A advogada Lidiane de Campos Baldo, graduada em Direito pela Unifenas, pós-graduada em Direito e Processo Civil e Direito de Família, atualmente pós-graduanda em Práticas Sistêmicas, nutre profundo amor pelo seu trabalho. Com um olhar humanizado para a prática da advocacia, ela busca por meio da mediação de conflitos, tendo como base o Direito Sistêmico, resoluções que causem o mínimo de dor possível às famílias em um caso, por exemplo, de divórcio. Lidiane também se dedica à causa dos direitos da pessoa com o espectro autista, sendo responsável hoje pela Comissão dos Direitos da Pessoa com Autismo da 41ª Subseção da Ordem dos Advogados Brasil. Filha dos produtores rurais Orestes Baldo Neto e Roseli Aparecida de Campos Baldo, casada com o ortodontista Erik Lima Diogo e mãe da Melissa, de 14 anos, e da pequena Valentina, de seis, Lidiane recebe a reportagem do Jornal do Sudoeste e conta um pouco de sua vida e profissão.
Jornal do Sudoeste: Como foi sua infância em Santo Antônio da Alegria?
L.C.B.: Passei grande parte de minha infância na zona rural, em Santo Antônio, onde meus pais têm propriedade. Estudei em uma escola de zona rural, construída em uma área cedida pelo meu bisavô, Orestes Baldo Neto. Todas as pessoas da família estudaram até a quarta série nesta escola, depois íamos para a cidade onde terminávamos os estudos. Da quinta ao terceiro colegial estudei na Escola Estadual Cônego Macário de Almeida. Nas minhas férias ia muito para Altinópolis, onde moravam meus avós maternos, lá aprendi muito com a minha avó, que era uma pessoa muito caridosa e envolvida com a comunidade.
Jornal do Sudoeste: Seu trabalho hoje em relação ao Direito de Família e mediação de conflitos tem relação com suas origens?
L.C.B.: Meu avô paterno era um mediador de conflitos nato. É uma vocação que vem da minha ancestralidade, não escolhi o Direito, foi o Direito que me escolheu por intermédio dos meus antepassados, que se dedicavam à comunidade. À escola rural construída na época, foi dado o nome do meu bisavô, que já tinha uma visão de trazer cultura e educação para a zona rural. Quando a prefeitura de Santo Antônio precisou de uma área para construir, meu bisavô prontamente cedeu o terreno. Naquela comunidade, todos nós morávamos próximos e íamos a pé para a escola, que era do lado da casa do meu avô. Eu tenho muito orgulho disto e quando vou lá, entro em conexão com tudo o que vivenciei na minha infância.
Jornal do Sudoeste: Como você decidiu que queria estudar Direito?
L.C.B.: Isto foi se definindo no decorrer de muitos anos e acredito que tenha se definido ali na minha primeira infância, do zero aos sete anos. Eu já tinha essa questão de ajudar o outro, principalmente às pessoas com deficiência. Recordo-me que na escola uma aluna sofreu um aneurisma, uma estudante da 4ª série, e era eu quem ia a casa dessa menina e copiava toda matéria. A escola chegava até ela através de mim, já que ela não tinha como frequentar porque havia passado por um problema muito sério. Da 5.ª a 8.ª série eu também acompanhei uma aluna que tinha diabetes e enfrentava uma série de dificuldades. Quando ela ia para a escola eu passava o conteúdo nos intervalos para que pudesse acompanhar a turma. Sempre apoiei as pessoas que tinham essas dificuldades, então meu interesse em ajudar ao próximo é uma construção que vem lá da minha infância.
Jornal do Sudoeste: Como surgiu Paraíso na sua história?
L.C.B.: Eu vim para Paraíso com 17 anos para estudar Direito na Unifenas. Aqui, tinha dois primos que também faziam Direito, além de uma turminha de Santo Antônio que vinha para Paraíso estudar. Naquela época tive muito contato com pessoas que cursavam Direito, e me diziam que poderia prestar concurso e teria muitas oportunidades. Então decidi estudar esta área, e também tive a possibilidades de ir para Ribeirão, mas o vestibular daqui saiu primeiro, prestei e passei. Ao longo dos cinco anos de faculdade, conheci meu marido, e acabei decidindo por ficar em São Sebastião do Paraíso, já que a família dele é daqui.
Jornal do Sudoeste: Como foi o começo dessa carreira?
