LÍNGUA SOLTA

O signo linguístico e o significado

Por: Michelle Aparecida Pereira Lopes | Categoria: Cultura | 26-09-2020 05:01 | 2097
Michelle Aparecida Pereira Lopes
Michelle Aparecida Pereira Lopes Foto: Reprodução

A questão é saber se você pode obrigar as palavras a querer dizer coisas diferentes... Lewis Carrol

Nas últimas semanas, grandes portais on-line noticiaram que o Google alterou os significados das palavras “patroa” e “mulher solteira” após críticas feitas pelas cantoras Anitta e Luísa Sonsa. Como uma das propostas desta Coluna é discutir questões relacionadas à língua, no texto de hoje, conversaremos um pouco sobre o significado das palavras.

Começo falando sobre a importância do signo linguístico – a palavra – para nossa vida. Para o linguista José Luiz Fiorin, “a realidade só tem existência para os homens, quando é nomeada”.  Isso equivale a dizer que o mundo nos torna perceptível, à medida que nomeamos, por meio da língua, as coisas dele; ou ainda, que a palavra pode ser considerada um dos modos pelos quais apreendemos a realidade a nossa volta.

Partindo disso, é interessante pensarmos em como se constitui o significado das palavras. Já adianto que nem tudo é uma questão de dicionário! O dicionário apresenta os sentidos cristalizados pelo uso, mas pode não conseguir captar todos os usos de um signo linguístico no nosso cotidiano. Por isso, mais do que saber o significado de uma palavra, sempre é bom pensarmos no contexto em que ela foi, ou está sendo usada.

Se considerarmos a teoria do signo linguístico, conforme pensada por Ferdinand de Saussure – importante linguista do século XX – o signo é a junção de um significante e um significado. O significante é a imagem acústica que se forma em nosso cérebro a partir do significado, aquilo que constitui a compreensão de uma realidade à nossa volta. Por exemplo, a palavra “árvore” pela linearidade organizacional das letras, bem como pelo encadeamento de seus fonemas, constrói para nós o significado da realidade de “um tronco, galhos e folhas”. Essa divisão entre significado e significante foi um grande avanço para os estudos da linguagem, mas esses não pararam por aí.

O significado de um signo linguístico é algo bem complexo. Um exemplo disso é o fato de um mesmo signo poder ser usado para nomear duas realidades distintas, por exemplo, as “velas” que acendemos e as “velas” das antigas embarcações. Como isso é possível? Como saber de qual realidade “velas” estamos falando? Acontece que um signo também se define por meio de outros, isto é, pela relação desse signo com os demais à sua volta. É aí que entra a importância do contexto do uso do signo. Dificilmente alguém compreenderá que uma “vela” está boiando no oceano, quando lê, ou ouve a frase “as velas singram os mares”. Isso quer dizer que o enunciado no qual aparece, ou o contexto no qual é usado, colaboram com a compreensão do significado de um signo.

Em se tratando de contexto de uso dos signos linguísticos, ainda devemos considerar a história, ou seja, o momento em que determinado signo é usado também trabalha a favor da constituição do seu significado; disso compreendemos que o significado pode mudar, conforme as relações que vão sendo estabelecidas no contexto do seu uso. É justamente aqui que se encaixa toda a discussão empreendida pelas cantoras Anitta e Luísa Sonsa quando afirmaram indignação com os resultados apresentados para as palavras “patroa” e “mulher solteira”. Os significados criticados foram constituídos em outra época, mais especificamente, quando a posição social das mulheres era outra; de fato, não havia mais razão para mantê-los, já que deixaram de refletir a realidade. De tudo isso, fica que se a realidade pode mudar, consequentemente, o significado de um signo também pode.

Termino dizendo que o significado extrapola as fronteiras linguísticas porque os signos não são meras etiquetas que colocamos nos objetos e nas coisas do mundo; os signos linguísticos constituem a língua e essa é simbólica justamente por ser fruto das experiências sociais, culturais e históricas de um povo.

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Michelle Aparecida Pereira Lopes é uma professora apaixonada pelas Letras. É doutora em Linguística pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Ministra as disciplinas relacionadas à Língua Portuguesa na Universidade do Estado de Minas Gerais, UEMG - Unidade Passos. Também ensina Gramática no Ensino Médio e Cursinho do Colégio Objetivo NHN, Passos.