A professora de Língua Portuguesa, Líria Luzia de Oliveira é uma profissional que busca plantar o bem por onde quer que passe. De aura tranquila, ela vem de uma família que lhe ensinou valores importantes, entre eles sempre fazer o bem e compartilhar o que for possível. Filha de João de Oliveira e de Luíza Gonçalves de Oliveira (em memória), Líria tem duas irmãs mais velhas, a Lígia e a Lilian, que também compartilham do amor pela Educação. Hoje, aos 38 anos, mãe do pequeno João Gabriel, de dois anos, ela preside o Rotary Club, entrando para a história como primeira mulher a estar à frente do clube em São Sebastião do Paraíso. É atenciosa que ela compartilha um pouco da sua trajetória e rememora momentos importantes de sua vida.
Jornal do Sudoeste: Sua família tem raízes aqui mesmo em Paraíso?
L.L.O.: Sim. Meus pais vieram da zona rural, região da Lagoa Preta e Itaguaba, aqui do município de Paraíso, e quando se casaram vieram para cidade. Até então, trabalhavam na roça mesmo, criando gado, cultivando milho. Chegaram a voltar para a roça quando a minha irmã nasceu, mas logo voltaram para Paraíso. Aqui, durante muitos anos, tiveram um comércio. Montaram uma mercearia, próximo de onde era o Pronto Socorro, e foi ali que fizeram a vida. No começo foi muito difícil, mas logo se estruturaram.
Jornal do Sudoeste: Como foi a infância?
L.L.O.: Foi uma infância muito boa, e acredito que tivemos essa verdadeira infância. Brincávamos na rua, não tinha nada eletrônico, as brincadeiras eram com bonecas e me recordo de construirmos um pequeno fogãozinho com blocos para fazer batata frita. Foi uma época muito boa. Sempre moramos ali na região no Pronto Socorro.
Jornal do Sudoeste: Hoje é professora. Como era na escola?
L.L.O.: Quando eu era criança, a parede do bar dos meus pais era tinta a óleo, e ali eu ensinava matemática (risos). Hoje dou aula de Língua Portuguesa, são bem extremos. Era muito legal, os vizinhos sentavam-se ao redor de uma mesa mesa e eu fica ali, escrevendo. Sem saber, já tinha escolhido uma profissão ainda criança. Estudei na Escola Pingo de Gente, da “tia” Glorinha, já não existe mais essa instituição, e os demais anos estudei no Clóvis Salgado, que é uma escola pela qual tenho um carinho muito grande, tanto por ter estudado como por ter trabalhado também.
Jornal do Sudoeste: Suas irmãs são da área da Educação?
L.L.O.: Minhas irmãs também são professoras. A mais velha, a Lilian, também dá aula de Língua Portuguesa e é vice-diretora no Ditão, e minha irmã do meio é Pedagoga. Somos todas da Educação.
Jornal do Sudoeste: Por que decidiu ser professora?
L.L.O.: Quando terminei o Ensino Médio, fiquei na dúvida, porque é um choque muito grande ter que escolher algo que você vai fazer “pelo resto da sua vida”. Comecei a fazer curso de Inglês, porque parada não queria ficar. Neste meio tempo, minha irmã Lilian tinha começado a fazer Letras, e decidi estudar também. Foi apaixonante. Como professores, nós estudamos muito e nos tornamos eternos estudantes, mas é uma das profissões mais bonitas que há, porque formamos todas as outras. Infelizmente, não somos bem remunerados, porém é uma profissão que não saímos de casa para fazer o mal, apenas com o intuito de ajudar o próximo. É uma profissão linda, claro que assim como a Medicina, que salva vidas, mas particularmente sou apaixonada pela minha.
Jornal do Sudoeste: Há 15 anos dando aulas. Mudou muito de lá para cá?
L.L.O.: Mudou muito. Olhamos para trás e vemos que saímos da faculdade sem saber nada. Mas foi um começo muito bom. Eu fiz o meu estágio no Clóvis Salgado, época em que faltava professor, então comecei meu estágio já dando aula. Foi um choque de realidade, porque é diferente estar na sala observando o professor e estar na sala como professor. Já tive todos os tipos de alunos ao longo desses anos. É uma profissão que apesar dos percalços é gratificante.
Jornal do Sudoeste: Assim que se formou, já começou a dar aula?
L.L.O.: Sim. Eu trabalhei por oito anos na Banderole, período em que fiz faculdade, e gostava muito dos meus patrões. Assim que me formei, fiquei naquele impasse de sair ou não de um emprego fixo para dar aula, mas eu precisava exercer minha profissão. Meus patrões foram muito legais comigo, porque em alguns momentos tive que trabalhar apenas meio período para pegar aula e, como todo o começo, você faz uma substituição aqui, outra ali. Eu já trabalhei em praticamente todas as escolas de São Sebastião do Paraíso. Vejo isso como uma boa experiência, mas pude conhecer cada realidade. Há escolas que são apaixonantes. Atualmente, estou dando aula no Ibrantina Amaral, onde há uma equipe muito humana. Querendo ou não, a gente precisa de um elogio, um reconhecimento pelo trabalho, e no Ibrantina nós temos isso. Frente a esta pandemia, recebemos um cartão da diretora, com foto de toda a equipe, é uma diretora que tem todo um cuidado com a gente. É uma equipe unida.
Jornal do Sudoeste: Como tem sido ser professor nessa pandemia?
