A professora e psicopedagoga, especialista em educação especial e inclusiva, Juleide Lopes de Miranda, é uma profissional que ainda no seio familiar entendeu sua verdadeira vocação: lutar pela inclusão de pessoas com deficiências frente a uma sociedade que ainda resiste em olhar para o diferente com acolhimento e entender que as individualidade contribuem para a construção de uma sociedade mais próspera: é pelo o que ela luta. Filha de Alfeu Lopes de Miranda (Gaúcho, entrevistado por esta coluna em dezembro de 2017) e de Lisete Aparecida da Silva França Miranda, aos 35 anos Juleide tem, dia após dia, dado o seu melhor na construção daquilo que acredita: inclusão e acessibilidade da criança com deficiência à uma educação de qualidade no ensino regular.
Jornal do Sudoeste – A infância é sempre uma fase marcante em nossas vidas. Quais memórias guarda dessa época?
J.L.M.: Eu tive uma infância muito feliz. Até os cinco anos de idade morei no Posto do Sol (saudoso Posto do Sol), meu pai administrava o restaurante e morávamos lá também. Assim pude viver livremente e brincar muito, guardo muitas lembranças daquele lugar. Aos seis anos nos mudamos para a cidade e foi quando iniciei meus estudos. Tenho um irmão mais novo, o Juliano e guardo na memória a alegria que senti quando ele nasceu e nossas peraltices de infância (risos). Na cidade, também tenho boas memórias de quando brincávamos na rua, tínhamos boas amizades. De tempos em tempos visitávamos meus avós maternos que moravam em Aguaí (SP). Tenho boas lembranças da casa da vó e das brincadeiras com os primos, era só diversão. Outro fato marcante foram as aulas de ballet clássico com a Tia Marize Marinzeck, durante mais ou menos uns cinco anos onde aprendi muito, aprendizados que carrego para a vida. Enfim, tive uma infância tranquila e feliz.
Jornal do Sudoeste – Como foi sua criação? Conte-nos um pouco sobre seus laços familiares...
J.L.M.: Meus pais sempre me ensinaram valores que eu deveria cultivar e que o importante é o que nós fazemos às pessoas, que devemos ser honestos e trabalhar com dignidade, olhar a vida com simplicidade e ser corajosa. Até os meus dez anos convivia a maior parte do tempo com minha avó Ana, que me ensinou a ter fé e que cuidava de todos com muito amor e carinho. Sou muito grata aos meus pais por tudo que eles puderam me oferecer, pela educação, amor e pelo incentivo em tudo na minha vida.
Jornal do Sudoeste – Você sempre teve essa inclinação à Educação? Como foi a fase de escola em sua vida? Quais memórias guarda desse período?
J.L.M.: Sempre gostei e gosto muito de estudar. Iniciei a pré-escola na Escola Coronel José Cândido, e tenho imensa gratidão a essa escola onde foi o ponta pé inicial; fiz lá o Ensino Fundamental 1, minha primeira Professora foi a Cidinha Arantes e tenho muito carinho por ela. Estudei também no Paraisense e no Benedito Ferreira Calafiori. Sempre houve o desejo de trabalhar com a educação, até minha brincadeira preferida de criança era de “escolinha” e claro, eu era a Professora. Dedicava-me muito aos estudos, meus pais me deram todo suporte necessário, fui boa aluna, era exigente comigo mesma para tirar boas notas e sempre tive muito respeito para com meus professores. Sou muito agradecida por todos que passaram pela minha vida, muitos foram mais que professores, eram amigos e conselheiros.
Jornal do Sudoeste – Quando foi que surgiu esse despertar pela pedagogia e pela psicopedagogia? É uma área que você sempre quis estudar?
J.L.M.: Conforme o tempo foi passando e amadurecendo meus ideais decidi que queria trabalhar com pessoas com deficiência e percebi que a educação seria o meio onde eu poderia atuar de forma prazerosa e colaborativa. Eu tenho um tio com síndrome de Down, o Rodrigo, hoje com 39 anos; ele foi minha inspiração para que eu desejasse fazer o diferencial na vida das pessoas e proporcionar as oportunidades de estudo que ele não teve devido às suas limitações e falta de profissionais em uma época onde a deficiência era vista de outra forma. Assim, iniciei o curso de Pedagogia pela Unifran, viajei todos os dias para Franca por quatro anos. Durante o curso já me dedicava e me interessava pela área da Educação Inclusiva e às dificuldades de aprendizagem. Fiz minha pesquisa e trabalho de conclusão de curso voltado às dificuldades de aprendizagem e ganhei um prêmio da Universidade onde eles me presentearam com uma bolsa de pós graduação e, assim, no ano seguinte, já optei por cursar a Psicopedagogia que já era um desejo profissional.