L.C.B.: Eu comecei a atuar depois de cerca de dez anos de formada. Nesse meio tempo me tornei mãe e decidi cuidar da minha família, depois retomei os estudos e prestei a OAB. Mesmo que eu fosse atuar provisoriamente, teria que estar inscrita na OAB porque é uma etapa, e não podemos pular etapas. O começo foi muito difícil, porque não tinha escritório, atendia em casa e cheguei a atender clientes na sala de jantar da minha casa, isso quando eu não usava a sala de espera do consultório do meu marido nos horários em que ele não estava trabalhando. No começo, não havia o processo digital, então eu tinha que fazer as diligências. Recordo-me que me cadastrei nesses sites de correspondentes jurídicos e prestava muitos serviços; levava currículo em vários lugares, mas não conseguia nada, era recém-formada, de uma família que não era de Paraíso, então tive essa dificuldade, mas não desisti. Já havia feito uma pós-graduação em Direito e Processo Civil, e continuei estudando, fiz alguns cursos de especialização, outra pós em Direito de Família e agora estou fazendo uma pós em Práticas Sistêmicas.
Jornal do Sudoeste: A mediação é algo que você diz vir da sua ancestralidade. Como é este trabalho do advogado de família?
L.C.B.: É muito importante para os advogados que vão atuar na área que eles façam a especialização. Nela aprendemos os princípios e os pilares do Direito de Famílias. No contexto de um conflito familiar não se tem ganhador ou perdedor, as partes precisam empatar, e quando empataram é quando existe a justiça, a resolução verdadeiramente do conflito. O advogado de família não pode olhar só para o cliente dele, mas todo o contexto que existe por trás desse cliente, toda a sua linha genealógica, e também a da outra parte, porque não existe ex-pai ou ex-mãe, você tem que dar um lugar no coração para cada relacionamento que você tem durante a vida. Por isso é importante uma boa orientação jurídica e comportamental, é nesse momento que entram os profissionais afins, que auxiliam o escritório de advocacia de família, já que muitas vezes temos que encaminhar o cliente para o psiquiatra, por exemplo. Temos que ter essa sensibilidade e olhar para esses clientes como um sujeito, que precisa ser acolhido pelo advogado em momento de sofrimento, por exemplo, quando de divórcios.
Jornal do Sudoeste: O advogado de família tem um papel fundamental nessas relações ...
L.C.B.: Sim, é um mero facilitador nessas relações de conflito, ele não pode se envolver emocionalmente, sempre se norteando pelos princípios éticos da advocacia. A mediação de conflitos e essa prática da advocacia sistêmica vêm para mostrar que existe uma falta de comunicação entre as pessoas, e que essa falta de comunicação é que geram os conflitos, mas que a gente pode recomeçar e dar um lugar de respeito para cada um dos envolvidos e estabelecer o diálogo. Temos que ser o intermediador entre o conflito para que as partes voltem a dialogar pelo menos para definir as coisas básicas, como a guarda dos filhos e a convivência entre eles.
Jornal do Sudoeste: O que é o Direito Sistêmico?
L.C.B.: O Direito Sistêmico foi criado pelo juiz Sami Storch para denominar o uso da técnica “Constelações Familiares”, sistematizada pelo psicoterapeuta alemão Bert Hellinger, no âmbito do Judiciário brasileiro. Hellinger criou as “constelações familiares” baseado no psicodrama na fenomenologia existencial, hipnose, na psicanálise. Então, com essa junção de técnicas se chegou à constelação familiar. É uma técnica que foi inserida como um dos métodos de resolução de conflitos pelo Conselho Nacional de Justiça. As constelações familiares são fundamentadas em três princípios, o primeiro é o pertencimento: todos nós pertencemos ao sistema familiar; o segundo é a ordem: cada um na família tem o seu lugar e quando existem papéis trocados é quando entra o psicodrama dentro da Constelação, ou seja, quando o marido ocupa o lugar da esposa, por exemplo, ou o filho não se desvinculou psicologicamente da família e não consegue ir para vida, existe uma desordem dentro daquele sistema familiar; o terceiro princípio é o equilíbrio: é o equilíbrio entre as partes, se não existir um alinhamento das ideias, isso provoca alguns gargalos que precisam ser vistos e precisam ser organizados, ou seja, as partes ter consciência da questão, e ver o que pode ser feito para dar um passo a frente, ou se ela precisa dar um passo para trás.
