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Rubens Santini: Acreditando nos animais como agentes transformadores

Os bens materiais qualquer um pode tirar de você, mas o que você aprendeu, isso você vai levar para outras vidas
Por: João Oliveira | Categoria: Entretenimento | 15-11-2020 08:43 | 1528
Rubens é adestrador, educador físico e idealizador do projeto Cães Abençoados
Rubens é adestrador, educador físico e idealizador do projeto Cães Abençoados Foto: Arquivo Pessoal

O adestrador, educador físico e especialista em intervenções assistidas por animais, Rubens Santini Neto,  viu nos animais a oportunidade de trazer qualidade de vida e transformar a realidade de pessoas afetadas por algum dito de transtorno ou deficiência. Filho de Alexandre Amadeu Santini (em memória) e Marilene de Paula Pereira, Santini viveu entre São Paulo e Paraíso (terra de seus avós maternos, o Geraldo Benedito Pereira e Floripes de Paula Pereira). Em Paraíso, decidiu fincar suas raízes e deu origem ao projeto Cães Abençoados, que vem ajudando diversas crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Pretende ampliá-lo, levando também às Apaes e escolar. Pai do Flávio, de 24 anos, da Ana Luíza, de 12, e da Maria Flora, de 8 anos, hoje Rubens é casado com a professora Maíra Santini, com que juntos tocam esse projeto que vêm fazendo grande diferença na vida dos pais e crianças beneficiadas com a terapia assistida por animais.

Jornal do Sudoeste: São Paulo e São Sebastião do Paraíso. Como foi essa fase entre o interior e a cidade grande?
R.S.N.: Eu sou natural de São Paulo, criado na periferia, a Freguesia do Ó. Meus pais se separam quando eu era ainda muito jovem, e nesta época eu e minha mãe fomos morar com meus avós, que são naturais de São Sebastião do Paraíso. Meu avô foi morar em São Paulo porque havia passado em um concurso da Sabesp, e todas as férias eu vinha com eles para Paraíso. Sempre tive contato com esta região, adorava, e na hora de ir embora era muito difícil, não queria voltar. Apesar de meus pais serem separados, tive muito contato com meu pai, e meus avós paternos, que moravam próximo de onde fui criado.

Jornal do Sudoeste: Como foi a infância?
R.S.N.: Foi uma fase maravilhosa, morava na periferia de São Paulo, na Freguesia do Ó, na vila Palmeiras. Lá morei boa parte da vida e fico um pouco emocionado, porque viver na periferia não é fácil. Perdi vários amigos, muito recentemente perdi um grande amigo, um grande professor e que me ensinou muita coisa, éramos vizinhos de muro. Foi uma fase de muita brincadeira, entre elas futebol, esconde-esconde, jogar taco (bete), bolinha de gude. Foi uma fase encantadora. A pessoa que sou hoje, devo muito a essa infância e a tudo o que aprendi nesta época. Não foi um começo fácil, mas graças a Deus, ao longo da vida podemos melhorar nossas condições, sempre que pude ajudava meus amigos e hoje trago muita saudade desta infância e muita recordação positiva.

Jornal do Sudoeste: A educação teve um papel fundamental em sua vida...
R.S.N.: Sim, a educação transformou a minha vida. No começo não gostava de estudar, gostava de jogar futebol, tanto que sou federado na Federação Paulista desde os seis anos de idade, e quase cheguei ao profissional, mas quando estava no Palmeiras, ia assinar meu primeiro contato sofri uma fratura exposta no cotovelo e tive que parar por dois anos. Mas, sempre gostei de praticar esportes, e ainda no pré-escolar a professora chegou a chamar minha mãe e dizer que qualquer esporte que me colocasse, eu iria me dar muito bem. Quando eu ainda tinha oito anos, e meus pais reataram o relacionamento, fui morar em frente ao clube Sesi, na Vila Mariana, e lá tive a oportunidade de jogar futebol pelo clube, ser eleito o melhor goleiro, e de conhecer todos os esportes.

