A professora de Biologia, Elen Daiani Gonçalves, é uma profissional muito querida e respeitada no seu meio de atuação. Natural de Paraíso, mas criada praticamente a vida toda do distrito de Guardinha, sempre se esforçou muito para poder estudar e crescer profissionalmente. Consciente das dificuldades que é estudar, ela acredita nas oportunidades que programas como Sisu e Prouni podem oferecer aos nossos jovens. Atualmente está na direção do Cesec, onde um de seus maiores desafios, segundo conta, é mostrar aos jovens e adultos que não tiveram condições de frequentar o ensino regular, que eles são capazes de conquistar seus sonhos. Filha de Eurípedes Gonçalves e Maria das Graças Jonas, e irmã do Fóster, Flávio, Frederico, Lígia e da Angélica, hoje ela tem sua própria família e é casada com o professor de História e músico Artur Gomes (que esta coluna também contou um pouco de sua história) e mãe do pequeno Dante, de dois anos. É feliz que ela compartilha um pouco de sua trajetória a esta coluna e relembra dos seus principais momentos, desde a infância e juventude na Guardinha, até o agora.
Jornal do Sudoeste: Você foi criada na Guardinha, como foi essa fase em sua vida?
E.D.G.: Nasci em São Sebastião do Paraíso, mas vivi a infância e juventude em Guardinha. Morava no “coração” da Guardinha, próximo do centro, em uma casa grande e antiga, com meus pais e irmãos e tinha na outra esquina meus avós. Era fácil escapar para uma visitinha. Conhecia todo mundo pelo nome ou apelido muitas vezes, conhecia o lugar como a palma da mão. Cada passo que se dê em Guardinha é um oi, um aceno, uma prosa. Ninguém passa despercebido, você é notado, reparado e até aconselhado (risos).
Jornal do Sudoeste: Tem boas recordações da infância e juventude?
E.D.G.: Muitas. Brinquedos doados ou mesmo adaptados eram recorrentes, bicicleta amarela sem cestinha incomum para uma menina, mas não importava. Era uma alegria ir para a “cidade” (São Sebastião do Paraíso) fazer compras, no caso, mercado. Ia em um fusca amarelo e voltava na maioria das vezes, dormindo. Brincávamos nas casas uns dos outros. Na rua, bets com litro de óleo, balança caixão, e pique esconde até a noite, com Flávia Helena e Fernanda do Dirceu. Estudei na E.M. Francisco Daniel que na época ainda era estadual. Lembro-me de vários professores que marcaram e deixaram saudades como: Ivone, Maria Ângela Abud, Rita Nogueira, Lúcia Abud, Vânia Montanhini e Dona Zaíra e os diretores da época Osni Guerra e Zilda Frigueto. Muitas histórias de assombração, casa da Purquéria, que eu não saía de lá, porque morava uma amiga querida, Ariane que mora agora em Guarulhos, mas que mantivemos contato por muitos anos por meios de cartas. Lembro-me de como era competitiva, sempre comparávamos as notas com os colegas e da próxima vez em vez de 98 era 100 que buscávamos. Já a adolescência é sempre problemática (risos), mas grandes amizades se destacaram como a Josi Godói, Elaine do Laércio, Rose do Vitor, Valdinéia e Alexandra. Festas de rodeio e, claro, o famoso Chapisko marcaram essa fase, animando, despertando sonhos e gerando tantas expectativas em apenas uma noite. Quem arrumasse uma paquera em outra cidade, tinha que marcar dia e horário no centro telefônico da cidade, um espaço com alguns telefones fixos que atendiam todo o distrito. Já na 5ª série, hoje 6º ano, já estudávamos à noite. Me lembro, de com 11 anos correndo de pique rela no pátio da escola, como criança mesmo e riam, porque quem estudava à noite já não era mais “criança”, foi muito frustrante. Mas ao mesmo tempo nos sentimos adultos. Aos domingos à tarde eram sagrados os jogos de futebol e o jogo de bilhar no bar do Laércio. Paqueras, música lenta no Chapisko e o lanche do Carlinho são inesquecíveis.
Jornal do Sudoeste: Como era seu convívio familiar?
E.D.G.: Como filha mais velha, dedicava parte do tempo ajudando a cuidar dos irmãos, além de colaborar nas tarefas domésticas. Lembro-me da minha mãe sempre me ajudando nas tarefas escolares e do meu pai consertando rádio e televisão. Tinha um quarto da minha casa exclusivo para armazenar as encomendas até que ficassem prontos. Minha mãe sempre fazia bolinho de chuva no café da tarde. E aos sábados ficava o dia todo fazendo faxina na casa, passava cera ajoelhada no chão e depois passava o escovão. Um terror.
Jornal do Sudoeste: Como foi sua saída de lá da Guardinha para estudar? Adaptou-se bem a nova vida?
