado de “política pública” e “empoderamento”, tudo sinal dos novos tempos politicamente corretos e culturalmente paupérrimos. É a expressão “puro malte”, acoplada por extrema ignorância às marcas de cerveja que se dizem premium e que produziriam hipoteticamente cervejas mais puras. Elas podem até ser mais gostosas, mas não será porque possuam “puro malte”, porque toda cerveja possui malte puro. Sem ele, a bebida gerada não seria cerveja. Toda cerveja é feita de malte. Seu nível de pureza não advém do malte extraído do grão, mas do tipo e da qualidade do cereal. O melhor malte é o extraído da cevada, e acho que é isso que essa legião de cervejeiros ignorantes quer dizer com “puro malte”, mas também é possível extrair malte do arroz, do centeio, do milho, e nem por isso o malte será menos puro. O que torna uma cerveja boa ou ruim é o seu “blend”, a qualidade de sua mistura de malte, lúpulo, água, levedura, etc... E há cervejas de malte de milho boas e de malte de cevada ruins. Para que se tenha uma ideia, durante a Copa 2014 no Brasil o jornal O Tempo descobriu alguns torcedores da Bélgica hospedados em Belo Horizonte. Foram pesquisar seus hábitos para uma reportagem e, sabedores da fama dos bons cervejeiros belgas, lhes perguntaram a melhor cerveja experimentada em terras brasileiras. A resposta: Antártica Sub Zero, que não é de “puro malte”, não é de malte de cevada, mas que lhes agradava ao paladar. Portanto, “puro malte” não existe, nem como conceito de boa cerveja.

O dito pelo não dito
“Se não puder convencê-los, confunda-os.” (Harry Truman, político e ex-presidente americano)

RENATO ZUPO – Magistrado, Escritor