Jornal do Sudoeste: o Direito Sistêmico já está bem difundido no Brasil?
L.C.B.: Sim. Começou na Bahia e atualmente existem mais de 100 comissões de Direito Sistêmico espalhado pelo Brasil. É um movimento da advocacia de olhar para o cliente um pouco além. Dizemos que estamos a serviço da vida e de algo maior, esse algo maior é olhar o ser humano por inteiro, com muito respeito a todos que vieram antes dele. Esse juiz da Bahia faz um evento por mês que são as oficinas de constelações familiares, então ele separa os processos de guarda, de divórcio, de adoção, enfim, por temas, e faz uma palestra, que já é um movimento sistêmico porque mexe com a alma das pessoas. Então, o problema que é de um casal, afeta o filho e todos daquela família, diante disto todos são convidados a participar, mas não é obrigatório, e a partir dali já tem uma resolução do conflito. Muitos saem daquela sessão, e de várias outras que ocorrem pelo Brasil, conscientes do conflito que existe. Assim, é chamada a outra parte e é quando acontecem os acordos; de todas as palestras que aconteceram na Vara da Família em Itabuna (BA) houve um índice de 100% de acordos. Hoje o Direito Sistêmico vem se espalhando pelo Brasil e já existe uma pós-graduação em São Paulo, já existe em Brasília, em Belo Horizonte.
Jornal do Sudoeste: Qual a importância desse olhar sistêmico nos casos mediados pelo advogado da família?
L.C.B.: Tem muita mãe que chega, num processo de divórcio, por exemplo, e não quer deixar o filho passar as férias com o pai; quando você faz o movimento sistêmico das constelações no atendimento jurídico a mãe cria consciência de que o filho precisa do pai ou pai cria consciência de que não adianta falar mal daquela mulher na visitas do filho porque quem será o maior prejudicado será o filho e as futuras gerações daquele sistema familiar. Quando alguém passa pela alienação parental, esse alguém tem uma dificuldade muito grande de estabelecer vínculos, de ter bons relacionamentos, tem medo de ir para vida e quando vai não se entrega emocionalmente... é como se esta pessoa se tornasse incompleta. Então, temos que trazer essa consciência para a família, de que o divórcio às vezes é um remédio para muitas pessoas, de olhar para o problema muitas vezes como uma solução, porque às vezes o casal briga tanto naquele sistema familiar na presença dos filhos, que o divórcio se torna um alívio. Por isso a importância do advogado nesse processo, para que ele facilite os processos e haja menos sofrimento, e para que essa família tenha mais consciência, não importa como ela é constituída, se é um pai e uma mãe, se são duas mães ou dois pais, há vários conceitos de família protegidos pela Constituição Federal.
Jornal do Sudoeste: Você também tem uma oficina de Constelações Familiares?
L.C.B.: Sim, eu criei essa oficina porque não trabalhamos apenas com o cliente, mas com a comunidade. Essa é uma oficina privada onde participam advogados, estudantes de Direito entre outros. Geralmente é uma vez por mês, abrimos com 15 inscrições, mas a intenção é ampliar. Este ano também fui presenteada com um convite feito pela Libertas Faculdades Integrada para dar um curso de noções básicas de constelações familiares. Tínhamos um grupo de 20 pessoas e foram realizados quatro encontros em que participaram advogados, nutricionistas, funcionários da faculdade, estudantes, era um público diversificado. Muitos foram transformados e tomaram consciência da origem das suas dificuldades.
Jornal do Sudoeste: Qual a mensagem que você pode deixar para aqueles que estão passando por dificuldades dentro da família?
L.C.B.: Existe uma frase: “A gentileza começa de mim para mim, depois vai reluzindo para os demais”. A palavra que eu deixo para as pessoas que estão com conflitos na família, que está com dificuldade de seguir o seu próprio caminho, seu propósito de vida, é que olhem para trás e agradeçam a todos que vieram antes deles, para que possam ter um leque de possibilidades pela frente e percebam que enquanto eu fico na ingratidão ou reclamando de algo eu não consigo enxergar o meu propósito. O movimento começa dentro de cada um, é você com você e depois isso vai se expandindo.
Jornal do Sudoeste: Como começou seu trabalho com os direitos da pessoa com o espectro autista?
