O soldado do 2º Pelotão de Bombeiros Militares de São Sebastião do Paraíso, o bombeiro Guilherme de Faria Tassin, há pelo menos seis anos dedica sua vida a servir e ajudar ao próximo. Ele decidiu se tornar bombeiro assim que surgiu a oportunidade de prestar um concurso público e não hesitou em deixar tudo o que havia construído até então para perseguir esse sonho de criança e, desde que se tornou soldado, vem se dedicando, não apenas à profissão, mas sempre em ampliar seus conhecimentos para poder transmiti-los a outras pessoas, porque conforme conta “o que salva a vida é o conhecimento”. Aos 32 anos, filho de Marcilia Faria e Donizete Tassin, irmão mais velho do Gustavo, soldado Tassin é casado com a Marcela Baquião Tassin e pai da Mariana, de sete anos, e, agora, aguada a chegada do seu próximo filho, o Pedro, que deve nascer entre fevereiro e março. Amigo antigo do Jornal do Sudoeste, onde trabalhou há muito anos, é feliz que conta um pouco da sua história e da sua construção enquanto pessoa e profissional.
Jornal do Sudoeste: como foi sua infância em Paraíso?
G.F.T.: Fui criado a vida toda em Paraíso, e na escola era um aluno um pouco bagunceiro, inclusive é até incondizente pensar que hoje sou militar e vivo em regime militar sendo que naquela época era um aluno bagunceiro, porém com boas notas. Trabalho desde os nove anos de idade, inclusive trabalhei aqui no Jornal do Sudoeste, foram cerca de quatro anos entregando jornal e colhendo assinaturas. Quis começar a trabalhar cedo para já ter as minhas coisas, ser um pouco independente, claro que não era possível a independência naquela época, mas eu podia ter o que tinha vontade com o meu dinheiro. Desde os nove anos nunca parei de trabalhar, e tive momentos na vida que trabalhei em mais de um emprego ao mesmo tempo. Trabalhava em um durante a semana, aos finais de semana em outro, e foi assim até a minha adolescência. Quando fiquei mais velho, comecei a trabalhar na Recon, que foi o momento em que fiquei mais estável, fiz faculdade de contabilidade e minha vida estava tomando um rumo completamente diferente do que é hoje. Naquela época estava me especializando em gestão de pessoas, fazendo diversos cursos de liderança e gestão, nunca imaginei que a minha vida fosse virar do avesso.
Jornal do Sudoeste: co-mo o Corpo de Bombeiros surgiu na sua vida?
G.F.T.: Desde a primeira infância eu tinha esse desejo e é muito normal o menino, muito deles, querer ser bombeiro. Recordo-me que quando estava na pré-escola e nós visitamos o antigo quartel dos Bombeiros, que era junto com a PM na época. Lá tivemos contato com as viaturas, brincamos e aquilo me marcou muito, e desde então sempre tive vontade de me tornar bombeiro, mas até então era um sonho distante porque o concurso público para o Corpo de Bombeiros de Minas Gerais é um dos mais difíceis do Brasil. Aconteceu que abriu o concurso, eu prestei e passei. Não cheguei a fazer curso preparatório, mas acredito que eu já estava predestinado a me tornar bombeiro. Bombeiro de coração a gente não vira, já nascemos.
Jornal do Sudoeste: Você trabalhava com algo completamente diferente, como foi essa reviravolta?
G.F.T.: Começou uma correria, principalmente por conta do condicionamento físico, porque o curso de formação de bombeiro dura cerca de um ano, e é um curso que exige muito física e psicologicamente da pessoa. Eu vinha de uma vida de praticamente 10 anos trabalhando em escritório sentado, e foram mais de seis meses de dedicação, conciliando trabalho e academia para conseguir fazer o curso de formação de soldado do Corpo de Bombeiros. Fui para Divinópolis, onde é considerado um dos melhores centros de formação de bombeiros de Minas Gerais. Lá morei um ano, estagiei em Divinópolis, depois em Pará de Minas.
Jornal do Sudoeste: Foi muito duro deixar tudo para trás para realizar esse curso?
