A busca diária por respeito e espaço em uma sociedade que privilegia uns em detrimento de outros, é o que vem fazendo a pedagoga Andreza de Cássia Pereira Paschoa desde a mais tenra idade, quando ainda não entendia o racismo e nem como ele funcionava. Assim como outras pessoas negras, Andreza já enfrentou diversas situações de discriminação, desde olhares desconfiados ao entrar em uma loja a ditos pejorativos que reforçavam a cor de sua pele e o seu cabelo. Ela entende que não existem direitos iguais, e que as pessoas também não são tratadas de forma igualitária, e que se deve lutar incansavelmente para que isto mude e o mundo se torne um lugar melhor. As diferenças existem, mas elas devem mostrar a pluralidade que é o ser humano, e não ser usadas como posição de poder. Nessa perspectiva, a pedagoga, mãe e esposa, entende que discriminação alguma deve ser aceita e, tão pouco, deve-se baixar a cabeça para isto. Filha de Felipe Pereira Neto (já falecido) e Maria Antônia David Pereira, casada com Lázaro Paschoa, e mãe dos pequenos Brenno Paschoa e Leandro Emmanuel, Andreza aceita o convite do Jornal do Sudoeste onde fala sobre sua trajetória, sempre marcada por muito luta e desejo de ir cada vez mais longe.
Jornal do Sudoeste: Como foi sua criação? Quais lembranças têm da infância e o que mais a marcou nesta época?
A.C.P.P.: Cresci cercada de amor. Meu irmão e eu ficávamos na casa da minha avó Placidina, para que meus pais pudessem trabalhar, brincávamos com nossos primos e alguns vizinhos próximos à casa da minha avó. Era tanta diversão, uma época tão boa. Minha avó Placidina, sempre ajudou na nossa educação é nossa segunda mãe. Tenho como lembrança que me marcou profundamente, os bolos que minha mãe fazia para cantarmos parabéns na casa da minha avó, era algo simples, mas, feito com tanto amor. A ansiedade era grande para que nosso aniversário chegasse, a festa valia mais do que qualquer presente.
Jornal do Sudoeste: Onde estudou? Que papel a Educação teve na sua vida?
A.C.P.P.: Estudei em três escolas: fiz o pré-escolar no Pingo de Gente, hoje a escola já não existe, depois fui para a Escola Campos do Amaral onde cursei do 1º ao 4º ano e do 5º ao 3º ano do ensino médio estudei na escola Clóvis Salgado. Sempre fui muito falante (risos), mas sempre tirava notas boas, sempre gostei de estudar. Através dos estudos eu comecei a sonhar e a planejar um futuro.
Jornal do Sudoeste: Você é professora das séries iniciais. Conte-nos um pouco da sua formação, e por que quis ser professora...
A.C.P.P.: Sou formada em Pedagogia. Ser pedagoga já estava no sangue, minha avó costumava dizer que quando eu crescesse seria professora, porque eu ficava sempre ensinando alguma coisa aos outros. Tenho um amor imenso por ensinar, principalmente as turmas de educação infantil, para as quais leciono atualmente. Essa fase é repleta de descobertas e é muito bom fazer parte deste processo.
Jornal do Sudoeste: Como foi a construção da sua carreira? Conte-nos um pouco da sua atuação...
Sou formada há 10 anos, estudei na Faculdade Calafiori. Um ano após concluir a faculdade, consegui o primeiro emprego na minha área, por não ter experiência infelizmente foi complicado conseguir o primeiro emprego como professora. Meu maior sonho era trabalhar na prefeitura, minha mãe era funcionária e trabalhava como merendeira na creche e sempre me incentivou, que eu deveria tentar crescer profissionalmente e trabalhar na prefeitura seria uma ótima oportunidade. Em 2013 consegui uma vaga na prefeitura através de um processo seletivo, anos depois passei no concurso e em 2017 chegou a tão sonhada e almejada efetivação. Estou na prefeitura há seis anos!
Jornal do Sudoeste: Atualmente, há um debate muito grande sobre a importância de se falar sobre racismo. Como foi sua vivencia sendo uma mulher negra? Já foi alvo do racismo? Conte-nos um pouco suas experiências.
A.C.P.P.: Já sim, infelizmente. Já fui mal recebida em lojas aqui na cidade e ficou bem evidente que era por conta da cor da pele. Já sentia o racismo na pele muito antes de entender o que ele significava. Quando criança, quantas palavras ruins ouvi sobre o meu cabelo, entre elas que era “ruim”, cabelo de Bombril. Relaxei e alisei meu cabelo por anos para tentar me enquadrar num padrão de sociedade que me era apresentado. Falavam e riam do meu nariz e boca, da minha cor. Lembro uma vez que uma amiga chegou e disse: Meu pai disse para eu não tomar muito café, senão vou ficar da mesma cor que você. Na hora fiquei triste, mas só fui compreender o sentido alguns anos depois. Outra frase que marcou muito: “Você nunca vai ser alguém na vida, vai ser uma mulher preta sem futuro”.
Jornal do Sudoeste: Que impacto o movimento “Todas as vidas negras importam” teve para você e para sua família?
