O empresário Guilherme Maciel Machado, o Gui Kebab, sempre com muita fé e coragem perseguiu seus sonhos e nunca desistiu de alcança-los mesmo diante das adversidades da vida. De origem humilde, graças ao seu talento como jogador de futebol, teve a oportunidade de morar fora e vivenciar experiências que mudaram para sempre a sua vida. De volta ao Brasil, decidiu retornar a sua terra natal onde, casado, enveredou pelo mundo dos negócios e abriu a primeira lanchonete de kebab – uma comida típica do oriente médio, mas que fazia muito sucesso na Suécia. O resultado não foi outro: agradou aos paladares paraisenses e hoje já possui uma rede de franquias com lojas em Passos e Guaxupé. Filho de Valdir Teixeira Machado, mais conhecido como Biscoito (em memória) e Luci Márcia Machado, hoje, aos 30 anos, Gui é casado com Letícia Vasconcelos Avelar e pai do pequeno Joaquim, de três anos, e do João Guilherme, de três meses.
Jornal do Sudoeste: Conte-nos um pouco da sua família...
G.M.M.: Meu pai tinha o apelido de Biscoito, ele trabalhava com funilaria, pintava carros, e teve oficina própria. Trabalhou em outros lugares antes disso, na antiga Copave, na Palmares. Cheguei a ajuda-lo bastante quando criança e a visão que tenho hoje de negócio, vem um pouco dessa convivência. Ele faleceu este ano, vítima de um câncer pancreático. Estávamos muito ligados nesses últimos tempos, principalmente depois que voltei da Suécia. Minha mãe é conhecida como Márcia, trabalhou muitos anos no IMESP, até se aposentar. Meu pai também já havia se aposentado, estava curtindo muito a vida, até descobrir essa doença. Infelizmente, não resistiu. Tenho também dois irmãos, o Danilo, que é oito anos mais velho e hoje é meu sócio no Gui Kebab, e a Franciele, um ano mais nova, que mora em Uberlândia. Sempre fomos muito unidos.
Jornal do Sudoeste: Como foi a infância...
G.M.M.: Eu e meus irmãos fomos criados na Mocoquinha. Meus pais foram casados por 21 anos, mas se separaram. À época, meu pai sofria muito com o alcoolismo, e minha mãe aguentou as pontas até a gente ter idade suficiente para lidar com a vida. Apesar de terem se separado, eles ainda tinham uma relação muito boa, inclusive, quando meu pai ficou doente e precisou ir para Passos, foi minha mãe que o levou algumas vezes. Por mais que não estivessem juntos, ela tinha consciência da ajuda que ele precisava. Meu pai também, sempre ajudou muito minha mãe no que ela precisasse. Com o divórcio, eu e meus irmãos nos separamos, eu fui viver com meu pai (até decidir ir viver com a minha avó, e que precisava se companhia), meu irmão mais velho com a minha mãe, e minha irmã resolveu ficar uma tia nossa, que depois se mudou para Uberlândia, onde vivem até hoje. Mas ainda mantemos contato, e ela sempre vem nos visitar, inclusive tem uma loja virtual com a minha esposa, onde vendem roupas infantis.
Jornal do Sudoeste: E como você foi parar na Suécia?
G.M.M.: Eu sempre pratiquei esporte, gostava de jogar bola, inclusive, joguei no Paraíso Futsal e já viajei representando o Ouro Verde Tênis Clube. Eu tinha um amigo, o Hebert Geovani da Silva, que na época me contou que viriam dois suecos a Paraíso ver os jogadores e me deu um toque para fazer o teste. Na época eu trabalhava na Luzzo, e fui para o Paraisense, onde seria o teste, mas o pneu do carro furou e perdi a oportunidade. No dia seguinte, eles estariam no Sêniors, e não queriam me deixar fazer o teste, porém, o Hebert, que me conhecia, os convenceu de me deixar participar. No teste, logo fiz um gol, e eles gostaram muito. No dia seguinte, haveria um jogo com o Botafogo de Ribeirão Preto, e também fiz outro gol. Um tempo depois, ofereceram-me uma passagem de ida e volta para a Suécia, para ficar três meses, e se eu desse certo lá, receberia um visto para ficar o tempo que me fosse necessário.
Jornal do Sudoeste: Mas, houve um contratempo nesse meio tempo...