Jornal do Sudoeste: Foi o que te motivou a entrar para a área da Educação Física...
R.S.N.: Sim. Mas, ainda, aos 19 anos, eu nem tinha me formado no Ensino Médio, trabalhava na Triton, em São Paulo. Minha mãe já morava aqui, em São Tomás de Aquino, e em férias na casa dela aconteceram algumas coisas que mudaram o rumo da minha vida, lá conheci a mãe do meu primeiro filho, e morei por dois anos. Em São Tomás foi que aconteceu essa minha guinada para a Educação. Tive o prazer de conhecer a dona Cristina, professora de História, que faleceu recentemente. Ela foi muito importante nessa minha virada, e foi quando eu comecei a me dedicar mais aos estudos. Voltando a São Paulo, comecei a trabalhar na empresa da minha família como ajudante de marceneiro, uma empresa que deu muito certo e cheguei a ser sócio, e que me deu a oportunidade de viajar o Brasil inteiro. Nunca abandonei os estudos nesse período, e ainda trabalhando nessa empresa, como sócio, um tio, que foi muito importante também, me falou que eu tinha que terminar os estudos. Foi quando me matriculei no Instituto Universal Didata e consegui concluir. À época, faltou eu ser aprovado em Matemática, mas este meu grande amigo, que faleceu recentemente, me ajudou e consegui concluir. Em Paraíso, quando vim passar um fim de semana, e já com vontade de mudar de rumo, decidi prestar o vestibular da Unifran para Educação Física, hoje sou bacharel e licenciado.

Jornal do Sudoeste: Mas, você voltou para São Paulo...
R.S.N.: Sim. E tive a felicidade de dar aula na escola onde estudei, e ser um espelho para aqueles meninos. Muitos deles nunca tinham visto um professor que saiu da periferia voltar à mesma escola para dar aula. Felizmente, conseguimos dar uma guinada nessa escola, tenho vários ex-alunos que se formaram em Educação Física e hoje me dedicam os seus estudos. Tenho vários amigos para quem dei aula e ainda hoje os reencontro quando volto a São Paulo. A faculdade é o principio para qualquer um. Digo muito aos meus amigos, os bens materiais qualquer um pode tirar de você, mas o que você aprendeu, isso você vai levar para outras vidas. O estudo é fundamental na vida de qualquer um.

Jornal do Sudoeste: Como surge essa sua história com os animais?
R.S.N.: Acredito que seja uma herança do meu avô Rubens, que era conhecido lá na Freguesia do Ó como “Rubão dos cachorros”, porque se ele via algum animal abandonado levava para casa que tinha um quintal grande. Eu adorava visita-lo para ter esse contato com os animais, já que com meu avô materno eu não tinha essa possibilidade. Quando eu voltei a São Paulo, ganhei uma cadela labrador, e foi quando comecei a minha criação, já cheguei a ter mais de 40 cachorros. Lembro que até antes, quando ainda morava em São Tomás, e tinha um cachorro vira-lata, o Luizão, que também era muito especial, eu já praticava o adestramento, mesmo sem ter muito conhecimento. Acho que é um pouco de dom que temos. Depois fui estudando, aprimorando essas habilidades e conciliando com a atividade física. Esses animais são os motivadores para aquelas pessoas que sofrem de depressão ou alguma outra enfermidade. Apenas o ato de ver um cachorro correndo atrás da bolinha para pegar, automaticamente o indivíduo já tem aquela injeção de adrenalina e hormônios que vão regular seu organismo. A partir daí que comecei a buscar a fazer a junção das minhas aulas de Educação Física com os animais.

Jornal do Sudoeste: Tudo começou com a labrador...
R.S.N.: Sim. Minha mãe e meus avós voltaram para Minas, e então fui morar com meu pai e minha avó paterna, que era uma mulher muito espiritualizada. Neste período, eu e meu pai fabricávamos chaveiros que vendíamos. A labrador  era muito fujona, certo dia fui comprar as peças para fazer esses chaveiros e vi um ossinho; minha tia fez a arte e então personalizei com o nome dela e meu telefone. Alguns dias depois, ela começou a passar mal e a levei para o veterinário, um amigo meu, que ficou muito admirado com o pingente e quis comprar um. Na época eu ganhava muito pouco com as aulas, e esse amigo me aconselhou a investir na fabricação dos pingentes, um negócio que propus para meu pai e deu muito certo. Cheguei a entregar em 400 petshops em São Paulo, entregava na rede Especial Pet. Nesse período, fui convidado a levar essa minha labrador aos hospitais, mas depois de um mês viemos para Paraíso, já tinha minha filha caçula (e que estava com alguns problemas respiratórios). Tínhamos na época o dinheiro para dar entrada em uma casa em São Paulo, mas após indicação da minha mãe conhecemos uma chácara que estava à venda, e nos apaixonamos pelo lugar. Em 15 dias, nos mudamos para Paraíso e iniciamos nossa vida na roça. É outra vida, e somos muito gratos por essa mudança.

