GILBERTO AMARAL

Minha última semana com JK

Por: Gilberto Amaral | Categoria: Brasil | 16-09-2020 01:11 | 1573
Juarez Abdulmassih, Hèlcio Miziara, JK e Gilberto Amaral
Juarez Abdulmassih, Hèlcio Miziara, JK e Gilberto Amaral Foto: Arquivo Pessoal

Minha última semana com JK
No dia 16 de agosto de 1976 fui almoçar na casa de Déa e Carlos Murilo (foto), com Juscelino. Fomos saborear o franguinho que a Otilia fazia como ninguém. JK chegou atrasado, entrou com seus passos largos e aquela pose impoluta, passou na mesa, pegou uma banana, cumprimentou a todos e fomos almoçar. Ele estava nervosíssimo porque precisava encontrar seu amigo Wilson Lemos de Moraes naquele dia. O que chamou a atenção foi que Juscelino se serviu com duas colheres de sopa de pimenta malagueta junto com a galinhada.

O convite
Depois do almoço sentamos na sala de estar, JK tirou o sapato como praxe, e eu falei que estava ali para convida-lo para dançar a valsa de 15 anos da minha filha Bernadette, no dia 21. Ele ficou satisfeito, radiante, tinha até o apelido de “pé de valsa”, e logo disse que sim. Só não tinha paciência: dava três passos com uma parceira, gastava o seu francês falando “change” e já pegava outra para continuar a dança. Acreditem se quiser: até comigo ele trocou uns passos de bolerinho.

Tem que morrer alguém
É lógico que não deixamos de falar sobre a Academia Brasileira de Letras, onde foi traído por um mineiro, que acabou elegendo o goiano Bernardo Élis. Aí ele encheu o peito e falou que seria eleito por unanimidade. “Jorge Amado, inconformado com a minha não eleição, levou-me a todos os acadêmicos que se comprometeram a votar em mim“, disse ele. O nervosismo por não ter se encontrado com Wilson Lemos era visível, quando o telefone tocou e a Déa saiu do seu quarto e falou: “é o Wilson”. Juscelino levantou-se e foi caminhando para o quarto, quando eu gritei: na vaga de quem, presidente? Ele bateu a mão na pilastra, virou-se e disse: “TEM QUE MORRER ALGUÉM”.

Noitada no Eron
Na quarta-feira saí com Fernando Nogueira (foto)para um bordejo noturno e fomos parar no Eron Hotel, e a recepção logo me avisou: “o seu amigo JK está lá em cima, no bar”. Estavam com ele, Eron (foto) e Eraldo Alves de Oliveira, Vera Brant, Toninho Drummond e outros amigos. Sentei ao seu lado e ele ficou admirando toda aquela beleza noturna da capital que havia construído. O que mais chamou a sua atenção e toda hora ele me perguntava, era quem era o responsável pela obra que uniu a W3 Sul com a W3 Norte. Aí eu lhe disse: foi o governador Elmo Serejo Farias. E acrescentei, o mesmo que transformou esse terrenão que estamos vendo daqui, no Parque da Cidade, e que se não fosse ele seria uma “selva de pedra”.

Peixe vivo
No dia em que o meu amigo Eron Alves de Oliveira lançou a pedra fundamental do hotel, ele entregou o convite para a inauguração, que seria um ano depois, o que de fato aconteceu. Eron resolveu mostrar a boate a JK e mandou chamar o DJ Macarrão. Por incrível que pareça, a música que ele botou para tocar foi Peixe Vivo, em espanhol, e JK não se fez de rogado, pegou a Vera (foto) e deu dois passinhos.

Pedido de permissão
Tem cabimento um ex-presidente da República ligar para um jornalista e pedir permissão para alguma coisa? Pois JK fez isso comigo. Vejam só, na quinta-feira, o maior dos ex-presidentes da República mandou o Ildeu de Oliveira ligar para mim na TV Brasília, onde eu era diretor de Jornalismo. E foi logo dizendo: “o presidente quer falar com você”. Aí batemos um papo, falamos sobre a alegria daquela noite na boate do Eron e mais uma vez sobre a ligação da W3 Sul com a Norte. Mudamos de assunto e o presidente Juscelino disse: “pois é Gilberto estou ligando para lhe pedir permissão para não dançar a valsa com sua filha Bernadette. Fui chamado pelo Adolpho Bloch (foto) para uma reunião em São Paulo e queria ter a sua permissão”. Eu logo disse: ora presidente só o motivo do senhor ter aceito o convite, já nos deu muita alegria, felicidade e embevecimento imensurável. Aí ele contou que estava satisfeito com o escritório - que o Marcos França havia colocado uma mesa e a Vera Brant enfeitado com flores, e que tinha recebido quatro caravanas do interior de Sao Paulo, todos o convidando para ser patrono da turma deles.

Me despedi e lhe desejei uma ótima viagem. O que aconteceu depois disso todos nós já sabemos, o fatal acidente na Dutra.

Vale do Amanhecer
Quando Tia Neiva (foto) estava viva (Salve Deus!) nós íamos três vezes por semana ao Vale do Amanhecer. E eu gostava muito de conversar com os pretos velhos, sempre pedindo proteção para Juscelino e para nós. Certa vez, quando perguntei por JK, um deles, com aquela voz já cansada, me disse: “nós temos segurado por muito tempo ele na terra, mas agora está chegando a hora dele subir para a eternidade”. E assim JK nos deixou, levado pelos arcanjos e colocado nas mãos de Deus.

Adolpho Bloch
Déa e Carlos Murilo
Eron Alves de Oliveira
Fernando Nogueira
Tia Neiva
Vera Brant