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Aline Eloisa: A educação como uma ferramenta transformadora do sujeito

Só seres humanos produzem conhecimento, refletem sobre ele e mais, criam condições para produzir mais conhecimento
Por: João Oliveira | Categoria: Entretenimento | 19-04-2020 21:17 | 3277
 Aline é professora na Escola Estadual Clóvis Salgado e Coordenadora Pedagógica na Escola Municipal Campos do Amaral
Aline é professora na Escola Estadual Clóvis Salgado e Coordenadora Pedagógica na Escola Municipal Campos do Amaral Foto: Arquivo Pessoal

A professora de Língua Portuguesa e Língua Inglesa, Aline Eloisa da Silva, graduada em Letras pela Faculdade FESP, hoje UEMG, e em Pedagogia pela Faculdade Unifacvest, também pós-graduada em Estudos Linguísticos e Literários, além de outras especializações, é uma profissional que acredita que a educação é um meio importante para se levar a transformação da sociedade. Filha do caminhoneiro José Vicente da Silva, e da dona de casa Maria Aparecida da Silva, aos 30 anos ela nunca deixou de buscar conhecimento, sempre se aperfeiçoando e aprendendo, tendo feito Gestão, Supervisão e Inspeção escolar pela Faculdade Barão de Mauá, e Psicopedagogia, Alfabetização e Letramento pela Faculdade São Luiz. Atualmente é professora na Escola Estadual Clóvis Salgado e coordenação pedagógica da Escola Municipal Campos do Amaral, ambas em São Sebastião do Paraíso. Sempre sorridente, é alegre que a professora aceita o convite do Jornal do Sudoeste para falar um pouco da sua vida e de suas perspectivas.

Jornal do Sudoeste: Quais são as lembranças marcantes que você tem da sua infância?
A.E.S.: Ao buscar em minha memória as lembranças da infância, certamente encontro as melhores na rua de minha casa e na rua de minhas primas , naquele tempo, sabe, que a gente podia pular corda, brincar de pique-esconde, jogar queimada, sentar no passeio pra conversar... era uma meninada, outra lembrança marcante sem dúvida foram as muitas viagens que fiz com meu pai, lugares que via na televisão, lia nos livros de geografia e de repente lá estava eu, vendo com meus próprios olhos: as belas praias do Rio de Janeiro,  a Granja do Torto em Brasília, e a pecuária do Mato Grosso estão entre eles. Por fim, e não menos marcantes, são as lembranças das brincadeiras de casinha, de escolinha, de lojinha em minha própria casa, aquelas nas quais por algumas horas a gente podia ser o que quisesse... ah, bom tempo!

Jornal do Sudoeste: Como foi o seu convívio em casa. Foi importante para a escolha da sua profissão?
A.E.S.: Nasci, cresci e vivo em um lar com raízes cristãs, o convívio familiar sempre foi muito amigável graças a Deus. Com certeza este convívio foi sim muito importante, meus pais sempre apoiaram incondicionalmente as minhas escolhas e faziam o que era possível pra que eu tivesse sucesso nelas: me levavam para prestar vestibular e concursos onde eu quis, me ajudaram financeiramente quando eu precisei, “intercederam” pela minha causa, quando eu não tinha força pra pedir, eles e meus irmãos, não só foram importantes, como também essenciais nessa trajetória.

Jornal do Sudoeste: Onde você estudou e quais lembranças mais marcantes você tem dessa fase?
A.E.S.: Estudei em três escolas: fiz o pré-escolar no grupo José Maldi, onde hoje é a Merenda Escolar de São Sebastião do Paraiso, o 1º ano fiz na Escola Estadual Paula Frassinetti, depois fui para a Escola Municipal Maria de Lourdes Dizaró (CAIC), estudei lá da 2ª série ao 4º ano, no ano de 2001 voltei para a Escola Estadual  Paula Frassinetti e só sai de lá em 2007, quando conclui o ensino médio. São inúmeras as lembranças, acredito que as melhores, e que de certa forma contribuíram para formação do meu caráter e a agregação de valores foram os campeonatos que fazíamos interescolar, os grêmios estudantis e os colegiados escolares dos quais participei, os anos em que fui amiga da escola e ajudava a tomar leitura das crianças. Na adolescência, as amizades que se firmaram e fortaleceram, as paqueras do final da aula, as músicas que cantava no canto da sala com os amigos, os teatros e festivais que participei, e sem dúvidas os professores inesquecíveis que tive.