Jornal do Sudoeste – Conte-nos um pouco da sua experiência profissional...
J.L.M.: Ainda enquanto cursava a faculdade fiz trabalhos voluntários para adquirir experiência e fiz meus estágios na Rede Municipal de Educação onde me deram a oportunidade de aprender muito. Em 2013 comecei a trabalhar como professora e fiz alguns atendimentos particulares como psicopedagoga clínica. Em 2014 iniciei na rede municipal de Ensino e em 2016 me tornei professora efetiva após ser aprovada em concurso público, até então trabalhava em sala de aula, trabalhei com educação infantil e com as séries iniciais do ensino fundamental. No mesmo ano, fui convidada a fazer parte da equipe de inclusão da rede municipal. Quem me fez o convite foi a Jeane Tenório que é a responsável por esse trabalho. Eu tinha vários cursos e algum conhecimento na área da Educação Especial e Inclusiva. São quatro anos trabalhando como Professora do AEE (Atendimento Educacional Especializado) na sala de recursos.
Jornal do Sudoeste – Hoje você atua na Sala de Recursos Multifuncionais do Município. Como é este trabalho e quais os maiores desafios que você enfrenta no seu dia a dia?
J.L.M.: Atualmente eu trabalho em três salas de Recursos Multifuncionais da Rede Municipal de Ensino. Nosso trabalho é voltado para o público alvo da Educação Especial e Inclusiva, atendo alunos com deficiência, TEA (Transtorno do Espectro Autista) e Altas Habilidades, além dos alunos que apresentam os transtornos de aprendizagem e dificuldades em aprender. Os atendimentos são no contra turno, os alunos vão para a sala de recursos no horário contrário ao estudo regular. O trabalho é voltado para desenvolver as habilidades necessárias para a aprendizagem, assim como a autonomia e parceria com a escola para que o aluno seja efetivamente incluído na escola. Os maiores desafios estão ligados à acessibilidade, à inclusão escolar de fato, os alunos e ainda encontramos as barreiras atitudinais; às vezes pequenas atitudes e ajustes já fariam a diferença na vida desses alunos.
Jornal do Sudoeste – Como tem sido lidar com este trabalho em meio a Pandemia?
J.L.M.: A pandemia pegou a todos de surpresa e inclusive a nós professores. Nosso trabalho era totalmente presencial e foi necessário que nos reinventássemos e também foi preciso que nos adaptássemos à nova realidade. Nosso trabalho, agora, tem sido realizado em parceria com os professores da sala de aula regular, fazemos as orientações para adaptação dos materiais e atividades que os alunos estão recebendo em casa e também orientação e atendimento às famílias. A tecnologia tem sido nosso maior aliado, é a ferramenta que nos mantém em contato com as famílias e com as escolas para que o trabalho seja realizado da melhor forma possível. Mas com certa frequência e sempre que necessário estou presente às escolas para auxiliar as equipes e para conversar e orientar os pais dos meus alunos.
Jornal do Sudoeste – Há muitas críticas em relação a maneira que é feita a inclusão da criança com deficiência na escola. Como você enxerga essa questão?
