ELE por ELE

Marcelo Cela Véia: Um devoto que mantém viva tradições de nossa região

“Minha infância foi primordial por tudo o que sou”
Por: João Oliveira | Categoria: Entretenimento | 23-03-2020 11:03 | 3281
Cela Véia hoje trabalha como assessor parlamentar do vereador Luiz de Paula
Cela Véia hoje trabalha como assessor parlamentar do vereador Luiz de Paula Foto: Arquivo Pessoal

Marcelo Moraes da Silva, mais conhecido como Cela Véia, é devoto dos Santos Reis e de Nossa Senhora de Aparecida. H vários anos mobiliza uma comitiva para promoção de eventos beneficentes. De formação católica, desde muito jovem aprendeu com sua família o valor da religião e cultivou suas raízes calcado no que aprendeu com os avós e com seus pais. Hoje, além de sanfoneiro, é responsável pela Companhia de Reis Estrela do Oriente, do bairro rural Água Limpa, e pela comitiva Classic Country. Marcelo nasceu em Paraíso, mas a família é toda natural da região do bairro rural da Queimada Velha e dos Varões. Filho de Silvia Maria de Moraes e de Ary Reis da Silva, hoje, aos 30 anos, Cela Véia é assessor parlamente e em breve estrelará um programa pela Líder TV que tem como foco transmitir a cultura rural e também a culinária tropeira.

Jornal do Sudoeste: De onde vem esse apelido “Cela Véia”?
M.M.S.: Eu trabalhei no supermercado Tonin Loja 2 por 11 anos. Lá, montamos um grupo de amigos e um deles, o Vandeir,  que tinha o apelido de Zumo (tinha esse apelido porque tudo quanto era show do Milionário e José Rico, ele gostava de ir e o acompanhávamos), me colocou esse apelido. Esse amigo era açougueiro e eu comecei no mercado como pacoteiro e depois passei a repositor. Recordo-me que passava com o carrinho cheio para repor a gondola que eu tomava conta, a de limpeza. Passava com o carrinho quase tombando, de tanta mercadoria, próximo ao açougue, e o Zumo batia a faca no balcão e gritava “ôooo cela”, me zoando. O “Cela” vinha do “Celo” de Marcelo; e o “véia”, porque eu era muito apavorado, um pouco esquentado, fazia de tudo e meio que “abraçava o mundo”. Assim, ficou o apelido “Cela Véia”, tanto que hoje poucas pessoas me chamam de Marcelo, a maioria sequer sabe meu nome, ou me chama de Cela Véia ou só de Cela.   

Jornal do Sudoeste: Como foi sua infância?
M.M.S.: A minha infância foi um pouco em Paraíso e um pouco na roça. Eu nasci em Paraíso, mas minha família é toda da região da Queimada Velha, e meu pai dos Varões. Então passei parte da infância em Paraíso, e parte da infância na roça. No entanto, quando fiz 11 anos, meus avós e tios-avós venderam essa propriedade da Queimada Velha e ficamos definitivamente em Paraíso. Foi uma infância muito gostosa, e tenho muita saudade. Na roça, fazíamos muitas brincadeiras, daquela bem antigas, sabe? Eram brincadeiras como peão de corda que meu próprio avô confeccionava, o biloquê, foi uma fase muito gostosa. Brincávamos também de fazer curral no chão e pegávamos chuchu e abóbora onde fincávamos pauzinhos e fingíamos que eram os boizinhos. Eram brincadeiras muito vivas e que não vemos mais. Foi uma fase boa. Desde pequeno aprendi a cultivar a minha religião, somos católicos. Recordo-me de sempre estar presente nos terços com meus pais e meu avô. Esse avô foi um dos fundadores da Companhia de Reis de Termópolis. Ele me levava para acompanhá-lo e na época puxava a companhia de caminhão. É daí que nasce minha paixão pelas Companhias e pela sanfona. Minha infância foi primordial por tudo o que sou e tenho hoje.

Jornal do Sudoeste: E a fase escola? Foi um bom aluno?
M.M.S.: Graças a Deus eu fui bom aluno. Do pré-escolar até a quarta-série, hoje quinto ano, estudei no Noraldino Lima. Da quinta série, hoje sexto ano, até a oitava série, hoje nono, estudei na Escola Estadual Paraisense. Já o Ensino Médio fiz na Escola Estadual Ana Cândida. Graças a Deus sempre fui bem na escola, mas na oitava série, quando estudava no Paraisense, passei por alguns problemas, mas consegui superá-los e recuperei o que quase havia perdido.

Jornal do Sudoeste: Vo-cê fala com muito carinho do seu avô. Qual foi a importância dessa figura na sua formação?
M.M.S.: Meu avô, o Onofre Francisco de Moraes, é um herói que eu tenho e me ajuda muito, tanto na comitiva como na Folia de Reis. Ele é meu espelho. Meu avô é carpinteiro e também é um nome que pouca gente conhece que é carapina, ele construía carro de boi e alguns desses veículos que ainda rodam na região do Chapadão, na nossa região como no Morro Vermelho, na Queimada Velha, Águas Quentes, alguns desses poucos carros que rodam passaram pelas mãos do meu avô. Essa paixão sertaneja que tenho, veio através disto. Eu sempre gostei muito de tudo isso graças e ele e hoje carrego meu avô para todos os eventos que realizamos. Ele é um pai, um amigo, é tudo para mim.