G.M.M.: Sim. Eu fiquei doente. Fui internado na Santa Casa, e já nos dias para eu viajar não havia me recuperado, continuei fraco e perdendo peso. Não conseguiram descobrir o que eu tinha, fui para Ribeirão Preto onde fiz novos exames, mas também, sem resultado. Em Alfenas, fiquei mais 20 dias internado, até que chegou um médico do Japão que retirou um líquido da minha medula para examinar e constatou que o que eu tinha era Mal de Still, uma doença raríssima. Na época eu estava com 19 anos e, com esse diagnóstico, não fui mais para lá, foi quando comecei o meu tratamento até ficar curado. Estava pronto para realizar um sonho, imagina como ficou meu psicológico... Felizmente, minha família me ajudou muito, e também tenho muita fé em Deus, sempre pedi, orei, até que me recuperei da doença. Foram seis meses de tratamento, e mais seis para recuperar a forma física.
Jornal do Sudoeste: E o que você fez depois de recuperado?
G.M.M.: Eles mantiveram a proposta, para que eu pudesse ir assim que estivesse recuperado. Depois de um ano, peguei o avião e fui. Sozinho, não sabia falar Inglês e nenhuma outra língua, sempre de família humilde, nunca havia viajado, mas dei a cara a tapa. Mas, deu tudo certo. Deus me abençoou demais! Lá, fiquei duas horas esperando alguém me buscar, senti um pouco de insegurança por não conhecer nada. E na Suécia, acabei ficando três anos e meio. Nesse meio tempo, cheguei a voltar para o Brasil algumas vezes. No começo, vivia com um argentino e chileno, que falavam espanhol e era uma língua que eu ainda tinha um pouco mais de facilidade de entender, eram eles que “traduziam” o que os suecos falavam para que eu entendesse. No começo, aprendi o Espanhol, e depois de um tempo aprendi a falar Sueco, foi mais fácil porque eu estava imerso naquela língua.
Jornal do Sudoeste: Como foi sua recepção na Suécia?
G.M.M.: É um povo frio comparado ao brasileiro, mas a comunidade de brasileiros na Suécia é muito grande, e recebemos muito apoio dos que lá estão. Eu mesmo, ajudei muito os que chegaram depois de mim. Sempre tem alguém disposto a estender a mão. Lá conheci a Elaine Estrela Moura, jogadora da Seleção Feminina de Futebol, que acabou se tornando uma irmã para mim, e uma pessoa importantíssima nessa minha estada da Suécia. Ela me ajudou em tudo o que eu precisei, nos tornamos grandes amigos.
Jornal do Sudoeste: Lá você jogou para quais clubes?
G.M.M.: Foram vários, eu comecei na quinta divisão, e aos poucos fui subindo, até chegar na segunda. Logo no início, tive bons resultados, e passados dois meses, um time da terceira divisão, que presenciou meus treinos, pediu um amistoso com o time que eu jogava, e nesse jogo acabei fazendo um gol. As coisas foram caminhando. Lá comecei no Santiago Wanderers, depois joguei no Tullinge e depois no Tyrecö, que foi onde a Elaine arrumou para mim e foi uma das minhas melhores fases na Suécia. O time feminino desse mesmo clube tinha a Elaine e a Marta da Seleção Brasileira.
Jornal do Sudoeste: Você se adaptou fácil?
G.M.M.: Sim. Eu comecei a me estabelecer, mas sentia que ainda era pouco, porque queria poder mandar um dinheiro para cá, e juntar também. Não queria estar lá por estar. Então, além de jogar, comecei a trabalhar também, no começo em uma loja de Design de Interiores, onde um desses rapazes que eu morei no começo, o chileno (Steban), trabalhava como motorista e precisava de um ajudante. Peguei esse ritmo e comecei juntar dinheiro para mandar para minha família. Depois, arrumei um emprego em uma lanchonete de Kebab.
Jornal do Sudoeste: E quando você decidiu voltar para o Brasil?
G..M.M: Isso foi em 2014, no ano da Copa. Eu vim com um grupo de Suecos que queiram assistir a Copa do Mundo e ficariam aqui por um mês. Ficamos no Rio, onde permaneci depois da partida deles. Até pensei em abrir um negócio lá, mas na época eu já conhecia minha esposa e decidi voltar para Paraíso. Aqui, arrumei um emprego e continuei estudando o que eu iria fazer, até que depois de dois anos saí desse serviço, e com o acerto, mais o que eu já havia guardado, decidi abrir o Gui Kebab. A ideia inicial era abrir uma adega, mas um colega meu fez isso e eu não queria que pensassem que eu estava de olho no negócio dele. Diante disso, refleti muito sobre, e na Suécia o Kebab e as balas de goma à granel faziam muito sucesso, e foi isso que decidi fazer. No começo, o Gui Kebab tinha essas balas, mas foi o kebab que fez sucesso.