Jornal do Sudoeste: Sua matéria favorita era Língua Portuguesa?
A.E.S.: Sim. Sempre me identifiquei mais com a área de Humanas. Gosto muito de História e Arte também, pois a Literatura bebe em suas fontes, para produzir suas criações, ao escrever um poema, por exemplo, um conto, uma crônica, o autor na maioria das vezes deixa marcas e pistas do contexto histórico que vivencia enquanto escreve, e das impressões sobre este. O mundo se faz na e pela linguagem, a leitura e a escrita é capaz de nos transportar para tantos lugares, sem que os nossos pés saiam do chão, nos torna cidadãos capazes de exercer nossa cidadania de fato, nos faz mais críticos, reflexivos... mais humanos!

Jornal do Sudoeste: Quando terminou o Ensino Médio, tinha consciência do curso que faria?
A.E.S.: Sim. Brinco que nasci sendo professora (risos). Desde a infância já tinha cadernos de planos de aulas, quadro improvisado, giz, e “alunos”, “muitos alunos”.  Confesso que na adolescência pensava em fazer Administração de empresas, achava interessante a ideia de ser gerente de um banco ou uma loja. Quando cheguei ao Ensino Médio tive contato com a Literatura mais de perto, com a produção textual e com a monitoria, nessa época estudava no período noturno, pois trabalhava durante o dia. Em época de provas realizava grupos de estudos com meus colegas na sala mesmo, fazíamos trabalho em conjunto, esclarecíamos as dúvidas, acredito que a professora de Português observava  tudo aquilo (sempre tive excelentes professoras de Português) e viu que eu levava jeito para coisa (risos), então começou  a falar para que eu prestasse o vestibular para Letras, e eu mesmo comecei a notar o quanto gostava de escrita, leitura, literatura enfim, no final do 3º ano já estava certa do que queria, prestei vestibular, passei e ingressei na Faculdade em fevereiro de 2008.

Jornal do Sudoeste: O que foi mais difícil para você nesse processo?
A.E.S.: Não diria difícil, mas me deparei com bons desafios:  estudar em outra cidade, pegar ônibus todos os dias, fizesse sol ou fizesse chuva,  conciliar serviço com estudo, estudar e fazer trabalhos nos finais de semana e em  algumas madrugadas para dar tempo de entregar as tarefas no prazo marcados e garantir boas notas no finais de períodos.

Jornal do Sudoeste: Conte-nos um pouco da sua trajetória profissional.
A.E.S.: Fiz a minha graduação de 2008 a 2010, na FESP-UEMG em Passos, colei grau em fevereiro de 2011. No dia 18 de fevereiro de 2011 pisei em uma sala de aula, não mais como aluna e sim como professora, na época eram duas aulas de inglês, para o ano inteiro, aceitei o desafio e fui, mal sabia eu que seria fundamental para a minha profissão lá na frente essas duas aulas. Entrei num curso para aperfeiçoar e como já tinha a graduação em Letras, com habilitação para Português e Inglês, fui contratada pela Escola de Idiomas CNA, para dar aulas de Inglês lá também, mais um desafio que aceitei confiante que daria certo e deu, estou na sala de aula até hoje! Devido a este aperfeiçoamento dei aulas no SENAC de Inglês para iniciantes. Fiz várias especializações, por acreditar que sempre é tempo de aprender e por necessidade também: em Estudos Linguísticos e Literários, em Gestão, Supervisão e Inspeção Escolar, em Psicopedagogia, e recentemente terminei uma faculdade de Pedagogia. Estudei muito para vários concursos, fui nomeada em um de Língua Portuguesa e um de Gestão e Supervisão Escolar. Lecionei em várias escolas quando comecei cobrindo contratos, e atualmente estou na Escola Estadual Clóvis Salgado, e na Escola Municipal Campos do Amaral na coordenação pedagógica. Realizei vários cursos de formação continuada pela prefeitura, participei de encontros pedagógicos pela Superintendência e pela Secretaria da Educação.

