Ele perdera o dono querido, que o levava para passear todos os dias. A família inteira agradava-o, fazia carinho no seu pelo doirado e sedoso, até lhe beijava o focinho achatado e os grandes olhos redondos.
Todavia Napoleão sentia que após o episódio fatídico, outros poderiam acontecer. Desgraças costumam vir aos borbotões, com a inexorabilidade das águas dos rios, que fluem sem volta.
Assim aconteceu. Sua dona, viúva, triste, resolveu mudar do local onde vivia. O lugar trazia-lhe lembranças amargas.
Ela levou-o ao seu novo lar. Dona Maria, meio parente, brincou com ele, mostrou-lhe o quintal amplo, gramado, melhor que no apartamento. O cãozinho sentiu-se abandonado. Sua companheira, Désirée, não. Ficou alegre, correu pela grama, parecia feliz. As mulheres adaptam-se melhor?
Napoleão foi ficando triste, sempre amuado nos cantos, perdeu o apetite. A dona vinha visitá-lo quase todos os dias, tomava-o no colo, cobria-o de carinho e de lágrimas. Ambos estavam muito infelizes.
Foram ao veterinário. O cãozinho estava emagrecendo, sempre de olhos baixos, tristinho, tristinho... As vitaminas de nada adiantaram. Ele queria morrer.
Foi impressão ou naquela tarde Napoleão disse adeus, despediu-se? Quando a dona chamou-a pelo nome, ele virou a carinha para o outro lado. Ela saiu muito infeliz da Travessa Tuiuti, com a alma cinzenta, o coração apertado.
O dia seguinte amanheceu nublado, prenúncio de acontecimentos trágicos. Quando o telefone tocou, o coração saltou-lhe do peito. Napoleão morrera de madrugada.
Quando o levou nos braços, para o seu pequeno jazigo, debaixo do arbusto com flores brancas, ele parecia dormir. Abraçou-o muito, regou seu corpinho com lágrimas amargas e despediu-se, colocando-o em sua cova. Parte do coração ficou com ele.
Meses depois nasceram flores perfumadas sobre o túmulo de Napoleão. Quem as plantara? A Morte, tentando me consolar?
Relembrando esta tragédia e outras perdas de cães que eu amava, perguntei-me o que era maior, a felicidade de ter esses animaizinhos queridos, sua companhia adorável ou a dor da perda? Todo amor tem um preço? Não se pode ser feliz e logo pagar com sofrimento? Da última vez, quando perdi minha doce labradora Lara, deusa de olhos verdes, recebi conselhos que deveria adotar um filhote. Jamais, retruquei. E depois, deixá-lo órfão? Ficam as lições. Amar sempre tem um preço alto, não é um presente gratuito.
(*)Ely Vieitez Lisboa é escritora
E-mail: elyvieitez@uol.com.br