L.L.O.: Desafiador, porque a gente trabalha, no mínimo, três vezes mais. Antes, tínhamos o horário que íamos para a escola, além do que já tínhamos em casa. Há muito a se considerar, e está muito desafiador. No Ibrantina estamos fazendo um trabalho diferenciado, porque mandamos as atividades, tanto por WhatsApp quando impressas, além disto temos muitos alunos de zona rural, onde a internet nem sempre é boa, e há também aqueles alunos que têm mais dificuldade e precisam do professor. Todavia, é uma maneira de fazer com que esse aluno não desanime, porque aprendizagem sempre há a partir do momento que você lê um texto, mas mesmo assim é muito difícil. Muitos não estavam preparados para isso, inclusive professores. É uma situação inusitada, porém não tivemos respaldo dos governantes. Acredito que tudo é aprendizado, e esperamos que no próximo ano a situação melhore.
Jornal do Sudoeste: Não se investe muito em educação e, atualmente, estamos presenciando a discussão da taxação dos livros. Como você encara essa situação?
L.L.O.: É uma questão insustentável, porque hoje muitos dos nossos alunos não têm o que comer direito em casa, então é muito fácil olhar para a elite, que pode ter acesso a esses livros, e cobrar impostos. Quando estudei no Ensino Médio, nós tínhamos que comprar livros, e não era fácil porque ou conseguíamos emprestado ou comprava de segunda mão. Ter livros é um direito do aluno. Infelizmente, acredito que grande parte dos governos não gosta do professor, porque quanto mais educada, mais crítica uma pessoa se torna e mais fácil pode reconhecer os erros de uma política suja. Nós já pagamos impostos tão caros, principalmente em Minas onde tudo é mais caro. Então, porque vai tirar um direito que é do aluno? Infelizmente, o governo não conhece a escola por dentro. Somos números, apenas.
Jornal do Sudoeste: Hoje você é presidente do Rotary. Como começou essa história?
L.L.O.: Eu fazia parte do Rotaract, junto com um grupo de amigos. O Rotaract é como se fosse um filho do Rotary, e é divido por idades. Quando você atinge certa idade, ou você vai para o Rotary ou se desvincula, e fui convidada a permanecer. Minha mãe era uma pessoa muito caridosa, e aprendi com ela que se a gente pode dividir o pouco que temos, por que não o fazer? Então, após esse período no Rotaract, fui convidada a fazer parte do Rotary, que está mudando um pouco sua visão e abrindo mais espaço para as mulheres, tanto que era um grupo composto somente por homens. Então, é muito desafiador e gratificante ser a primeira presidente do Rotary de São Sebastião do Paraíso. Há mais de 20 anos, salvo engano, Cássia teve uma presidente à frente do Clube. Acredito que muito se deu devido a visão um pouco machista que ainda se tem da mulher, que somos frágeis, mais sensíveis, quando que de frágeis não temos nada. Está sendo muito gratificante.
Jornal do Sudoeste: O Rotary tem desenvolvido alguns projetos envolvendo a questão da pandemia, como tem sido isso?
L.L.O.: Sim. Desenvolvemos o projeto “Corona Zero”, em que temo ido em instituições como o Asilo e a Chácara Pedacinho do Céu fazer a testagem dessa população, a fim de evitar que vírus se propaguem, mas não tivemos casos positivos até agora. Esse é um projeto que se iniciou na gestão passada, e continuou com a minha (assumi em julho. Não digo minha gestão, mas a nossa, porque tenho uma equipe extraordinária e que me ajuda muito). Além disso, o Rotary tinha como um de seus projetos, erradicar a poliomielite, e graças a Deus conseguiu erradicar na África. É um projeto que temos trabalhado muito e vamos dar continuidade agora em outubro, há também o da Hepatite. São programas que o Rotary desenvolve em todos os clubes. Há também aqueles que desenvolvemos aqui no município. Tivemos em julho a Pizza Solidária, para arrecadar fundos para ajudar a comunidade, vamos ter em setembro um “bingo virtual”. São diversos projetos, entre eles queremos fazer arrecadação de alimentos e, também, tenho um projeto onde quero arrecadar livros de literatura para entregar nas escolas mais carentes. Assim, vamos caminhando aos poucos e tentando fazer o melhor àqueles que precisam.
Jornal do Sudoeste: Como foi tornar-se mãe?
L.L.O.: Foi inesperado, mas hoje vejo como a melhor surpresa da minha vida. Ter um filho é a maior benção que uma pessoa pode ter na vida, e não digo apenas as mulheres, mas àqueles que têm o desejo de se tornar pais. Tive uma gestação muito tranquila e foi em um ano em que coisas não tão boas aconteceram, então, meu filho veio num momento ótimo e passei a viver por ele. É a maior bênção que eu tenho na vida. É uma responsabilidade muito grande, principalmente para a gente que está ligada à Educação. A gente não conhece o amor até nos tornarmos pais. Ele é a minha vida.
Jornal do Sudoeste: Qual é o balanço que você faz dessa trajetória?
L.L.O.: Eu sou grata, sempre. Acredito que tudo o que acontece, mesmo que não sejam coisas muito boas, noventa por cento é algo positivo. Aprendemos a lidar com as adversidades. Tornei-me mãe, e esta foi uma das grandes bênçãos da minha vida. Só tenho a agradecer, por tudo, mesmo pelas coisas não tão boas, porque também aprendemos com elas.