CRÔNICA HISTÓRICA

Lago de Furnas é o Mar de Minas

Por: Luiz Carlos Pais | Categoria: Cultura | 10-06-2020 13:05 | 5584
Presidente Juscelino Kubitschek visita o canteiro de obras da Represa Hidrelétrica de Furnas
Presidente Juscelino Kubitschek visita o canteiro de obras da Represa Hidrelétrica de Furnas Foto: Reprodução

As obras da Represa Hidrelétrica de Furnas começaram no ano de 1958, quando Juscelino Kubitschek de Oliveira, após governar Minas, exercia a Presidência da República. Brasília estava em construção e predominava um clima de grande euforia, desenvolvimento econômico e esperança por dias melhores. Ficou na história a frase simbólica do renomado político, que pretendia alcançar o progresso de “cinquenta anos em cinco”. Um dos principais desafios daquele momento era a expansão da produção de energia elétrica para os setores industrial, comercial e residencial. Em diferentes periódicos de circulação nacional, a construção da famosa usina hidrelétrica passou a ser anunciada como “a redenção industrial do Brasil”, como ficou registrado em artigo publicado no jornal Lavoura e Comércio, de Uberaba, no Triângulo Mineiro.

Naquele momento, estava constituída a Central Elétrica de Furnas, por iniciativa do Governo Federal, com sede em Passos, vizinha a São Sebastião do Paraíso, polos econômicos, culturais e históricos do Sudoeste Mineiro. Mais precisamente a empresa foi autorizada a funcionar pelo decreto no 41066, de 28 de fevereiro de 1957, documento venerado como como certidão para o desenvolvimento da região e do Brasil. O experiente político mineiro conhecia as especificidades políticas do Sudoeste Mineiro.

Desde a fatídico episódio que ficou na história regional como “Tragédia no Fórum de Passos”, em 1909, entendia-se que qualquer projeto político nacional não teria sucesso sem reconhecer a importância desse cantão mineiro com suas tantas histórias, culturas e riquezas. Naquele momento, tratava-se do maior empreendimento no gênero, inserido no projeto tutelado pelo Poder Executivo, reunindo ações do Branco do Brasil, Petrobras, Companhia Siderúrgica Nacional, entre outras empresas. O capital de constituição da grande companhia era de “cento e cinquenta milhões de cruzeiros”, cifra até então não alcançada no setor público a não ser a construção da nova capital federal.

Tudo isso foi motivo de orgulho e esperança por dias melhores para o Sudoeste Mineiro, vasto território com dezenas de municípios, limitado por terras paulistas e pela margem esquerda do Rio Grande. Para ilustrar a amplitude do projeto, a formação do Lago de Furnas, que ficou conhecido na época, como “Mar de Minas”, cumpre observar que foi necessário realizar a transposição do rio Piumhi, alterando seu curso natural para viabilizar a formação do reservatório. O referido rio era um dos afluentes do médio Rio Grande e essa obra foi necessária para não inundar a cidade de Capitólio. Assim, as águas deixaram de correr para a Bacia do Paraná e passaram para a Bacia do São Francisco, alterando amplamente a cadeia ecológica estabelecida.

Somente anos depois, passou-se a ter maior consciência quanto aos rigores impostos pela natureza na realização de grandes obras de engenharia. Ficou na história esses dias agitados, cujas notícias preenchiam o cotidiano que eu mesmo vivenciei no início dos anos 60. Por ironia da história, a obra iniciada na fase democrática foi inaugurada somente o início do Governo Militar. Passados 60 anos, não compete à leitura histórica julgar ou glorificar os homens daquele tempo, suas escolhas e o legado que souberam deixar para as gerações posteriores.

Revista Manchete. Rio de Janeiro, 23 de março de 1957