Jornal do Sudoeste: Você toca sanfona. Como começou isso? Quem te ensinou?
M.M.S.: Eu saia com as Companhias de Reis e carregava a sanfona para o sanfoneiro, mas nunca cheguei a tocar. Até que um dia, em um almoço, sentei com essa sanfona e comecei a apertar alguns botões e a abrir e fechar a sanfona, acabei ficando evocado com aquilo. Quando trabalhava no mercado, adquiri minha primeira sanfona, era uma sanfoninha de 48 baixos, que adquiri de um rapaz que morava na roça, e comecei a treinar. Mas quem me ensinou mesmo a tocar foi o José Justino, do bairro rural Chapadão, que me ensinou as escalas das notas musicais, e comecei a treinar. Aprendi o resto na marra. No começo fui muito criticado, mas acabei me tornando sanfoneiro.

Jornal do Sudoeste: Você acredita que esses valores fazem falta na formação do jovem de hoje?
M.M.S.: Realmente, a infância ela contribui muito para o futuro. Hoje em dia, a falta de uma infância como a que eu tive, contribui para a juventude de hoje. Hoje vemos o jovem muito em celular, videoga-me, não vemos outras atividades como essas brincadeiras que fazíamos antigamente. A infância de hoje é diferente, acredito que não forma pessoas nem piores nem melhores, mas a infância de antigamente contribuía com muitas coisas positivas, e falo por mim, pela infância que tive.

Jorna do Sudoeste: Conte um pouco da história da sua comitiva...
M.M.S.: Quando trabalhávamos no mercado, tínhamos um grupo de amigos e sempre marcávamos de sair e fazer um churrasco. A partir daí surgiu a ideia de criar uma comitiva, fazer uniformes e participar de eventos como as “Queimas do Alho”, na época isto estava começando na região. Neste período também começamos a promover eventos beneficentes, que é o nosso grande baluarte da nossa comitiva. Realizamos um trabalho social muito grande, somos muito procurados por conta deste trabalho e promovemos almoços e jantares beneficentes, bingos, companhas. Buscamos ajudar muito ao próximo. A comitiva começou chamando-se “Comitiva Cela Véia”, depois de algum tempo algumas pessoas a deixaram, e por cerca de três anos passou a se chamar “Marcelo Cela Véia e Companheiros” e, depois, adotamos o nome “Comitiva Classic Country, comissionário Marcelo Cela Véia”, e estamos até hoje com ela. Passamos por essas mudanças de nomes, mas mantivemos a essência:  participamos das Queimas do Alho, realizamos os eventos beneficentes, e também temos na comitiva alguns rapazes que participam de rodeios, é algo muito bacana.

Jornal do Sudoeste: Você comentou que é muito religioso. É devoto? Já teve alguma graça alcançada?
M.M.S.: Sou muito devo de Nossa Senhora Aparecida de dos Santos Reis. Tenho muita fé neles e já alcancei muitas graças, inclusive uma dessas que consegui graças à Nossa Senhora de Aparecida foi a compra da minha casa em 2019. Eu também sou romeiro e todos os anos vou à Aparecida, nós reunimos a Comitiva, familiares, amigos, lotamos dois ônibus e vamos a casa de Nossa Senhora agradecer nossas conquistas.

Jornal do Sudoeste: Atualmente você trabalha como assessor parlamentar. Como tem sido essa experiência?
M.M.S.: Tem sido uma experiência muito bacana e nunca imaginei que trabalharia com isso. Essa oportunidade surgiu há três anos, quando fui procurado pelo vereador Luiz de Paula para ajudá-lo em sua campanha. Mas em momento algum imaginei que fosse trabalhar para ele porque em momento algum ele me falou algo e eu mesmo também não havia comentado nada dessa possibilidade. Sempre fomos muitos amigos, desde a época em que eu trabalhava no mercado. Certo dia ele chegou à minha casa para fazer sua campanha e pedir para que eu o ajudasse. Assim o fiz e, passada a eleição, ele ganhou e me fez o convite para ser assessor dele. Aceitei, e tem sido uma experiência muito boa.