Jornal do Sudoeste: Não foi do dia para a noite, né?
G..M.M: Não. Apesar de ter trabalhado em uma lanchonete de Kebab na Suécia, eu não entendia como era o processo e comecei a estudar. Até que conheci um rapaz que vendia máquinas de churrasco grego, e conversando com ele descobri que havia uma mulher na Serra da Mantiqueira, que cultivava azeitona, oferecia cursos. Com ela aprendi a fazer o pão, e a partir daí, fui aprimorando até abrir a lanchonete. Na época, tentei abrir de sociedade com meu irmão, mas ele não podia, tentei com o meu sogro, mas que também achava arriscado, até que minha esposa vendeu o carro dela, e começamos o Gui Kebab: eu, minha esposa e um ajudante, mas no começo tivemos muita ajuda da nossa família. Os negócios foram crescendo a partir daí, deu muito certo. Hoje temos franquias em Passos e Guaxupé.
Jornal do Sudoeste: Foi muito trabalho para ser o que é hoje, não?
G..M.M: Sim. Quem vê a lanchonete como está hoje, não imagina o quanto trabalhamos para isso. No começo eu chegava bem cedo para picar todos os ingredientes e abrir a lanchonete à noite. Hoje em dia, temos toda uma equipe, vou à noite para ajudar no processo. Além da Lanchonete, também temos a padaria, que é uma empresa à parte, onde fabricamos o pão e distribuímos para os franqueados. Com o que vendemos com a padaria, já cobre os custos da produção e funcionários. Isso foi depois de muito trabalhar.
Jornal do Sudoeste: E quando você decide franquiar o seu negócio?
G..M.M: Depois de estabelecido, meu sogro deu a ideia de abrimos uma loja em Passos. Nesse momento, ele investiu em tudo, fui eu e minha esposa para Passos tocar esse negócio. À época eu tinha um amigo, o Lucas Fernandes, que morava aqui e estudava lá, e após eu dar a ideia ele resolveu se mudar para Passos também e trabalha com a gente. Em Passos, ficamos um ano, e com os negócios engrenados, depois de um ano voltei para Paraíso. Depois, conseguimos implementar um sistema operacional que monitora todas as nossas franquias, principalmente o consumo de matéria prima. Também abrimos uma loja em Guaxupé, e seguimos o sistema de franquia. Atualmente, inauguramos o novo espaço, que ficou muito bonito. Fruto de muito trabalho e esforço.
Jornal do Sudoeste: E não foi fácil chegar onde você está, não é mesmo?
G..M.M: Não. Mas também não posso dizer que sofri, porque quem já viu o que vi, sabe o que é sofrimento. Em uma das minhas experiências de vida, voltando da Suécia, tive que fazer uma escala na Etiópia, onde meu voo enfrentou problema e tive que permanecer por lá quatro dias. Lá, vi coisas que nunca havia presenciado: mães carregando crianças agarradas no colo e trabalhando arduamente para garantir o sustento da família, uma vida difícil... e ainda há gente que reclama da vida que tem. No local que fiquei havia um grupo de crianças, todas famintas; recordo de comprar frango assado para repartir com elas, e aquilo não era suficiente. Vi muita pobreza, muita miséria e aquilo me marcou muito, porque pensei das muitas vezes que reclamei da comida que havia no meu prato. Eu nunca fui rico, mas também nunca passei fome. Sempre batalhei, desde cedo, para conquistar minhas coisas. Hoje, ser dono do meu próprio negócio, é um sonho realizado. Mas, mesmo antes disso, sempre busquei dar o meu melhor.
Jornal do Sudoeste: Qual é o balanço dessa trajetória?
G..M.M: Tudo me serviu de aprendizado. Eu sou um cara muito feliz, muito grato a Deus, a quem eu nunca deixo de agradecer antes de colocar a cabeça no travesseiro. Sou grato a minha família, que me apoiou muito para eu chegar até aonde cheguei, a minha esposa, os meus filhos. Tudo valeu a pena, não me arrependo de nada do que fiz, e faria tudo novamente. Às vezes sinto saudade, mas estou muito feliz hoje em dia, que é o que eu queria. Tudo o que pedi a Deus foi uma família como a que eu tenho, o meu trabalho e uma boa saúde.