E.D.G.: Comecei a estudar fora do distrito já no primeiro ano do ensino médio, em 1997. A E.E. Benedito Ferreira Calafiori foi minha opção. No entanto, a única opção ainda era o ensino noturno. A grande aventura era o transporte escolar. Íamos de circular rodoviário, outros tempos de transporte escolar surrado e sem vidros. Saíamos 17h30 de Guardinha e retornávamos meia noite todos os dias. Poeira e barro se alternavam na rotina. E algumas vezes, o ônibus encravava no barro. Não muito diferente da realidade de hoje. Em 2000, ingressei na faculdade. Morei oito meses na casa de uma tia em Franca, trabalhei em fábrica de sapatos e em setembro do mesmo ano regressei a Guardinha para lecionar Educação Física na Escola Municipal, no qual havia estudado. As dificuldades aumentaram, saíamos de Guardinha 16h30 e retornávamos uma hora da manhã, todos os dias. Sentíamos fome e frio, sem dinheiro, muitas vezes até para um lanche. Mas em compensação era uma alegria tamanha. Viajávamos cantando, rindo, e até jogando truco. Todo esforço valeu a pena.
Jornal do Sudoeste: Por que escolheu a Biologia?
E.D.G.: Escolhi a biologia por dois fatores: primeiro porque tive uma excelente professora de biologia no Ensino Médio, Bia Acerbi. Ela deixava o conteúdo deslumbrante. Realmente foi uma “profissional influencer”. E segundo, porque me identificava com a área da saúde. Trabalhei quatro anos como auxiliar odontológico em Guardinha. Se tivesse maiores oportunidades na época, escolheria odontologia ou até mesmo medicina. Mas nessa fase, nem os primeiros da sala, conquistavam tais direitos. Por isso, apoio programas sociais como Sisu, ENEM e PROUNI, que possibilitam que os jovens possam escolher carreiras com as quais sonham.
Jornal do Sudoeste: Como foi sua formação e o que foi mais difícil para você durante essa fase?
E.D.G.: Cursei Biologia na Universidade de Franca de 2000 a 2003. Trabalhava o dia todo e estudava à noite. Tanto na formação do Ensino Médio, quanto na graduação, a maior dificuldade foi a defasagem de ensino. O que eu aprendi no Ensino Médio era um terço do que estava estipulado para aquele nível, o que refletiu violentamente na faculdade. Conhecimento prévio era importante. Então o jeito era correr atrás do “prejuízo”, para tentar acompanhar a turma. Bem maiores que os problemas de locomoção, no topo, está sem dúvida a desigualdade na aprendizagem (escola pública x privada).
Jornal do Sudoeste: Conte-nos um pouco da sua atuação profissional e como foi seu retorno para Paraíso...
E.D.G.: Finalizada a faculdade em 2003, em 2004 prestei dois concursos públicos, um municipal e outro estadual. Em ambos fui aprovada. Comecei a lecionar como contratada na E.E. Clóvis Salgado, em 2005, e também pela Rede Municipal na E.M. Campos do Amaral no mesmo ano. Em 2006 fui nomeada pelo Estado, para assumir um cargo de Ciências na E.E. Coronel José Cândido. E em 2008, assumi o segundo cargo efetivo, agora na Rede Municipal, lecionando na E.M Napoleão Volpe e para EJA da E.M. Campos do Amaral. No início ainda morava na Guardinha, dependia do transporte da Saúde, Educação e até de carona para trabalhar. Os horários de transporte rodoviário eram reduzidos, por isso é grande o tempo de espera para retornar para casa. Em 2007, morei na casa de uma grande amiga, a Doni, que me acolheu como uma filha. Nos anos seguintes, compartilhei uma “república” com mais quatro moças. Dividíamos o aluguel e as despesas diárias. Dividimos sonhos e compartilhamos momentos felizes. Lecionei no Coronel até 2009, ano em que pedi mudança para E.E. Paula Frassinetti. Nesta escola, tive uma importante oportunidade de crescimento profissional. Atuei como vice-diretora de 2012 a 2015. Já na Rede Municipal, passei a lecionar na E.M. Roque Scarano (Fazenda Marques) completando o cargo na E. M. Campos do Amaral para os alunos da EJA (Educação de Jovens e Adultos)
Jornal do Sudoeste: Você é uma figura atuante na Educação e quem te conhece conta que sempre está buscando aprender. Qual a importância dessa formação continuada?
E.D.G.: Uma das recomendações para evitar o declínio cognitivo é ser sempre um aprendiz. É ensinando que se aprende. Parece clichê, mas não dá para negar que a melhor maneira de fazer algo com excelência é mostrando como se faz. E isso é motivador. Trabalhei como professora de informática em 2005, quando implantaram o Linux. Era o básico. Mas como era precioso para quem mal sabia ligar a máquina. Fui coordenadora de projetos ambientais como o GDP, aliando as peculiaridades locais com meio em que vivem, professores e alunos aprendendo juntos. Foi enriquecedor. A Pós-graduação em Gestão Escolar contribuiu muito para que eu desenvolvesse o trabalho na direção escolar, assim como o Pro-gestão. E a última formação em que fui orientadora que trouxe grande satisfação, foi o Pacto Pelo Fortalecimento do Ensino Médio, promovido pela UFU (Universidade Federal de Uberlândia)
Jornal do Sudoeste: Você atualmente é diretora do Cesec. É uma instituição importante para Paraíso. Como é poder trabalhar lá?
