Quem diria, há cerca de um ano tivemos nossas vidas mudadas e transformadas em função de uma pandemia. Em meio a um turbilhão de acontecimentos surge a proposta de relatar impressões sensoriais dos tempos vividos, do dia a dia e das novas realidades enfrentadas. Da reunião de relatos de vários autores surge o livro “Crônicas de quarentena: reflexões sobre o isolamento social”, publicado pela editora Letraria.
A professora da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) Michelle Aparecida Pereira Lopes e o bacharel em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade de Franca (Uni-fran), João Gustavo de Oliveira são os organizadores da coletânea que reúne outros nomes de escritores que relatam passagens deste período em que resiliência, paciência e empatia tem sido fatores fundamentais para superar estes momentos.
Logo na abertura da obra encontramos uma descrição do que vamos encontrar nas páginas seguintes. O trabalho reúne um conjunto de crônicas “com narrativas particularmente reflexivas”. Diálogos dramáticos entre personagens revelam as mazelas das questões pessoais, familiares e sociais vividos por quem está diante de um mundo novo, de diferentes modos de viver e encarar a realidade que é mudada de um instante para o outro. De um bálsamo a um lenimento cada passagem mostra como são as diferentes reações entre as pessoas em um mundo que nunca mais voltará a ser o mesmo. Mesmo que venha a cura, as memórias, os sentimentos, as sensações e as experiências vividas individual ou coletivamente apontam que ‘nada do que foi será do jeito que já foi um dia’.
Conforme a professora Michelle a proposta de produzir esta obra literária surgiu em meados de 2.020, quando a pandemia ainda era muito recente. “A vontade de organizá-la veio da percepção de que, com o isolamento social, muitos de nós estávamos inseguros, amedrontados e afastados dos demais; acreditamos que era preciso ex-ternar nossos sentimentos, nossas inseguranças, nossas reflexões, afinal enfrentar a pandemia não era fácil”, conta. A produção teve o sentido de ir além do que uma autopercepção diante do espelho. “A ideia de escrever sobre nossos sentimentos nos pareceu uma opção para nos aproximarmos daqueles que estavam longe e dividir com eles nossos medos e nossos anseios.
Para o jornalista João Oliveira sua participação na obra ocorreu em função do convite feito pela professora Michelle Lopes. Ambos têm uma paixão em comum pela Literatura. “ Fiquei muito honrado e agradecido pela confiança, porque é um trabalho que exige dedicação e comprometimento. Assim que começamos a fazer os convites e receber essas crônicas, eu, particularmente, fiquei muito feliz, tanto pela qualidade do material, quanto pela empolgação das pessoas envolvidas.
O enfoque central do livro gira em torno da pandemia, no entanto, são registradas a cada relato, muitas vivências comuns e passagens impressionantes. “Quando abrimos a chamada para recebermos os textos, a única exigência era que o pano de fundo fosse a pandemia, não determinamos que fossem histórias reais, fictícias, escritas em primeira pessoa, nada disso. Acreditamos que isso tenha sido o fator que tornou a obra tão rica (apesar de eu ser bastante suspeita para afirmar isso)”, descreve a professora.
Ela aponta que cada texto recebido abordava uma questão diferente, sem perder de vista o contexto do isolamento social e da questão sanitária. “Isso nos faz compreender que, ainda que vivenciemos o mesmo momento, as experiências são bastante pessoais; cada um foi/é tocado por algo que lhe tenha chamado mais atenção em meio a tudo isso e pôde escrever sobre aquilo que julgou ser mais relevante”, acrescenta. Ainda de acordo com a professora, a partir dos textos selecionados, “o comitê editorial e científico, composto por dois estudiosos da literatura, foi que julgou que se tratam de crônicas, por isso a escolha do título “Crônicas da quarentena: reflexões sobre o isolamento social”.
Ao contar histórias do momento presente, em tempo de pandemia, em um estilo literário diferente do que está acostumado com o cotidiano da redação, segundo o jornalista foi uma experiência mais do que gratificante. “Falar sobre nossas emoções nunca é fácil, exige um processo complexo de lapidação de nós mesmo, e a partir de então estamos vulneráveis aos outros que nos leem, mesmo que seja ficção e esta, acredito, diz muito mais sobre nós do que um texto confessamente autobiográfico”, ressalta.
Com o título ‘Manhã de Inverno’ João Oliveira narra o drama das pessoas que antes mesmo da pandemia já viviam numa espécie isolamento e são ignoradas. “No meu conto tentei narrar o drama das pessoas que já vivem o isolamento social diariamente, e que são invisíveis aos nossos olhos, e que muitas vezes não nos importamos. São questões sociais que precisamos tocar, e buscar por meio da arte a sensibilização daqueles que deparam com nossas obras”, assegura.
As narrativas são consideradas por Michelle como uma fonte de descobertas e conhecimento, além de muito aprendizado. “De certa forma, quando nos dispomos a entrar em contato com um texto literário, não importa seu gênero, esta-mos abrindo um caminho para experimentar – ou experienciar, por meio daquelas palavras, o que o texto diz. Ainda que não tenhamos vivido, na realidade, a história que lemos, ela passa a fazer parte de nós, como se fôssemos nós mesmos que a tivéssemos vivido”, destaca.
A produção da obra mescla uma série de sentimentos e ao mesmo tempo abre espaço para que outros trabalhos já possam ser idealizados. “É muito bom poder pegar na mão algo que você trabalhou com tanto carinho e que eternizará um momento tão delicado de nossas vidas, será história. É um sonho realizado”, descreve. João Oliveira diz que a experiência, certamente, abrirá caminhos para outros trabalhos que espera realizar. “Sim, foi o primeiro trabalho que ajudei a organizar. Tenho sonhos, um deles é escrever um romance, quem sabe um dia”, finaliza.
Embora, de acordo com a professora, o Brasil e o mundo possam estar vivendo o contexto da pandemia de maneira bem distinta, “essa vivência coletiva nos faz reconhecer nas histórias da obra realidades que vêm acontecendo a nossa volta, de modo que os textos têm ainda mais chances de entrar para nosso arcabouço empírico, porque reconheceremos muitas de suas histórias entre nós”, observa. Prosseguindo, ela completa que este é um dos maiores legados do período. “Esse reconhecimento dos fatos próximos de nós nos proporciona consciência do coletivo e essa parece-nos ser o maior aprendizado que a obra pode proporcionar”, finaliza.
A obra está disponível gratuitamente e pode ser baixada direto do site da editora Letraria. Os interessados podem acessar o endereço https://www.letraria.net/cronicas-de-quarentena/. Os autores pretendem trabalhar para a produção futura da edição impressa do livro.