Jornal do Sudoeste: Você acredita que essas tradições como as Companhias de Reis precisam ser mais valorizadas?
M.M.S.: É preciso. Hoje sou responsável pela Companhia dos Reis Estrela do Oriente do bairro rural Água Limpa. Inclusive a festa do bairro é uma festa que chamamos “temporona”, porque acontece fora de época, ao invés de janeiro ela acontece sempre em maio, o mês de Maria. Esse ano devemos adiar as festas por conta dessa situação envolvendo coronavírus. É uma festa com muita fartura. As Folias de Reis, dentro do meio religioso e folclórico, precisavam ser mais valorizadas, principalmente na nossa cidade que possui mais de 20 Companhias de Reis. Essas Companhias não recebem nenhuma ajuda financeira do governo, a nível municipal e estadual, e patrimônio cultural e imaterial do Estado de Minas Gerais, poucas pessoas sabem disso. Deveria ter mais apoio. Hoje para se promover uma festa dessas, fica muito caro, isso porque ela é gratuita e você não pode cobrar nada dos visitantes, a menos que você coloque, por exemplo, um bar para vender uma cervejinha e só. Tudo é organizado para servir os visitantes. É uma das festas mais bonitas que temos, onde, seja pobre ou seja rico, todo mundo é servido igualmente. As Companhias visitam as casas, levando às bençãos de Deus e o evangelho e as pessoas que são visitadas fazem ofertas, seja ela financeira, de algum donativo ou até mesmo com algum animal como bezerro, porco ou galinha. O recurso financeiro fica para a Companhia que tem um tesoureiro e daí são pagas as despesas e manutenção da própria Companhia e o que sobra desse recurso é feita a festa. Mas como é uma festa que demanda muito recurso, às vezes as ofertas não acabam suprindo, e os festeiros precisam tirar do próprio bolso para que não falte nada a esta tradição. Acredito que os nossos governos deveriam olhar para isso, porque conforme as dificuldades vão aumentando, as Companhias ficam com medo de não conseguirem promover as festas.

Jornal do Sudoeste: Você tem muitos planos para o futuro?
M.M.S.: Eu não sou muito de ficar pensando no futuro. Sou uma pessoa que procura viver cada dia como se fosse último, sempre buscando fazer o bem, ajudando ao próximo, sendo educado, humilde, busco não passar por cima de ninguém e nem olhar as pessoas por cima. Mas tenho sonhos, um de meus sonhos era ter um programa de TV para levar às pessoas, as raízes de nossa cultura. Graças a Deus, neste mês vou começar com este programa a convite da Líder TV. É um programa voltado ao campo e também à culinária tropeira, onde irei ensinar alguns pratos. Tenho outros sonhos, como um dia ter um sítio bem bonito, encher ele de gado, café e viver muito feliz.

Jornal do Sudoeste: Você já passou por altos e baixos, qual momentos lhe marcaram ao longo dessa trajetória?
M.M.S.: Já passei por altos e baixos, já fui muito criticado pelo meu modo de ser e conduzir a vida, mas acredito que são críticas de pessoas que desejam estar no nosso lugar,  fazer o que a gente faz e não conseguem, mas acabamos relevando muita coisa. Todavia, um dos momentos mais difíceis que passei foi em 2018, mais precisamente em setembro. Minha avó materna, que também é um espelho para mim, passou mal naquela semana, foi a UPA, recebeu alta, ficou boazinha, mas pouco tempo depois passou mal novamente. Na sexta-feira daquela semana ela foi internada e fui visita-la, ela sairia no sábado. Descobriu-se que ela tinha um problema na vesícula e foi marcada até uma cirurgia. Naquele dia eu tomei sua bênção e fui ao Salão no Sion, porque no domingo tínhamos um almoço beneficente e lá recebemos as mercadorias para organizar tudo. Pouco depois recebi uma ligação pedindo para que eu retornasse à Santa Casa urgentemente, e quando cheguei minha avó já estava entubada, foi um baque muito grande para mim porque quando saí ela estava alegre e havia dado um abraço e um beijo nela e, pouco tempo depois, já havia sofrido um AVC e foi entubada. Eu não sei de onde tirei forças para organizar o almoço beneficente com a comitiva. No domingo daquela semana recebi a notícia que ela havia falecido. Firmei a cabeça e deixei o evento. É algo que não vou esquecer nunca, perder alguém que eu amava muito num momento em que estava buscando ajudar uma criança. Foi um baque muito grande e ao mesmo tempo uma lição de vida. Já um dos momentos mais felizes foi quando comprei minha casa, nunca pensei que fosse sentir que fosse sentir uma sensação tão boa.

Jornal do Sudoeste: Qual o balanço que você faz dessa caminhada?
M.M.S.:  É um balanço muito positivo, tenho alcançado meus objetivos e isso para mim é muito válido. Vivo a vida da seguinte maneira: temos que agradecer também às coisas ruins que nos acontecem, as dificuldades, e com isso que aprendemos as coisas boas; e também, um ditado que sigo muito: “Quem não vive para servir, não serve para viver”. Carrego isso comigo e graças a Deus posso fazer um balanço positivo, só tenho a agradecer a Deus, à minha família, aos meus pais, avós, minha irmã e amigos. E gostaria de deixar um agradecimento especial à minha comitiva. Hoje somos compostos por 22 pessoas, e tanto os meninos quando as meninas da comitiva, são minha segunda família. Temos uma união muito bonita porque sempre que precisamos fazer alguma coisa eles deixam seus compromissos de lado para me ajudar. A gratidão que tenho a cada um deles é enorme. Nós não ganhamos nada para promover o trabalho que realizamos, é tudo espontâneo e feito de coração. Ver essas pessoas fazer isso em troca de nada me causa um sentimento muito forte de gratidão e é algo que me emociona muito.