Jornal do Sudoeste: O que te move a ser professora?
A.E.S.: Tudo. Desde o conteúdo que leciono aos estudantes para os quais dou aula. Trabalhar com outro ser humano, nos torna um ser humano melhor, no processo de ensino e aprendizagem, o professor não só ensina, mas aprende também, é fantástica a troca de experiências, de saber e a construção de conhecimento que se dá dentro de uma sala de aula. Impressionante os laços afetivos que são construídos no decorrer de um ano letivo, os sorrisos tímidos que brotam de um “aaaaa agora eu entendi”, enfim... quem ama o que faz, sempre estará fazendo o que ama”!

Jornal do Sudoeste: Você sentiu desânimo ou vontade de mudar de carreira?
A.E.S.: Bom, até o momento nunca pensei em mudar de profissão, todas as profissões tem seus amores e dissabores, com o ser professor não poderia ser diferente.  Essas questões de valores são um pouco abstratas, a  profissão do educador só é desvalorizada porque há setores e alguns sistemas sociais nos quais estamos inseridos  que não veem valor nela, contudo ela segue viva e mais atuante do que nunca, nas escolas do País, nas que têm e nas que não têm paredes, nas salas virtuais na Modalidade EAD, na esperança das salas de EJA, nos cursos técnicos, nas salas das Faculdades e Universidades e por aí afora... Só é capaz de dar valor a alguma coisa, aquele que sabe o real valor que essa coisa tem, ainda que todas as profissões do planeta fossem extintas se restasse um mestre e um aluno em qualquer canto que fosse nada estaria perdido... seria possível reinventar todas elas. Máquinas reproduzem, repetem, só seres humanos produzem conhecimento, refletem sobre ele e mais, criam condições para produzir mais conhecimento, entre esses seres humanos sem dúvida o professor está em primeiro lugar.

Jornal do Sudoeste: Qual a importância da Educação para você?
A.E.S.: A educação no sentido mais belo e amplo da palavra é simplesmente primordial para todo e qualquer ser humano, é proporcionar a alguém todos os cuidados necessários ao pleno desenvolvimento de sua personalidade. Nascemos com algumas competências inatas, mas para que elas se desenvolvam precisamos que alguém se predisponha a nos ensinar a andar, falar, comer, as pequenas lições do cotidiano e as experiências que vão forjando nosso caráter são imprescindíveis para a nossa sobrevivência. Somos seres históricos, psicológicos, espirituais, aprendemos em contato uns com os outros. Quanto a Educação Formal na mesma linha de raciocínio de Paulo Freire, penso que ela sozinha não é capaz de mudar vidas dentro de uma sociedade, porém sem ela, tão pouco, uma sociedade muda. Temos muitos países que se desenvolveram muito nos últimos tempos, com um alto investimento em educação, aliados à boas políticas públicas. Nenhuma grande mudança poderia ser feita dentro de uma sociedade sem que a educação estivesse na linha de frente. O retorno é garantido e o risco é zero, afirma o filósofo Bernardo Toro. O resto é falácia e conversa fiada, nestes tempos de discursos muitos e ações poucas.

