ELA por ELA

Mayra Reis Pedroso Pimenta

Por: Reynaldo Formaggio | Categoria: Entretenimento | 21-02-2021 07:50 | 2399
Foto: Arquivo Pessoal

Mayra Reis Pedroso Pimenta é uma jovem profissional que vive a enfermagem em seu sentido pleno. Filha de José Márcio Pedroso e Cristina Pimenta Reis, irmã mais velha de Marina, Mayra tem sua família como melhor referência. Aos 38 anos, desempenha um papel de suma importância comandando 370 profissionais como gerente de Enfermagem da Santa Casa de Misericórdia, cargo de extrema responsabilidade que divide com outra profissional. Atualmente a Santa Casa tem em seu quadro 708 funcionários. Somados aos terceirizados e prestadores de serviço, são mais de 900 profissionais diretamente envolvidos com a centenária instituição. Consciente de seu papel e extremamente lúcida em suas posições, Mayra sonha com maior reconhecimento de sua classe. Nesta entrevista, compartilha um pouco de sua experiência e a atual situação da saúde no munícipio em meio à pandemia que nos atinge.

Mayra, nos conte sobre seus primeiros anos. Onde iniciou seus estudos e por quais escolas passou? Algum professor em especial marcou sua trajetória?
Sou nascida e criada em São Sebastião do Paraíso. Tive uma infância muito feliz e minha melhor memória dela é sempre minha família. Saí da cidade por apenas por quatro anos, quando fui cursar minha faculdade. Mas prefiro um estilo de vida mais tranquilo, não me adaptei bem a uma cidade maior e acabei voltando. Só passei por uma escola, desde o Maternal até o término do Ensino Médio, o Colégio Paula Frassinetti. Seria injusta ao citar apenas um professor, cada um deixou sua contribuição na minha formação, mas alguns me marcaram por serem exemplos de dedicação à profissão; Bia, Mariano, Grácia. Na faculdade, também tive excelentes mestres, mas um em especial guardo no meu coração, que foi pra mim um exemplo de profissional e um grande amigo, o Tatá.

Por que escolheu a Enfermagem? Onde se graduou e quais especializações cursou?
A Enfermagem me encanta e me faz crescer como ser humano todos os dias, foi por isso que escolhi ser enfermeira. Cuidar de outras pessoas é uma forma de agradecer a Deus tudo o que Ele me proporciona. Fiz Enfermagem na Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, me formei em 2004 e tenho especialização em Enfermagem Obstétrica (minha grande paixão!), Enfermagem do Trabalho e em Gestão Hospitalar.

Hoje você é gerente de Enfermagem na Santa Casa local e atua na linha de frente no tratamento à Covid 19. Qual a real situação da pandemia em nossa cidade e que desafios sua equipe enfrenta diariamente?
A real situação em nossa cidade é exatamente aquela que está todos os dias sendo divulgada na mídia. Desde o começo, tanto a Santa Casa como o município foram sempre muito transparentes na divulgação dos dados, nunca tivemos a intenção de esconder nada da população. A situação ainda é muito preocupante, de uma tristeza imensurável, porém a Santa Casa se preparou muito bem para enfrentá-la e graças a Deus, nunca nos faltou nada para o tratamento dos pacientes: leitos, equipamentos, equipe ou insumos. O principal desafio que a equipe precisa enfrentar todos os dias é o cansaço físico e mental. Tivemos que nos adaptar para receber as internações por Covid, porém as demais patologias não deixaram de existir. Hoje temos que atender tudo o que já atendíamos e mais esse “furacão” que é a Covid.

Com a sua experiência e vivência na área da saúde, nossa cidade está bem servida? Falta investimento em algum setor? O que poderíamos ter e ainda não temos?
Se compararmos com a realidade que vemos por aí, nossa cidade está muito bem amparada. A Santa Casa hoje se tornou um hospital de referência em muitas áreas e o que ainda não oferecemos, estamos buscando conquistar através de novas habilitações. O que mais me deixa triste é, às vezes, a falta de reconhecimento da população. Hoje nas mídias sociais sofremos constantes ataques, críticas duras, com palavras pesadas, que em grande parte não condizem com a realidade, mas que magoam muito toda a equipe.

Recentemente presenciamos histórias emocionantes de pacientes recuperados da Covid 19. Em seus anos de atuação, alguma história te marcou em especial? É difícil não se envolver emocionalmente?
São muitas histórias para contar, mas a primeira que sempre me vem à cabeça, vivi quando trabalhava na Maternidade. Foi a de uma menina, bem jovem, que passou por um parto com muitas complicações, ficou na UTI por alguns dias em coma e por muito pouco não morreu. Quando se recuperou, tivemos que dar a ela duas notícias: que ela havia dado à luz a um bebê especial, com Síndrome de Down e que devido às complicações no seu parto, para que não morresse, seu útero teve que ser retirado e que dessa forma, ela não poderia mais ser mãe. E essa menina, para a surpresa de todos, foi de uma sabedoria e de uma fortaleza que poucas mães com mais idade e maturidade seriam... essa história me emociona muito até hoje. Se ela tiver a oportunidade de ler essa entrevista, vai saber que estou falando dela. Como não nos envolvermos emocionalmente? Para mim, essa premissa de que não podemos nos envolver nunca existiu e nunca me atrapalhou e ainda digo mais, esse envolvimento é o que a minha profissão tem de mais bonito.