G.F.T.: Quando eu fui para lá, minha filha tinha completado um ano, e sempre fomos muito ligados. Então foi uma fase muito difícil porque eu vinha a Paraíso com intervalos de 30 a 40 dias, ficava poucas horas e voltava. Então, perdi fases importantes da minha filha, como ela dando a primeira engatinhada, os primeiros passinhos, as primeiras palavras. Perdi tudo isso por decorrência do curso, mas não me arrependo. Porém, da mesma forma que existia essa dificuldade, existia o desejo de poder da um futuro melhor para minha filha, de poder ser um exemplo, e era isso que me fortalecia. Tudo isso em 2014, se pensarmos que atendemos a uma média de quatro mil ocorrência/ano, já tenho uma boa bagagem ao longo desses anos.
Jornal do Sudoeste: após formado já veio direto para Paraíso?
G.F.T.: Sim. Fiz estágio em Divinópolis e Pará de Minas, onde fiquei cerca de 40 dias direto e trabalhei na Operação Copa do Mundo, mas tão logo eu formei e fui redirecionado para cá. Até porque estudei bastante, tinha boas notas, e existia a vaga para Paraíso, por isso consegui vir para cá, até porque a gente é bombeiro do Estado de Minas, e para onde aparecer a vaga temos que ir, mas era aqui que eu queria ficar, é onde estava toda a minha família, os amigos, minha história.
Jornal do Sudoeste: Bombeiro recém-formado. Como foi início dessa trajetória aqui?
G.F.T.: O Corpo de Bombeiros de São Sebastião do Paraíso é muito bem conceituado e bem visto pela população. Tive a sorte de trabalhar com bombeiros muito experientes e que me abraçaram e me ajudaram muito porque, por mais que o curso de formação seja extenso, chegamos inexperientes e cada ocorrência é única. Então, fui acolhido por esses profissionais.
Jornal do Sudoeste: você não deixou de se especializar ao longo desses anos...
G.F.T.: Não. Pelo Corpo de Bombeiros fiz curso de especialização de busca e resgate em estruturas colapsadas, que é um curso muito duro onde lidamos com ocorrência como, por exemplo, desabamento de prédios, onde existem vítimas embaixo de escombros, e desde então integro uma equipe especializada do Sul de Minas e se tiver ocorrências dessa natureza, sou imediatamente convocado, como foi o caso de Brumadinho. Também tenho curso de formação de emergências médicas e também credenciamento de mergulho, que são credenciamentos a parte. Fora do Corpo de Bombeiros, realizando cursos particulares, são 41 cursos, desde a área de busca resgate, salvamento, altura, primeiros socorros, entre vários outros.
Jornal do Sudoeste: como você arruma tempo para conciliar trabalho, estudos e família?
G.F.T.: Na realidade a carga horária do Corpo de Bombeiro permite que eu possa buscar conhecimento e também aproveitar a família, porque eu tenho três dias de descanso. Geralmente fico um dia com a família, e nos outros dias estou treinando ou fazendo algum curso.
Jornal do Sudoeste: Quais ocorrências marcantes você sempre se recorda?
G.F.T.: Tem algumas interessantes, tanto com final feliz quanto com final triste. Porém, uma que marcou muito aconteceu no ano passado. Foi o caso de um bebê recém-nascido que estava engasgado. A primeira providência foi mandar a equipe de resgate e continuar conversando com essa mãe, até então eu ainda conseguia ouvir o choro do bebê, até que parou, isso significava que objeto estranho se movimentou e causou a obstrução completa das vias de respiração do bebê. A mãe estava muito nervosa, então perguntei que estava mais calmo, no caso o pai, e ele pegou o telefone e eu o orientei como fazer as manobras para desengasgar essa criança. No segundo ciclo de manobra eu consegui escutar o bebê chorar novamente, foi realmente muito emocionante.
Jornal do Sudoeste: como você lida com as emoções nesse momento?
