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Maria Zélia da Silva: A arte como um dom a ser compartilhado

Faça hoje o que tiver que fazer, porque talvez amanhã, seja um pouco tarde
Por: João Oliveira | Categoria: Entretenimento | 17-02-2020 18:26 | 1441
Maria Zélia é artista plástica e restauradora
Maria Zélia é artista plástica e restauradora Foto: J. Gustavo

A artista plástica Maria Zélia da Silva desde muito cedo nutriu o desejo por trabalhar com o dom que recebeu, o de desenhar. De origem muito humilde, foi impulsionada pelo padre Paulo, diretor da escola onde ela fez o primário quando morou em Jacuí. Ele, conforme destaca, acreditou nos sonhos daquela jovem menina que correu atrás daquilo que amava fazer. Filha do casal Carlos Rosa da Silva e Gabriela Maria da Silva, Maria Zélia conta que os pais sempre tiveram um dom nato para a música, mesmo sem nunca terem estudado. Deles, conforme destaca a artista, herdou principalmente a honestidade. Em São Paulo, onde morou por 30 anos, conheceu o seu marido, o empresário Lázaro Marciano da Silva, mais conhecido como Paraná do Petshop Paraná, com quem teve o Thiago César, pai da pequena Pérola, e que hoje vive em Divinópolis. É com carinho, e emocionada, que Maria Zélia recebe a reportagem do Jornal do Sudoeste para contar sua história.

Jornal do Sudoeste: como foi sua infância em Jacuí?
M.Z.S.: Vivi em Jacuí até os meus 17 anos. Venho de uma família de origem muito humilde. Naquela época, para estudar precisávamos ir para a cidade, porque não havia outra solução, inclusive comecei a estudar muito tarde e tive algumas dificuldades. Porém, foi uma infância muito boa, sou a quinta filha de oito irmãos… fazíamos nossos próprios brinquedos… Depois fui para a cidade, para estudar até a quarta série, o ginásio eu não tinha condição nenhuma, então a expectativa era terminar o ensino básico e voltar para a roça.

Jornal do Sudoeste: o que mudou nesse plano?
M.Z.S.: Recordo-me que o padre Paulo era diretor do ginásio (que tinha que pagar um valor para continuar estudando). Eu não tinha condição nenhuma. Ele entrou na sala e observou que eu estava desenhando - eu amava desenhar, mas não tinha nada, caderno, lápis de cor, essas coisas - e chamou minha atenção por não estar concentrada na aula, eu me desculpei. O padre questionou quem tinha intenção de fazer o colégio e eu, que fiquei quieta a princípio, após ele me perguntar disse que não iria, que voltaria para minha casa na roça, e que não tinha condições de continuar, que entrei na escola apenas para aprender ler e escrever. Ele disse que me esperava na sala dele às 15h daquele dia.

Jornal do Sudoeste: e o que ele queria?
M.Z.S.: Ele chamou minha atenção, e disse que não prestar atenção na aula era errado, mas eu tinha um dom... Disse ainda que eu iria estudar sim, porque eu precisava. Perguntei como, porque eu sabia da minha situação. Então ele me disse que me daria tudo, e me deu tudo: caderno, lápis, coisas que nunca tive. Isso foi muito legal porque foi o início de tudo, eu consegui estudar até a 7ª série com ele, ganhei tudo o que precisava e nunca me esqueci. Depois fui embora para São Paulo e, anos mais tarde, retornei a Jacuí para agradecê-lo, mas ele já havia falecido.

Jornal do Sudoeste: como foi em São Paulo?
M.Z.S.:  Lá morei 30 anos, foi onde me casei e tive meu filho. Quando fomos para lá, tive acesso à educação pública e gratuita, não precisei pagar nada para continuar estudando, mas tive dificuldade porque apesar de ter acesso à educação, tínhamos que trabalhar para ajudar no sustento da família, e era difícil, mas a minha vontade era tanta que eu tentava passar por cima de todas essas dificuldades. O meu objetivo era fazer o que eu gostava. Aprendi a gostar de artistas como o Aleijadinho - que era meu favorito -, e me recordava das dificuldades que ele teve e conseguiu ser um grande artista, por que eu não conseguiria? Pensava no Van Gogh… os trabalhos que eles fizeram, o trabalho que a gente faz, parece que não tem valor, esse grandes artistas morreram tão pobres, apesar de hoje serem muito valorizados. Mas eu não me importava com isso, eu me importava em fazer o que eu gostava, e sabia, que era desenhar. Eu fiz muitos cursos nessa época, de pintura.  Cheguei  voltar a Jacuí, como disse, para agradecer ao padre Paulo pelo o que ele fez por mim, ele sempre me disse que queria me ver fazendo o que eu sabia. Nunca esqueci dessa ajuda que tive, foi muito importante para a minha vida.

Jornal do Sudoeste: vocês decidiram voltar para Paraíso, como foi esse processo?
M.Z.S.: Eu me questionei o que iria fazer aqui já que não conhecia ninguém, e aqui fui morar em um sítio. Porém, onde eu ia levava uma tela, falava o que eu fazia; não podia ver uma imagem de santo danificada que queria consertar - mas como dizer que eu sei e quero fazer isso? Tive a ajuda de muita gente, pessoas que foram fundamentais nessa trajetória. Aqui, dei aula de pintura no Rotary por quatro anos, mas depois tivemos que parar porque havia muitos alunos, e a pintura faz muita bagunça. Acabei saindo, mas tive uma amiga, a Ana Calzavara, que me motivou a continuar e cedeu um espaço na casa dela para que eu pudesse continuar. Fiquei quase seis anos dando aula de pinturas na casa dessa grande amiga, que teve uma paciência muito grande e nunca me cobrou por isso, pelo contrário.

