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Monsenhor Hilário: O jeito bom de um homem para o bem

“Quanto mais vida eu teria, mais padre eu seria”
Por: Heloisa Rocha Aguieiras | Categoria: Entretenimento | 15-04-2020 10:37 | 1631
Monsenhor Hilário em seu apartamento tendo uma foto da Igreja Matriz de São Sebastião em sua sala
Monsenhor Hilário em seu apartamento tendo uma foto da Igreja Matriz de São Sebastião em sua sala Foto: Heloisa Rocha Aguieiras

Em homenagem a Monsenhor Hilário, republicamos entrevista concedida por ele a jornalista Heloisa Aguieiras, publicada em 02 de maio de 2015.

Monsenhor Hilário Pardini é uma das figuras mais carismáticas e queridas da cidade. Aos 98 anos, ele se mantém forte e saudável, com uma memória impecável, trabalhando ainda, apesar de ter se aposentado como padre. Vive cercado da atenção dos amigos e dos sobrinhos. Diz-se uma pessoa realizada e feliz, não tendo queixas da vida, mas queria que o povo tivesse mais caridade no coração. Ele se mantém ativo, apesar de ter caído e quebrado o fêmur, mas não faz mal, continua caminhando mesmo de bengala. Enfim, Monsenhor Hilário é uma fortaleza edificada pela fé.

Jornal do Sudoeste – Quem é o Monsenhor?
Monsenhor Hilário – Nasci Hilário Pardini, em Guaranésia, no dia 6 de setembro de 1917. Vou fazer 98 anos e 73 anos que fui ordenado. Tive uma infância muito simples, meu pai, Eliseu Pardini, era operário, proprietário de uma oficina, nascido no norte da Itália. Minha mãe, Claudina Pardini, nasceu na Calábria, era daquelas italianas que falam alto, muito brava. Eles se encontraram no Brasil e se casaram. Tiveram dez filhos, mas os três primeiros morreram muito novinhos, porque naquela época não havia recursos. Eu quase fui o caçula, depois de mim só nasceu mais um.

Jornal do Sudoeste – O senhor ainda tem alguém de sua família?
Monsenhor Hilário – Não, morreram todos os irmãos, os tios, eu fui o único que restou, fiquei apenas com os sobrinhos que moram em Guaranésia, Guaxupé e em Ribeirão Preto.

Jornal do Sudoeste – Como foi a sua formação escolar?
Monsenhor Hilário – Em Guaranésia eu estudei no Grupo Escolar “Carvalho Brito”, onde estudei até a quarta série. Obtive o diploma e fui para uma escola particular, onde fiquei por um ano. Aí fui para o seminário em Guaxupé, com 14 anos, porque eu já queria ser padre, porque na verdade eu nasci padre. Minha mãe nunca me forçou a isso, não fui ser padre em promessa de mãe, o que era muito comum naquela época, não houve nada disso, era a minha vocação mesmo. Minha mãe era muito religiosa, mas nem sabia que eu queria ser padre, meu pai nem religião tinha. Fui coroinha muito cedo, ajudava na missa, e gostava demais de conversar com o padre. Minha mãe e minha madrinha Olímpia me levaram para o seminário de charrete, eu e minha malinha. Como eu estava muito bem preparado porque tinha estudado um ano em escola particular, quando fiz o exame de admissão no seminário, passei em primeiro lugar para estudar o primeiro ano ginasial, Eu só tirava nota dez e gostava muito de matemática.

Jornal do Sudoeste – Como foi a sua passagem pelo seminário de Guaxupé?
Monsenhor Hilário – Fiquei por lá durante seis anos, fiz o ginasial e o colegial. Não era tão comportado, fazia minhas molecagens próprias da idade também e cheguei a ser castigado algumas vezes. Minha turma era de 17 meninos, mas só dois foram encaminhados mesmo para serem padres, eu e mais um, o restante desistiu. Era muito apertado e precisava ter vocação mesmo, e eu tinha, sempre tive.

Jornal do Sudoeste – Para ser padre a sua formação foi completa no seminário?
Monsenhor Hilário – Não. De lá eu fui para o Seminário Coração de Jesus, em Belo Horizonte, onde eu fiz mais dois anos da faculdade de Filosofia e quatro de Teologia. Era um sistema de internato, a gente ia em fevereiro e voltava em dezembro para casa. Terminei o quarto ano de Teologia, fiz os exames, fui aprovado e me ordenei padre no dia 20 de dezembro de 1942. Foi um dia de grande emoção para mim. Eu chorei muito na primeira missa que rezei, de tão emocionado que estava.