Jornal do Sudoeste: Aqui você iniciou os trabalhos com o adestramento de animais?
R.S.N.: Sim, cheguei a dar algumas aulas no estado, mas deixei essa área. Trabalhei um ano e meio no Hospital Gedor Silveira, e durante esse tempo me dediquei mais em estudar adestramento e as intervenções assistidas pelos animais e, hoje, estamos tocando o projeto Cães Abençoados, que tem muito a crescer e ajudar muita gente em Paraíso, e não somente em Paraíso, a nossa ideia é poder ampliá-lo e levar às Apaes, AMA, as escolas. A intervenção assistida pelos animais ajuda em qualquer tipo de situação, seja em tratamento, na área de educação como motivador. O contato com os animais traz um benefício enorme, e acredito que as pessoas estão precisando muito.

Jornal do Sudoeste: Quando que acontece esse start para começar o projeto?
R.S.N.: Foi no Hospital Gedor Silveira, quando ainda era educador físico. Mesmo buscando ser o motivador em minhas aulas, eu percebia que faltava algo a mais, principalmente para aqueles pacientes mais debilitados. Esse primeiro contato com o Hospital, e com a ala feminina, foi um choque muito grande. A primeira coisa que fiz chegando em casa, foi ir até a minha capela do Santo Expedito e rezar. Questionava-me como poderia ajudar àquelas pessoas e foi como se Deus me falasse que só conseguiria ajuda-los se me colocasse pelo menos 10% no lugar deles. Fiz o que pude, e a base do meu trabalho é a empatia, o amor! Até hoje, quando encontro pessoas que lá estiveram no período em que atuei, agradecem pelo trabalho. A terapia assistida com esses animais foi muito benéfica, não somente para os pacientes, como também aos funcionários que lá trabalham.

Jornal do Sudoeste: Hoje o Cães Abençoados está em vias de se tornar uma associação?
R.S.N.: Sim. A intenção é chamar os pais para integrar a diretoria. Atualmente, contamos com o apoio de mais duas psicólogas, trabalho voluntario. Hoje, as crianças que são assistidas não pagam nada e, nossa luta agora, é buscar esses associados, a fim de continuar a manter o projeto. A associação é em prol dessas crianças e achamos que nada mais justo que os próprios pais participarem de todo o processo de criação e fundação. Hoje, temos uma equipe multidisciplinar, composta pela profissional de Artes Visuais e arte terapia Maíra Santini, a veterinária Berta Lemos, o psiquiatra Caio Vieira e as psicólogas Amanda Pelúcio, Raira e Ana. Continuamos em parceria com o Instituo Inclua, inclusive, por iniciativa de um dos pais iremos realizar um bazar de 11 a 18 de dezembro em prol das duas instituições.

Jornal do Sudoeste: Qual é o balanço que você faz dessa trajetória?
R.S.N.: Muita vitória, e tenho só a agradecer: a Deus, a Santo Expedito, a minha irmã Dulce, aos meus pais, aos meus avós, amigos, à minha família. Gratidão, é a palavra. E vitória! Eu, como ex-dependente químico, sei que é uma luta diária, matando um leão por dia. Gosto de frisar isso porque o que me ajudou muito foi abrir meu coração para a minha mãe. É uma luta diária que já vai para 10 anos, então são muitas vitórias. Coisas difíceis na vida sempre vão acontecer, este ano perdi o meu pai, e há dois minha avó materna no dia no meu aniversário. Mas estou aí, de pé. Temos que aprender a lidar com as adversidades da vida, sempre com muita fé em Deus, muita alegria em viver. Minha família, meus filhos, é muita gratidão por esta história.