A.C.P.P.: Os acontecimentos dos últimos dias mexeram muito com a gente. Eu particularmente fiquei muito abalada, muitas vidas negras estão sendo perdidas violentamente. Onde estão as leis que tantos dizem que servem para todos? A igualdade, não dizem que todos somos iguais? Onde está? Esses questionamentos têm feito parte dos nossos dias. Quantos negros ainda precisam morrer para que entendam que essas vidas têm importância?
Jornal do Sudoeste: Você é mãe. Como é essa experiência e como você lida com o diálogo sobre racismo com seus filhos?
A.C.P.P.: Ser mãe é tão bom, minha maior felicidade está em ver meus filhos bem. Sempre sento-me com eles para conversar e nesse momento com tantos acontecimentos nosso diálogo tem sido ainda maior. Sempre tentando orientar como reagir em determinadas situações. Não é fácil, imagina você ter que explicar para seus filhos que um homem foi morto por ser negro ou que outras crianças foram mortas por conta da sua cor da pele. Isso dói.
Jornal do Sudoeste: Além de mãe, você é professora. Costuma conversar com seus alunos sobre essas questões sociais?
A.C.P.P.: Esses temas são abordados de maneira lúdica, através de rodas de conversas onde trabalho com eles valores. A importância do respeito ao outro, o amor ao próximo e a importância da vida.
Jornal do Sudoeste: Qual a importância da Educação no enfrentamento a qualquer tipo de discriminação?
A.C.P.P.: A criança não nasce discriminando o próximo, tudo gira em torno do ambiente em que ela vive. O trabalho tem que começar desde os pequenos, afinal as crianças de hoje serão os adultos de amanhã. É difícil mudar um adulto que já internalizou e aprendeu a discriminar o outro. Aquilo que lhes for ensinado de maneira errada será levado pela vida, a educação deve e pode contribuir para a construção de um ser humano melhor. Ainda tenho esperança de termos um futuro diferente da realidade em que temos vivido atualmente.
Jornal do Sudoeste: Você se define como “empoderada”. Conte-nos sobre isso.
A.C.P.P.: O meu empoderamento está na forma de ousar em ser aquilo que quero ser, sinto que vivo num processo de transformação interno. Passei a me sentir livre depois que assumi meu cabelo natural, brinco que existe a Andreza antes e depois do cabelo black! Foi uma conquista pessoal que veio de dentro, assumi ser quem eu realmente sou, deixei de ser escrava dos padrões de beleza impostos pela sociedade. Me sinto livre.
Jornal do Sudoeste: Sobre seu Instagram. Sempre teve essa relação com a moda?
A.C.P.P.: Não, comecei a postar meus looks em agosto de 2019. Fiz alguns desafios pessoais e em novembro iniciei mais um, 200 looks sem comprar. Esse desafio foi o mais ousado, ainda estou no look 135/200. Em abril desse ano perdi minha conta do Instagram e quase desisti desse desafio, por sorte havia marcado em aplicativo os números dos looks, o que ajudou a dar continuidade. Terminando esse quero iniciar outro, já estou pesquisando novas ideias.
Jornal do Sudoeste: Qual a mensagem que você deixa para todas as pessoas que passaram por algum tipo de discriminação...
A.C.P.P.: Lutem para que outras pessoas não passem pelo o que a gente passou. Não abaixem a cabeça, porque é isso que esperam de nós. Ainda temos muito a conquistar e não podemos jamais deixar de lutar pelo respeito e por nossos direitos.
Jornal do Sudoeste: De toda sua jornada, qual foi o momento mais difícil e qual foi o momento de maior felicidade que já passou?
A.C.P.P.: O mais difícil foi quando perdi meu pai em maio de 2018, tenho nítida a lembrança de nosso último encontro, um alegre almoço de domingo. Foi um imenso baque. Uma das minhas maiores felicidades foi o nascimento dos meus filhos e depois ter conseguido passar no concurso público da prefeitura.
Jornal do Sudoeste: O que a Andreza de hoje diria para a Andreza da infância?
A.C.P.P.: A vida lá na frente não será tão fácil, você terá que abrir mão de algumas coisas e batalhar muito por outras. Muita gente não vai acreditar que você é capaz, irão tentar te impedir de todas as formas, irão te olhar torto e rir de você. Mas, apesar de tudo isso não se esqueça, você é capaz de brilhar por qualquer lugar que passar, a sua luz vem de dentro, a bondade e amor que moram em você irão resplandecer. Erga sua cabeça e vá sem medo, o mundo é seu e muitas pessoas ainda precisam de você.
Jornal do Sudoeste: Qual o balanço que você faz de toda sua trajetória?
A.C.P.P.: Sou grata, por todo carinho que meus pais tiveram comigo. As cobranças para que eu fosse alguém melhor, a alegria de saber que sempre fui motivo de orgulho para eles. Sinto-me realizada com algumas conquistas pessoais, mas sei que ainda tenho muito a conquistar. Dificuldades sempre irão surgir, mas com Deus à frente de tudo e com boa vontade não tenho o que temer. A vida tem me proporcionado grandes aprendizados, que têm contribuído muito para o meu amadurecimento e crescimento pessoal.