Jornal do Sudoeste – Depois da primeira missa, qual foi a sua trajetória?
Monsenhor Hilário - Depois fui enviado para Poços de Caldas, a fim de ser padre auxiliar de um padre mais velho do que eu, chamado Monsenhor José Faria de Castro, onde fiquei por quatro anos. Depois fui chamado para ser reitor do seminário de Guaxupé, onde atuei por nove anos; muitos padres que hoje atuam na diocese foram meus alunos. Dei aula de latim, português e matemática e consegui ser muito amigo dos alunos, tanto o é que até hoje recebo de vez em quando a visita de alguns deles, recebo telefonemas deles relembrando os tempos antigos. Aí, como um prêmio, recebi o título de Monsenhor, Depois fui convidado a tomar conta da construção do seminário novo, em Guaxupé, o bispo me incumbiu de administrar o pagamento da mão-de-obra, de fazer as compras de materiais. Fiquei por 7 anos como pároco de Paraguaçu. Voltei e fui pároco da catedral de Guaxupé por 13 anos e meio e vim para Paraíso.

Jornal do Sudoeste – Como foi o início de sua vida em Paraíso?
Monsenhor Hilário – Eu cheguei aqui no dia 29 de junho de 1980, na festa de São Pedro e São Paulo, portanto faz 34 anos que estou vivendo aqui, terra que eu adoro, recebi título de cidadão paraisense. Para mim é como se eu tivesse nascido aqui.

Jornal do Sudoeste – Qual era a diferença da missa daquela época para a missa de hoje?
Monsenhor Hilário – Nossa, era muito diferente. Era tudo rezado em latim, ninguém rezava a missa em português e, por isso, eu aprendi bem o latim e falo até hoje; gosto mais do latim do que do português. Isso influenciou demais a fé do povo, atualmente é muito melhor, porque as pessoas nem entendiam o que se falava, rezava de costas para o público, o que fazia com que ninguém não participasse a ponto do povo ficar rezando o terço na hora da missa. Mas eu acho que havia mais piedade entre a comunidade. Hoje é diferente, eu brinco que são missas aeróbicas, as pessoas levantam os braços, batem palmas e isso chama o povo para mais perto da fé.

Jornal do Sudoeste – Mas parece que naquele tempo o povo tinha mais fé.
Monsenhor Hilário – Eu acho que havia mais piedade, mais caridade, não tinha tanta dispersão como agora. Não tínhamos muitas festas profanas, a família era muito mais unida e fechada, as pessoas se relacionavam com mais respeito e as pessoas eram mais religiosas. Hoje há uma falta de Deus generalizada no coração das pessoas.

Jornal do Sudoeste – Apesar da idade, como está a sua saúde?
Monsenhor Hilário – ótima. Sou forte, firme e seguro. Sou aposentado da paróquia, mas sou ainda capelão da Santa Casa. Visito, em média, mais de cem pacientes, um por um, às segundas, quartas e sextas, quando eu faço as refeições no hospital. Todas as sextas-feiras celebro missa das 17h lá. Para fazer tudo o que gosto acordo 6h30, tenho uma pessoa que cuida de mim durante o dia e faz as refeições para mim e tenho outra que me acompanha durante a noite. Até hoje eu amo o que eu faço, adoro conversar com os doentes, que sentem falta de mim quando eu não apareço, perguntam por mim, eles têm muito carinho por mim. Tenho muito alto astral, bom humor, sou muito otimista. Sou muito realizado, feliz, conheço a Europa, conheço os lugares onde meus pais nasceram

Jornal do Sudoeste – O que mais marcou o senhor na vida religiosa?
Monsenhor Hilário – Pregar a palavra de Deus. Pregar é maravilhoso. Eu brinco sempre que se eu não fosse padre, eu seria padre, porque eu nasci padre, eu amo minha vocação. Leio a bíblia, rezo em casa, gosto de ver na TV o padre Carlos Arthur da Anunciação. A vida é tão curta para tão grande dom, se mais eu vivesse, mais padre eu seria.