G.F.T.: É complicado, porque a gente nunca quer perder ninguém, principalmente um recém-nascido, que é um ser indefeso e a gente também é pai. Porém, nesses momentos precisamos funcionar no automático, daí a grande necessidade do bombeiro estar bem treinado para nesses momentos pensar friamente e só depois, quando se encerrar a ocorrência, ter essa descarga de adrenalina, ficar triste quando o resultado não for positivo ou feliz quando der tudo certo. Mas no momento da ocorrência, temos que ser frios e não se envolver emocionalmente naquele momento. Umas das coisas que aprendemos é que o bombeiro não é motivo daquele sofrimento, ele é uma ferramenta de alivio, e quando o bombeiro começa esquecer isso, é quando ele se envolve emocionalmente na ocorrência e isso pode atrapalhar o trabalho.
Jornal do Sudoeste: e vocês lidam com muita tragédia, então é importante esse distanciamento, não?
G.F.T.: O tempo todo. Costumamos brincar que ocorrência boa é quando a gente sai para auxiliar um parto, porque sabemos que o motivo de sair do quartel é um bom motivo, do contrário são sempre ocorrências ruins.
Jornal do Sudoeste: já chegou a realizar um parto?
G.F.T.: Ainda não, mas já bati na trave duas vezes (risos). É um sonho que tenho desde que me formei. Uma vez a minha equipe estava de serviço, sai um pouco mais cedo por decorrência de uma folga que eu tinha e poucos minutos depois a minha equipe auxiliou em um parto. Por uma diferença de poucos minutos não estive presente. Mas já realizei curso e sempre busco estar preparado para quando acontecer esse momento.
Jornal do Sudoeste: é importante estar preparado para prestar socorro, principalmente quando envolve uma criança, não é mesmo?
G.F.T.: Sim. E sempre digo, o pai que espera a chegada do filho, principalmente a família que nunca teve uma criança, enquanto a mãe estiver no período da gestão, que ele procure aprender a como desengasgar um bebê, realizar uma manobra de ressuscitarão, porque você nunca sabe quando vai precisar. É muito mais fácil o familiar com algum tipo de conhecimento em primeiros socorros conseguir mudar o resultado em uma ocorrência do que esperar a chegada do bombeiro. Por mais que tenhamos o prazo de um minuto para deixar o quartel e chegar o mais rápido possível até o atendimento da ocorrência, existe um intervalo de tempo que pode ser a diferença entre a vida e a morte.
Jornal do Sudoeste: inclusive existe uma lei em Paraíso para que profissionais que trabalham com a educação sejam preparados para prestaresses primeiros socorros...
G.F.T.: Sim, é a Lei Lucas. Em 2018 tivemos uma turma de 44 professoras que trabalham com a inclusão de crianças com deficiência na rede regular de ensino. Foram diversos encontros onde trabalhamos a questão dos primeiros-socorros. A lei é algo que já deveria existir e o professor já deveria ser preparado para realizar esse socorro básico e saber lidar com uma parada cardiorrespiratória, hemorragia, uma engasgo... é algo que deveria ser matéria na grade escolar a partir do ensino fundamental, e é o que vemos em países de primeiro mundo. Lá fora, quando acontece alguma situação que exige os primeiros socorros as pessoas sabem o que fazer, já aqui ficam um pouco perdidas. Costumamos brincar que o bombeiro não salva vidas, o que salva vidas é o conhecimento. Muitas das vezes o bombeiro detém o conhecimento que é uma ferramenta que pode ser utilizada para salvar uma vida, mas ele salva muito mais quando consegue compartilhar esse conhecimento na sociedade, treinando professores, um grupo de jovens, enfim, multiplicando esse conhecimento. É muito mais fácil salvar desta forma que pegar uma viatura, sair correndo e chegar ao local para prestar o atendimento.
Jornal do Sudoeste: você também trabalhou na operação de resgate de vítima em Brumadinho. Como foi essa experiência?