E.D.G.: É desafiador. E ao mesmo tempo muito gratificante. Embora seja recente meu ingresso no quadro de funcionários, trabalho com essa modalidade de Jovens e Adultos há 15 anos. O desafio está em demonstrar o tempo todo aos alunos que eles são capazes, que conseguem, que não desistam, em cativar e manter um vínculo de confiança com eles. Falhamos diversas vezes, porque a evasão ainda é grande. Mesmo com todo o esforço da equipe, por “forças maiores” eles desistem ou postergam o término dos estudos, alegando mudança de trabalho, cansaço, divórcio, cuidado com os filhos, etc. Outro desafio é quanto às políticas e programas educacionais, quase nada voltados para a Educação de Jovens e Adultos. Não temos livros didáticos bons para essa modalidade, por exemplo. Mas por outro lado, é muito gratificante trabalhar no CESEC. Escola que visitei diversas vezes, sonhando em dia trabalhar lá. E não poderia deixar de citar aqui o excelente trabalho do eterno diretor do CESEC , Sérgio Cabral, que tanto colaborou para que o CESEC tivesse destaque na nossa cidade. Mas a maior satisfação é, sem dúvida, quando o aluno atinge seu objetivo, seja o término de um conteúdo, de um nível, ou a conclusão final. Ver os olhos brilhando e ouvir a frase: “Ainda bem que você não desistiu de mim” é sinônimo de dever cumprido e o que nos faz querer fazer nosso trabalho cada vez melhor. Estar na Direção do CESEC, além de ser mais uma oportunidade de crescimento profissional é ter o poder de fazer a diferença na vida das pessoas.
Jornal do Sudoeste: Como você enxerga a Educação hoje, no nosso município e de maneira geral?
E.D.G.: Tenho visto grande empenho tanto da Secretaria Municipal de Educação, quanto estadual em melhorar os índices de desempenho dos alunos e vejo que tem conseguido melhorias. Meu filho está matriculado na creche municipal, porque acredito, que mais do que infraestrutura, a parte pedagógica é fundamental para o desenvolvimento da criança.
Jornal do Sudoeste: Falando um pouco sobre você, agora é mãe. Como tem sido essa experiência e o que mudou na sua vida?
E.D.G.: Mudou tudo. Tenho que dividir o tempo entre os afazeres doméstico, a escola e os cuidados com o filho e o esposo. O início da maternidade é um pouco assustador, tudo novo, e com partes nem sempre agradáveis. A rotina de cuidados é muitas vezes exaustiva. Mas ser mãe do Dante é um presente. É uma experiência maravilhosa. Ser mãe, me fez uma pessoa melhor, menos egoísta, mais empática, mais otimista.
Jornal do Sudoeste: A família é base de tudo?
E.D.G.: Claro. Eles conhecem o melhor e o pior de mim. Mas são também aqueles em quem podemos confiar, desabafar, irritar, acariciar e contar nos momentos difíceis. É o nosso refúgio, quem renova as forças a cada manhã e nos faz levantar todos os dias buscando ser cada vez melhores.
Jornal do Sudoeste: Você pensa no futuro que quer deixar para o seu filho e para os filhos daqueles alunos que passaram pela sua vida? Como seria esse futuro?
E.D.G.: Gostaria de contribuir para um futuro com menos desigualdades, mais justiça, tolerância, respeito e amor ao próximo. Um futuro de paz e prosperidade.
Jornal do Sudoeste: Qual mensagem você deixa para as famílias frente a situação que estamos vivendo por causa do coronavírus?
E.D.G.: Foi preciso desacelerar, foi preciso parar, e refletir, pausar... Tempos difíceis criam homens fortes. Que esse período seja usado para o bem, para o compartilhar, o conviver, o aprender coisas diferentes e aprender a ser diferentes. Sei que muitos estão ansiosos com o futuro dos filhos, muitos perdidos com a nova forma nova de como ensino vai chegar até as suas casas, como ficará o trabalho, a economia. Mas que não percamos a fé que dias melhores estão por vir. E que seja em breve.
Jornal do Sudoeste: Qual o balanço que você faz da sua trajetória até aqui?
E.D.G.: Nestes 38 anos de vida, realizei o que Deus me permitiu que fizesse, dentro das possibilidades que me foram oferecidas. Agarrei todas as oportunidades e dei o máximo de mim em cada dia de trabalho. Tenho orgulho da família que formei, do meu esposo Artur, companheiro de jornada, e do meu filho que veio para somar. Conquistei grandes amizades e os guardo no coração. Sou grata a Deus por tudo. Agradeço a produção do Jornal Sudoeste pela oportunidade de contar um pouco da minha história.