Jornal do Sudoeste: mesmo aqui você nunca deixou de buscar aperfeiçoamento...
M.Z.S.: Não. Sempre admirei a Fátima Roque, que é especialista em pintura de rosas e surgiu a oportunidade de fazer um curso com ela. Morei muitos anos em São Paulo, e nunca cheguei a conhecê-la, mas descobri que ela era de Mococa. Descobri isso através da Ana, que marcou um workshop para ela e para o marido, o Tadeu, que não quis ir e sugeriu que eu fosse no lugar dele. Lá, quando chegamos, quem era a professora? A própria Fátima. Foi muito legal. Acabamos ficando amigas, e com ela estudei durante seis anos. Consegui aprender a técnica de pintura das rosas - que é um trabalho delicado. Tenho que agradecer muito a Deus, e a minha família, principalmente ao meu marido, que tem uma paciência de Jó.

Jornal do Sudoeste: você também faz restauração?
M.Z.S.: É um trabalho que caiu nas minhas mãos, graças ao Lucas Cândido, do Departamento de Cultura, que foi e é fundamental na minha vida. Mas antes, o primeiro trabalho de restauração que fiz foi com o Lucas Bertucca, que me ensinou muito. Foi o Lucas quem restaurou uma reprodução do carro fúnebre do Getúlio Vargas, e eu fiz a pintura das cariátide. Foi um trabalho muito bem feito, e o senhor Lucas é um pessoa que não deve ser esquecida. Era muito inteligente. Depois eu conheci o Lucas Cândido, que me proporcionou a restauração do Jesus exposto no Instituto Monsenhor Felipe, o São Benedito e São Jerônimo, este último um trabalho muito difícil, mas muito gratificante. Também fiz a restauração da Nossa Senhora de Aparecida, do Colégio das Irmãs, um trabalho também que, ao final, ver a reação das freiras, não há dinheiro que pague.

Jornal do Sudoeste: foi uma nova experiência?
M.Z.S.: Sim. Foi uma loucura, por que como que você sai da pintura e fazer restauração? Então fiz muitas pesquisas e fui me aperfeiçoando. Conheci o senhor Ricardo (Argentino), que fez o Cristo do Morro do Baú e uma santa que fica no trevo de Guaranésia , que me deu muitas dicas. Fui aprendendo e consegui fazer a restauração do Jesus, que foi um dos melhores trabalhos que fiz - isso já tem uns sete anos mais ou menos. Foi um trabalho muito legal. Eu assumi essa responsabilidade sozinha, porque não tinha um mestre que me orientasse. É um trabalho difícil, mas muito gratifi-cante.Quando eu termino, sempre penso que poderia ter sido melhor, mas ao mesmo tempo eu dei o melhor de mim.

Jornal do Sudoeste: como é trabalhar com arte em Paraíso?
M.Z.S.: Eu não posso reclamar, sempre fui muito respeitada em Paraíso. Eu tenho dificuldades em relação ao meu tempo, tenho que conciliar o meu trabalho com os cuidados com a casa. Mas consigo dar conta de tudo. As pessoas me respeitam muito, principalmente minhas alunas, entre elas a Dirce Brigagão, a Henrriete, a Jennifer, a Ana Calzavara (que apesar de não fazer mais aulas comigo, foi uma pessoa fundamental), a Olga Alcântara, a Célia, a  Letícia; a Isabel Salgado (de Jacuí) e seu marido - dei aula em Jacuí três anos e essas pessoas foram fundamentais. Em Jacuí, há pessoas que eu admiro muito, como a Agda - minha irmãzinha de coração e que também foi fundamental. Toda a minha família está em São Paulo, então me apego aos amigos, que não podem faltar.

Jornal do Sudoeste: o que significa para você olhar para essa sua história?
M.Z.S.: Eu acredito que você precisa focar naquilo que sempre quis ou sabe fazer. Dificuldade existe para todo mundo, nada é fácil para ninguém, mas você não pode desistir. Eu não posso parar com o que eu faço, e enquanto tiver saúde vou fazer o que amo, porque é o que eu sei e é o dom que Deus me deu e preciso levar isso a sério. Não vou parar nunca com isso.

Jornal do Sudoeste: tem alguma artista que você admira?
M.Z.S.: A Fátima Roque, que é a minha paixão. Eu a admiro muito pelo ser humano que ela é, pela artista e por sua luta. Ela acabou parando com o seu trabalho por conta de problemas de saúde. É um ser humano incrível que me ajudou muito e me deu muita força.

Jornal do Sudoeste: Qual é o balanço de toda essa trajetória?
M.Z.S.: Gratidão. Primeiramente a Deus, depois a família que eu construí: meu marido, meu filho, minha nora e minha neta, e a toda a minha família e a família do meu marido, todos são maravilhosos e sempre apoiaram muito. Dificuldade tem, todo mundo passa por momentos difíceis e a vida não é fácil para ninguém, mas não podemos parar. Se você tiver saúde, não pode parar. Temos que nos realizar naquilo que fazemos e, graças a Deus, sou uma pessoa realizada com tudo.