ELY VIEITEZ LISBOA

Tortura moderna

Por: Ely VIeitez Lisboa | Categoria: Cultura | 28-12-2019 10:56 | 1047
Foto: Reprodução

O exame chama-se Ressonância Magnética. É uma experiência trágica, da qual jamais se esquece. Um pesadelo.  O paciente, após preencher um formulário com dezenas de perguntas minuciosas, assina como responsável, caso algo lhe aconteça. Dirige-se para uma sala branca e fria, não pode usar nada de metal (anéis, relógio, até grampo de cabelo).

Deita-se em uma cama. Na parte posterior, uma espécie de túnel. O infeliz é imobilizado (cabeça, braços, mãos; máscara branca sobre os olhos), tampões nos ouvidos). Avisa-se que haverá muito barulho (os tampões são inúteis...). Começa a sessão de tortura.

Pouco mais de uma hora, com barulhos, ruídos absurdamente fortes, violentando todos os decibéis possíveis. Eles são variados: batidas de madeira, de ferro, sirene, apitos de navio, claque, roldanas estrídulas, choques, estrondos. Repetições de vinte vezes, cada espécie horrífica. De vez em quando, a cama cede uns centímetros, para frente. Imagina-se que o horror acabou. Ledo engano! Outra série se inicia, com variações...

De olhos cerrados, todo o tempo, houve momentos que pensei em desistir: levantar-me, libertar-me, fugir! Continha-me. Eu teria que voltar e recomeçar tudo... Comecei a ludibriar a situação. Sem abrir os olhos, primeiro rezei. Não ajudou muito. Tentei analisar as várias espécies de estalos, ruídos, uns mais surdos, outros cortantes, metálicos. Após, piorou. A Máquina trepidou como se eu estivesse dentro de um liquidificador vazio.

Tive uma ideia, para driblar a tortura: fazer elucubrações do porquê o meu neurologista me pedira dois exames monstruosos. E do crânio. Ele espera encontrar o que no meu cérebro? Personagens literárias, monstros rastejantes, alienígenas? E, se, de repente, um inesperado tumor surgisse?

Fiquei sádica e metafísica. Conversei com Deus e LHE disse que aceitava a sentença, a morte. Imaginei o féretro, a partida, o adeus a pessoas queridas... E os sonhos não realizados? E as pendências? De repente, não mais que de repente, como disse o Poeta, fiquei otimista. Nem precisei de tomar a injeção de contraste. Isto é bom ou ruim?

Sou leiga em Medicina, nada sei de exames e um pouco trágica (para não dizer covarde...), para enfrentar problemas de saúde. Continuei, em plena guerra dos barulhos, a inventar meios de sofrer menos. Brinquei, em pensamento, de escanear meu cérebro... Mas tudo logo me cansava e o inferno não acabava!

Finalmente fez-se silêncio. Paz de morte, de salvação. Ninguém nada falou. Nem eu. Boca não disse palavra... Fiz ficção: o médico e a enfermeira, todos se foram e me abandonaram aqui... À minha sorte! Até quando?! Dali alguns minutos, ouvi a vozinha agradável da jovem: "O médico está examinando as últimas imagens... Logo a senhora poderá sair". Mais uns dez minutos de pesadelo.

Finalmente libertaram-me, tudo acabara! Sentei-me na  cama, mais pálida que o lençol. Dor de cabeça, olhos pesados, zonza. Fui pegar minhas coisas e me dirigi para a Sala de Espera. A tortura terminara. Na minha ignorância, tentava entender o acontecido. Com a tecnologia tão adiantada, por que uma Máquina monstruosa?! Sem nada entender, questionei com meus botões se aquilo, o fragor horrendo, tudo   não seria necessário, justamente para instigar, estimular meu cérebro, para ver sua reação? Curiosidade enorme para ler o Laudo, que só sairia dali alguns dias.  Na data marcada, voei até o local, abri o grande envelope branco. Lá estava o resultado, o relato, em arrevesada linguagem científica, com nomes bizarros.

Fui ao médico, para que ele "traduzisse" aquele linguajar estranho. Ele leu e afirmou: nada de significativo. Tudo normal para sua idade... Tive vontade de matar o meu neurologista.

(*)Ely Vieitez Lisboa é escritora.
E-mail: elyvieitez@uol.com.br