J.L.M.: Acredito que falta conhecer de perto o trabalho realizado. A inclusão escolar tem acontecido de forma efetiva e acolhedora, há muito a evoluir, principalmente no uso das tecnologias, mas o trabalho que desenvolvemos mostra bons resultados. A criança ou adolescente com deficiência tem direito a educação de qualidade e com profissionais preparados e dedicados. O atual presidente do nosso País instituiu recentemente uma nova política nacional de educação especial, que na prática tem como objetivo incentivar a matrícula dos nossos alunos nas “escolas especiais”, isso representa um retrocesso de 50 anos na luta pela inclusão. Vários movimentos nacionais estão lutando contra essa nova política, nós profissionais que acompanhamos os alunos com deficiência vivenciamos que a inclusão escolar é o caminho. Antigamente, as pessoas com deficiência viviam segregadas da sociedade e não tinham acesso ao ensino regular e escolarização, muitas pessoas lutaram para alcançar o que temos hoje e não podemos retroceder. Esse ainda é um tema de grande desafio, é necessário desconstruir preconceitos e estereótipos de que esses alunos não são capazes, eles têm muitas possibilidades e vivem nos surpreendendo. A inclusão aparece muito forte na escola, mas é responsabilidade de toda uma sociedade, a LBI (Lei Brasileira de Inclusão) de 2015, responsabiliza todos os setores da sociedade para se comprometerem com a inclusão. A escola sozinha não consegue, por isso a necessidade das redes de apoio (saúde, cultura, esporte, família, ação social, mercado de trabalho e etc.).
Jornal do Sudoeste – O que falta para que haja uma inclusão efetiva, não apenas na escola, mas no meio social?
J.L.M.: Falta ainda para a sociedade em geral entender a diversidade humana. Hoje não temos “padrão de nada”, hoje compreendemos que cada um é único, tem uma forma de aprender, tem uma origem, tem uma religiosidade, tem uma inteligência, suas dificuldades e etc. Conviver é muito além do aluno estar matriculado na escola regular, então defendo uma sociedade que tenha o olhar inclusivo. É preciso incluir todos no ato escolar sem distinção de cor, credo, raça, condições financeiras ou mesmo questões específicas como as deficiências. Costumo dizer que a inclusão é para todos.
Jornal do Sudoeste: Qual a maior lição que você aprendeu com seu trabalho?
J.L.M.: São muitas lições, eu aprendo algo novo todos os dias. Meus alunos sempre têm algo a me ensinar e eles me tornaram uma pessoa bem melhor. Ao receber um novo aluno eu sempre volto meu olhar a ele com muito respeito e passo a enxergar ali um ser humano com muitas capacidades e possibilidades. Aprendi também que nunca devemos parar de estudar, há sempre algo novo para conhecermos, além da necessidade de nos atualizarmos para atender com qualidade nossos alunos. Eu aprendo muito com a minha equipe, com minhas colegas de sala de recursos, sempre estudamos juntas e trocamos ideias, nosso trabalho é colaborativo, ninguém faz nada sozinho. O principal aprendizado é que todos nós temos nossas limitações e precisamos uns dos outros. É um privilégio conviver com as diferenças.
Jornal do Sudoeste: Qual a mensagem que você deixa para nossos leitores?
J.L.M.: A minha mensagem é que sempre devemos dar o nosso melhor, agir com amor e empatia, nos colocarmos no lugar do outro, trabalhar em algo que te dê alegria e faça seu coração bater mais forte. Agir com gentileza, sorrir abre portas. Nunca desanimem e sempre tenham coragem para recomeçar. É importante ter fé, acreditar em uma força suprema que cada um denomina como quer e fazer o bem, ter respeito por todos os seres vivos e trabalhar com honestidade. Ao se deparar com alguma pessoa com deficiência seja humano com outro ser humano, todos vivem lutas diárias.
Jornal do Sudoeste: Balanço: como você avalia sua trajetória até aqui?
J.L.M.: Até aqui olho para minha trajetória com muita alegria, sou feliz e realizada. Sou realizada profissionalmente, trabalho em algo que eu sempre quis, trabalho com amor e procuro dar o meu melhor. Sou muito grata à vida e a todas às oportunidades que recebi. Como todas as pessoas já passei por muitos desafios e batalhas, mas com fé e parceria sempre vencemos, procuro ver o lado positivo da vida e contribuir de alguma forma com tudo e todos. E como citei sobre parcerias, ninguém faz nada sozinho, né? Aproveito para expressar minha gratidão aos meus pais por terem me dado o maior presente que é a vida, agradeço ao meu irmão Juliano por ser meu amigo acima de tudo. E agradeço também a existência do meu namorado na minha vida, o Estanislau, ele é um grande parceiro e incentivador de tudo o que eu faço e despertou em mim o desejo de recomeçar e voltar a sonhar e amar. Sou extremamente grata à vida, amo viver e tento ser uma pessoa melhor a cada dia. Gratidão!