Jornal do Sudoeste: Conte um pouco da sua experiência em sala de aula. Quais os momentos mais marcantes que você já passou?
A.E.S.: São tantas as experiências positivas: as partilhas e troca de confidências da garotada, os sarais literários que tanto os empolgam, as dinâmicas e histórias que sempre levavam um aprendizado para a vida. Sobretudo duas experiências ficaram gravadas: o projeto de cartas, cuja culminância é a troca de correspondências entre alunos, momento que eles tinham a oportunidade de enviar e receber cartas contendo mensagens positivas. Outra experiência maravilhosa foi quando instituí em uma turma o Dia do Abraço, uma turma muito boa, porém com pequenos conflitos diários, então toda quinta-feira determinei que nos primeiros cinco minutos da aula seria feita a terapia do abraço, nas primeiras semanas eles torciam o nariz, mas ao longo de dois meses abriam largos sorrisos uns para os outros, o resultado no final do ano foi espetacular, eles se tornaram mais compreensivos uns com os outros e muito mais amigos.

Jornal do Sudoeste: Se não fosse professora o que seria?
A.E.S.: Seria educadora (risos). Digo isso porque sinceramente não sei, por enquanto não me vejo em outra profissão, posso dizer que a demanda da sala de aula me aproxima da Psicologia... Tradutora e Intérprete talvez, corretora quem sabe, mas isso são histórias para um outro Pôr do Sol!

Jornal do Sudoeste: O que você pensa das tecnologias de comunicação em Sala de Aula?
A.E.S.: Penso que é só mais uma, em meio a tantas tecnologias das quais dispomos na educação. Deve estar em consonância com os objetivos propostos e devem ser alvo de reflexão, pois nenhuma tecnologia sozinha dá conta de resolver os impasses que surgem no processo educacional, faz-se necessário adequá-las ao contexto que são inseridas e ter muita responsabilidade ao utilizá-las pois, de nada adianta dispor dos melhores aparatos tecnológicos comunicacionais e usá-los sem um objetivo definido, que leve a um aprendizado efetivo.

Jornal do Sudoeste: Há algum escritor que a marcou na sua formação como leitora e educadora?
A.E.S.: Muitos, entre eles o francês Antoine de Saint Exupéry, que escreveu  entre tantos outros livros, o Pequeno Príncipe e Terra dos Homens; o filósofo e linguista genebrino Mikhail Bakhtin; o francês Dominique Maingueneau; o escritor estadunidense Nicholas Sparks, e claro os brasileiros: Fábio de Melo, Cecília Meireles, Adélia Prado, Machado de Assis, Joaquim Manuel de Macedo, José de Alencar e Marcos Bagno .

Jornal do Sudoeste: Qual o balanço que você faz dessa trajetória?
A.E.S.: Quando olho para traz vejo que “plantei com Fé, cada semente que o meu coração desejou”, busquei não me distanciar dos meus ideais, vivia o momento presente intensamente, sem, contudo, deixar de vislumbrar um futuro caso viesse. Aprendi muito, principalmente que sempre é tempo de aprender, tive professores mestres e mestres que eram professores, tive contato com tantos alunos, tantas vidas, sonhos e experiências diferentes, percebendo assim que, não obstante, todos os títulos que nos diferenciam e separam, ao tocar uma “alma humana, devemos de fato ser apenas outra alma humana” como já dizia Carl Jung.  Que é preciso dar ouvido ao que as crianças dizem, sobretudo quando os seus olhos falam, que toda tentativa de acerto é uma tentativa de acerto, e por isso não deve ser menosprezada, que comprometimento é diferente de compromisso, da mesma forma que eficácia é diferente de eficiência. Nesse caminho fiz amigos que se tornaram irmãos, percebi que há um espaço a se percorrer entre ter um diploma e se tornar um profissional...  Que a família é um Bem Precioso, do qual não se deve abrir mão, que Deus é meu alicerce e um amigo fiel, é uma pena que o currículo formal não abranja tudo isso (risos). E sim, me alegro muito com as conquistas que obtive, o saldo é positivo!!!