ELY VIEITEZ LISBOA

O Trágico Adeus

Por: Ely VIeitez Lisboa | Categoria: Cultura | 10-12-2019 10:47 | 1661
Foto: Reprodução

Despedida é sempre algo trágico. Como uma perda sem volta. Eles vieram para ficar conosco por pouco tempo. Seus donos, Bia e Antônio, pessoas queridas, iam se mudar de Boa Vista, em Roraima, para Porto Seguro, na Bahia. Os bichinhos, duas cachorras, três gatas e um galo ficariam conosco até eles alugarem uma casa e preparar alojamento adequado para todos. E assim aconteceu. Chegaram, de avião, em caixas especiais. Acostumaram-se rapidamente. Só que a demora foi maior e aqui ficaram vários meses.

As cachorras Dorinha e Lídia logo fizeram contato com todos os latidos da vizinhança e ficaram muito amigas, vindo todas as manhãs lamber-me as mãos, para me acordar. As gatinhas deram-me lições de felinos. Eu nunca tivera nenhuma. Piu, logo de início, resolvida, optou pela minha cama e passou a dormir comigo. Miu era arisca. Acostumada a ser mimadíssima pelo dono, fugia de tudo, nunca se aproximava, mas após alguns meses ficou mais amiga, vinha para mais perto e com a carinha linda, dava miaus pelas suas necessidades. Mas jamais aceitou colo. Era cismada e meio traumatizada. Piu logo criou laços e um dia subiu na cama, caminhou sobre meu corpo e ficou alguns minutos me encarando, como sinal de amizade. Estava consolidado o pacto.

Nininha, preta e branca, tinha mania de ser cachorra. Dormia com Dorinha e Lídia e fazia poses estranhas, não muito felinas. Era realmente uma gatinha especial. Toda madrugada, entre duas e três horas vinha ao meu quarto, punha-se diante da porta de saída para o quintal, olhava-me e fazia um miau irresistível, pedindo para sair, para fazer suas necessidades ou realizar conquistas. Nunca pude negar.

E assim foram muitos meses, agradáveis e cheios de surpresas. Um dia assustei-me. Quando Nininha, a caçadora, apareceu com uma grande lagartixa na boca. Tentamos tirá-la, mas ela reagiu bravamente, pelo direito de sua conquista, fugindo com sua presa.

Tudo estava perfeito, meu marido descobriu guloseimas para se misturar com as rações, porque Lídia e Dorinha estavam meio inapetentes... Gostaram do pescoço de frango triturado e do angu com tempero bem leve. Dorinha começou a tossir  e o veterinário diagnosticou que ela estava com problemas cardíacos. Receitou vários remédios, que meu marido dava gentilmente, com pequenos pedaços de pão. Ela foi melhorando e até engordou um pouco. Assim foram oito ou nove meses, de doce camaradagem, a casa muito alegre, com nossas hóspedes adoráveis.

Como sempre, veio o adeus. Bia e Antônio, com bela casa alugada em um dos mais famosos Condomínios da cidade, construíram um abrigo para as cachorras, fecharam o quintal com segurança e avisaram que nosso pequeno zoológico devia viajar para Porto Seguro. Foi trágica a despedida. Coração apertado. Todo adeus é doloroso.

Hoje a casa parece muito vazia. Bia nos consolou mandando muitas fotos de todas, passeando com as cachorras e as gatinhas repousando lindamente nas camas, até com coleirinhas novas. Aprendi mais uma lição na vida. O amor é sempre efêmero e passa pela vida só para encantá-la por pouco tempo. Sempre vem o adeus, para nos ensinar que o sofrimento é o tempero da felicidade. Ela é bela, enquanto dura. Sua eternidade é só para os deuses.

Outra lição que aprendi é que na vida há dois depósitos. O dos sonhos falidos (sempre a ser visitado) e o dos belos acontecimentos que enriqueceram nossa existência. O segundo é local sagrado para noites insones e alimenta a vida. Penso que este segundo é um prêmio de consolação de Deus, que afinal tem culpa no cartório, por ter iniciado toda esta história.

(*) Ely Vieitez Lisboa é escritora
E-mail: elyvieitez@uol.com.br