G.F.T.: Inclusive a operação acontece até hoje. A operação de Brumadinho é um exemplo de dedicação e perseverança para todos. As condições naquele terreno são completamente adversas e tudo lá é extremamente difícil. Conseguimos recuperar quase todas as joias (é como chamamos os corpos das vítimas soterradas, para nós essas pessoas são joias). Atualmente restam 11 joias das mais de 300 que foram soterradas pela lama. Quando a barragem rompeu, o nosso grupo alguns minutos depois já começou a articular para ficar preparado caso houvesse o chamamento. Existe um comando o operacional do Corpo de Bombeiros que fica em Poços de Caldas e lá existe uma equipe intitulada Equipe “Brec”, que são as iniciais de “busca e resgate em estruturas colapsadas”, da qual faço parte. Quando tudo aconteceu, poucas horas depois eu já estava com tudo pronto, apenas aguardando a convocação, que veio três dias depois. Fomos a primeira equipe de fora a chegar naquele local.
Jornal do Sudoeste: como foi se deparar com aquele cenário?
G.F.T.: Era um cenário desolador. Quando chegamos tivemos um contato muito próximo com a população, como os familiares e amigos das vítimas. Sentimos na pele o sofrimento daquela população. Era muito triste, e apesar de toda a tristeza a população abraçou a causa dos bombeiros e se organizaram voluntariamente para nos alimentar, levar água. Os membros da Igreja Batista identificaram um dos nossos maiores problemas que era a farda suja de lama, uma lama contaminada, e passaram voluntariamente a lavar e nos devolver essa roupa limpa, sempre com uma mensagem de motivação, uma cartinha de alguma criança, um chocolate.
Jornal do Sudoeste: Como é ter esse feedback positivo, não apenas desta, mas das ocorrências que você participa no seu dia a dia?
G.F.T.: Gosto de dizer que procuro me especializar para que os outros possam me ver. É uma frase interessante porque tudo o que a gente faz é pensando no próximo. Às vezes deixo de ficar com a minha família para ir para o meio do mato ou algum lugar de altura para aplicar meus conhecimentos, já que vou utilizar aquilo para ajudar o outro. A população, de uma maneira geral, entende isso. Entende que deixamos tudo para ir onde o socorro é preciso, que nós jamais hesitaríamos em entrar em uma casa em chamas, abrindo mão da própria vida, para salvar quem estiver precisando. É muito comum a gente andar na rua e ser cumprimentado por nosso trabalho, de receber alguma lembrança em datas festivas. É isso que nos ajuda a continuar cada vez mais fortes nesta missão de ser bombeiro.
Jornal do Sudoeste: E o Corpo de Bombeiros está sempre aberto à comunidade, não é mesmo?
G.F.T.: Sim, a pessoa que quiser conhecer o trabalho do Corpo de Bombeiros pode ir até a unidade; se quiser uma aula de como desengasgar uma criança, no caso de um pai de primeira viagem, ou que tem um familiar acamado e tem medo de que essa pessoa vá precisar de um primeiro socorro, pode ir até nossa unidade bater um papo que nós fazemos essas orientações com o maior carinho do mundo. Nós trabalhamos para a população.
Jornal do Sudoeste: O que você faz para esquecer um pouco da rotina de bombeiro?
G.F.T.: É engraçado porque desestresso do bombeiro fazendo coisas de bombeiro. Gosto muito de fazer rapel, quenionismo, rapel em cascata, é o que faço. Vou acampar e sempre viajo em busca disto porque nossa região não é muito privilegiada para essas atividades. Antes praticava muito mountain bike, mas hoje em dia prefiro essas atividades que envolvam mais aventura.
Jornal do Sudoeste: Qual o balanço que você faz desses 32 anos?
G.F.T.: Eu me vejo em um processo de evolução e que ainda falta muito para evoluir. Procuro como bombeiro estar aprendendo cada vez mais, sempre me especializando, porque sei que uma hora ou outra alguém vai precisar desse conhecimento (inclusive descobri, por meio do Corpo de Bombeiros, que adoro dar aulas). Como pessoa, vejo que estou em um momento muito feliz, sou pai de uma menina, vou ter um menino, tenho uma grande companheira, a Marcela. Estou numa fase tranquila, mas precisamos estar sempre buscando evolução, não podemos parar.