L.C.B.: Foi por meio da Comissão da OAB. Na realidade, eu queria participar das caravanas que um advogado de Belo Horizonte promovia em prol deste movimento dos direitos da pessoa com o espectro autista, o advogado Antônio Claret. No entanto, o presidente da OAB em São Sebastião do Paraíso achou interessante que nós criássemos um trabalho aqui e dentro da OAB de Paraíso, porque até então não havia um trabalho de grande proporção voltado para a comunidade. Começamos a fazer eventos na Libertas, fizemos parcerias com a Secretaria municipal de Educação, SRE, AMA. É um trabalho voluntário. Este movimento acontece uma vez por ano. Também é uma forma de mostrar para os futuros advogados a questão da inclusão, são trabalhadas diversas deficiências. O Estatuto da Pessoa com Deficiência tem um leque de direitos que precisam ser discutido, vistos.
Jornal do Sudoeste: Você também trabalhou em um projeto de lei para a garantia dos direitos da pessoa com o espectro autista, não é mesmo?
L.C.B.: Sim. Eu procurei a vereadora Cidinha Cerize, e juntas estudamos um projeto de lei voltado para a garantia dos direitos da pessoa com o espectro autista e que pudesse se adequar ao nosso município. Acompanhei todo o trâmite, o projeto foi aprovado pela Câmara Municipal por unanimidade e encaminhado para sanção. Esse projeto é para que se possa melhorar os atendimentos a pessoa autista. Felizmente, em Paraíso não há muita judiciali-zação neste aspecto. Eu não faço parte do corpo administrativo da AMA, mas fico a disposição caso eles precisem de algo e, quando acontece, eu acompanho o caso indicado, seja ele de violência, seja sobre falta de vagas nas escolas – e recentemente uma escola negou vaga para a criança autista e fizemos todo um movimento.
Jornal do Sudoeste: A conscientização e o olhar para a causa é importante, não é mesmo?
L.C.B.: Eu costumo dizer que existe Paraíso antes e depois da Comissão dos Direitos da Pessoa com Autismo da 41.ª Subseção da OAB. Antes, as pessoas não olhavam muito para isso, então a intenção da Comissão foi disseminar informação para que as pessoas possam incluir essa pessoa com deficiência no convívio social. N caso de negação de matrícula, temos que unir todo mundo e ir ao Ministério Público denunciar, sim, e fazer movimento para que, a partir daí, a direção daquela escola tome as providências de investir no trabalho de inclusão social. A lei que fizemos, por intermédio da vereadora, veio para colocar, por exemplo, o símbolo da pessoa autista, que é uma fitinha, nas placas preferenciais. Em São Paulo, por exemplo, já existe essa lei. O atendimento preferencial não é para atender aquela pessoa primeiro, mas porque há autistas que não suportam barulho ou aglomerações e isso pode desencadear uma “crise” por conta do barulho. Então, temos essa lei, e muita gente não sabe. Não sabe também que existe uma revista online sobre autismo, ou que não tem acesso à revista ou à revista eletrônica porque não sabe baixar. São revistas gratuitas que você entra no site e vê onde tem a distribuição e que a pessoa jurídica como a Câmara, a OAB ou a Prefeitura podem fazer um cadastro e receber para distribuir para a comunidade. São pequenas coisas que mudam a vida dessas famílias e que fazemos por amor a causa.
Jornal do Sudoeste: Qual o balanço que você faz dessa trajetória, até agora?
L.C.B.: Eu olho para trás com uma imensa gratidão por tudo. Foi tudo o que aconteceu que me fez chegar aonde eu cheguei hoje. Lógico, ninguém está pronto, e eu não me sinto pronta ainda para fazer algo ainda maior, dentro do que estava ao meu alcance, e dentro das minhas limitações, eu fiz tudo o que eu pude fazer. Eu tenho muita gratidão porque aprendi muito, principalmente com cada cliente que tive; aprendi que em muitos momentos eu preciso saber até aonde posso ir, e até onde devo dar um passo para trás, porque às vezes, ajudar é bom, mas eu preciso observar se estou ajudando por ego ou por uma questão maior. Temos que ajudar a sociedade, sim, mas precisamos ter consciência se essa ajuda é bem vinda. Ainda tem muito a ser feito. Há uma frase interessante: “O movimento começa dentro de cada um”, e que a gente tenha a consciência de que somos meros facilitadores dos conflitos e que possamos facilitar a comunicação, agir com urbanidade, mas que cada um tenha seu lugar e sua função para que as coisas aconteçam, ninguém é melhor que ninguém, todo nós pertencemos a um sistema.