No seu entendimento, qual o papel que os governantes têm em relação à orientação sobre a pandemia?
Não sou muito adepta às ciências políticas e tampouco a discussões partidárias, porém acredito que se a pandemia tivesse sido levada mais a sério e com mais transparência desde o começo, os números da Covid 19 em nosso país não estariam num patamar tão alarmante. (na presente data, são 9.834.513 casos e 239.245 óbitos confirmados) Se a população tivesse sido orientada com base nos dados da ciência, deixando de lado interesses políticos e pessoais, poderíamos estar numa situação menos triste.

Sabemos que os profissionais da saúde estão extremamente expostos e foram recentemente imunizados. Viu muitos colegas contraírem a doença? O que diria para aqueles que não querem se vacinar?
Sim, muitos contraíram a doença, mas graças a Deus não perdemos nenhum colega. Alguns perderam familiares, o que pra nós é igualmente doloroso. Respeito quem se recusa a se vacinar, mas pessoalmente, acredito muito na ciência e acho também que dificilmente uma pessoa que acompanha tão de perto a triste realidade da Covid, como nós da Santa Casa, se recusaria a ser imunizada ou não torceria que a vacina fosse logo disponibilizada a toda a população. Para nós a vacina representa a esperança de dias melhores.

Lidando diariamente com a vida e com a morte, o que pensa sobre o tratamento humaniza-do? É difícil ver a vida se esvair diante de seus olhos?
Hoje na Santa Casa o tratamento humanizado é nossa premissa e é o que mais buscamos nos aperfeiçoar todos os dias, desde o momento mais feliz, que é o nascimento, até aquele mais difícil, a morte. Sim, sempre doloroso ver a vida indo embora, apesar de vermos muitos pacientes fazerem essa passagem, serenos e em paz, mas pra mim o mais difícil sempre foi encarar a reação da família que fica, a tristeza, o luto, o desespero.

Ciência e fé podem caminhar juntas?
Para mim são duas entidades que estarão sempre entrelaçadas. Tenho uma crença de que Deus, em sua grandiosidade e sabedoria, dá um dom especial a cada criatura que ele permite vir ao mundo. Para algumas, ele dá o dom de produzir conhecimento e ferramentas para que possam auxiliá-lo em sua árdua tarefa de cuidar de toda humanidade.

O Brasil é o único país com mais de 200 milhões de habitantes que possui um sistema de saúde pública universal gratuito. Ainda assim, somos muito criticados pelas filas e demandas não atendidas. Em sua opinião, qual o maior desafio da saúde pública e privada? A prevenção ainda é o melhor remédio?
Não acredito que a culpa de todos esses vieses na saúde pública seja do SUS, pelo contrário, quem conhece a fundo sua teoria, sabe que poucos países possuem um sistema de saúde tão bem elaborado como o nosso. Se ele recebesse todo o investimento necessário para que funcionasse em sua integralidade, sem desvios, ele seria efetivo e resolutivo. A premissa de que a prevenção é o melhor remédio continua sendo universal e indissolúvel. Porém acredito que algumas vezes, um tratamento bem conduzido também pode ser o melhor remédio.

E sobre a família que constituiu? O que o casamento e as filhas representam para você?
Eu e meu marido, o Clécio, estamos juntos há 16 anos... ele é meu grande amor e meu grande parceiro de vida e de trabalho (ele é médico obstetra, trabalhamos juntos na Santa Casa). Tenho duas filhas, a Gabriela, com 11 anos e a Eduarda, com 8. Elas são minha melhor parte, meu amor mais puro e a minha razão de tentar ser todos os dias uma pessoa melhor.

Com filhas em idade escolar, o que pensa sobre a volta das aulas presenciais?
Sou a favor da volta gradual, acompanhando o ritmo da imunização da população. As crianças, apesar do brilhante trabalho dos professores nas aulas on-line, estão perdendo muito em qualidade de ensino e também por serem privadas da convivência com outras crianças. Mas esse retorno só deveria acontecer depois das escolas estarem plenamente preparadas para receber os alunos e os professores com segurança. E também sou a favor de que se respeitem os pais que ainda não se sentem seguros em voltar seus filhos para a escola.

Quando não está exercendo a enfermagem, o que gosta de fazer? Escolheria outra profissão?
Com a pandemia prestes a completar um ano no Brasil, tivemos que nos reinventar até na hora do lazer. Hoje, nos momentos de folga, gosto muito de assistir séries, ler e curtir minha família. Não me vejo trabalhando em outra coisa ou vivendo outra realidade, amo meu emprego e a profissão que escolhi. Só me deixa triste como a enfermagem ainda é tão desvalorizada nesse país. Em um ano em que os enfermeiros estiveram tão em foco, infelizmente precisamos de muito mais do que aplausos.

Nossa cidade se aproxima de seu bicentenário. O que daria de presente para Paraíso?
Paraíso merece mais opções de lazer, especialmente para os jovens, que muitas vezes precisam se arriscar por estradas para buscarem diversão em outras cidades. Precisaria também haver mais valorização do pequeno empresário. Me entristece muito ver, por exemplo, um pequeno comércio ser aberto e daí seis meses ver esse mesmo comércio fechar as portas.

Mayra, qual o seu maior sonho?
Meu maior sonho é ver minha profissão ser valorizada e mais bem remunerada. Minha maior alegria seria ver um enfermeiro, pai de família, não ter que trabalhar em até três empregos para conseguir sustentar sua casa. Pessoalmente, tenho muitos sonhos, mas com certeza, o maior deles é conseguir ser sempre um bom exemplo para que as minhas filhas sigam o caminho do bem, apesar de tantas alternativas de desvios que o mundo de hoje oferece.