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Nayra Bergamo

Por: Reynaldo Formaggio | Categoria: Educação | 01-03-2021 09:11 | 1851
Foto: Arquivo Pessoal

A paraisense Nayra Bergamo é uma jovem que, aos 36 anos, tem plena consciência da importância de cada elo dessa corrente chamada "vida". Terceira filha de Sebastião Sérgio Bergamo e Neuzely Formagio Bergamo, é irmã de Luiz Sérgio, Natália e José Luiz. Formada em Nutrição, é uma profissional extremamente capacitada e exigente. Afinal, é responsável por zelar pela saúde dos 62 moradores, ou pacientes institucionalizados, como são chamados, do Lar Asilo São Vicente de Paulo. Além de exercer sua profissão com todo carinho e dedicação, da mesma forma zela pela pequena Beatriz, sua filha e maior realização. E é com sentimento de respeito e gratidão pela vida que Nayra compartilha com o leitor, um pouco de sua bela trajetória.

Nayra, qual a melhor memória de sua infância?
Minha melhor memória da infância eram as tardes na casa da minha avó materna Elisa Peres Formagio. Como minha mãe e meu pai trabalhavam o dia todo, muitas vezes, passávamos as tardes na casa da minha querida e saudosa avó Elisa. Nossas tardes eram rodeadas de brincadeiras na praça da estação, juntos aos meus primos, e recheadas com as delicias que minha avó sempre preparava. Quando lembro da minha infância, me recordo das receitas que ela sempre nos preparava; um delicioso bolinho de chuva, as balas de mel que só ela sabia fazer e o seu tradicional bolo de fubá! Buscávamos juntas o fubá fresquinho na venda do Senhor José Dizaró, na Av. Oliveira Rezende. Minha avó era a melhor cozinheira do mundo!

Sua família é muito tradicional na cidade e durante décadas atuou no ramo moveleiro. Sente orgulho das suas origens? O que aprendeu e carrega até hoje?
Sinto muito orgulho de minhas origens! Meu pai nasceu dentro de uma oficina de móveis e todos nós também aprendemos esta profissão com ele, já que convivíamos ali por muito tempo. De alguma forma todos trabalhamos junto ao meu pai e aprendemos muito, inclusive minha mãe, que mesmo depois de aposentada, se dedicou muito tempo à empresa. Todos os móveis de nossa família foram feitos por ele e ainda hoje ele atua, fazendo peças artesanais através da técnica de marchetaria. Sinto muito orgulho de minha criação e da dedicação dos meus pais, pois conseguiram formar e especializar os quatro filhos, realizando o sonho deles.

Por quais escolas passou e por que escolheu a Nutrição como profissão?
Cursei grande parte dos meus estudos no Colégio Paula Frassinetti e concluí o segundo grau na Escola Estadual Prof. Benedito Ferreira Calafiori. Logo após, cursei Nutrição pela Universidade de Franca e me especializei em Terapia Nutricional e Transtornos Alimentares. Escolhi a Nutrição por gostar muito da área de alimentos e porque sempre achei transformador, a forma como mudamos nossa vida por meio da alimentação.

Quais as principais atribuições de um profissional da Nutrição? Onde ele pode atuar?
O nutricionista é o profissional responsável por criar uma dieta balanceada com base nos alimentos que suprem as necessidades de cada indivíduo. É ele quem cria, desenvolve, planeja e acompanha o trajeto dos pacientes de acordo com os objetivos de cada um deles, promovendo assim, saúde através de hábitos alimentares mais saudáveis. Ele pode atuar em diversos segmentos como na área clínica, hospitalar, esportiva, em academias. Também pode atuar em indústrias de alimentos, restaurantes e até mesmo em pesquisas cientificas. É uma profissão bastante ampla com diversas áreas de atuação.

Onde atuou como nutrici-onista até chegar ao Asilo? Há quanto tempo trabalha lá?
Assim que me formei comecei a trabalhar no antigo (CIAD) no Hospital Psiquiátrico Gedor Silveira, onde comecei a realizar atendimentos nutricionais às pessoas cadastradas e mais carentes. Logo em seguida, uma amiga que também se formou em Nutrição, a Camila Andrade, estava deixando seu cargo no Asilo para começar em uma outra empresa e me indicou para a vaga. Passei por uma seleção e comecei a prestar serviços nutricionais no Lar como autônoma. Como a carga horária na época, 2007, era pequena, também conseguia conciliar outros trabalhos e assessorias nutricionais. Realizei durante 10 anos atendimentos nutricionais na Empresa Fisioclínica, onde as gêmeas fisioterapeutas Ana Lúcia e Ana Cristina me abriram as portas para os atendimentos nutricionais voltados a dietoterapias e emagrecimento. Foi uma fase muito especial na minha vida! Também prestei consultorias nutricionais à empresa Cetenge Engenharia por 10 anos pelo Programa de Alimentação do Trabalhador-PAT. E ainda trabalhei no CAPS (Centro de apoio Psicossocial I e II). Em 2015 tive o convite de aumentar minha carga horária no Asilo e passei a atuar de forma integral. Já realizo o trabalho no Lar há 14 anos.

Falando sobre o Lar Asilo São Vicente de Paulo, qual o tamanho da responsabilidade do seu trabalho e o quanto ele influencia na saúde dos moradores?
Costumo dizer que a alimentação do idoso é a parte principal ou a fundamental para se ter qualidade de vida! Com o envelhecimento o idoso precisa deixar em alta o seu sistema imunológico, que já se faz muito limitado devido a alterações fisiológicas próprias da idade. Assim, é possível evitar doenças oportunistas e o controle de patologias crônicas. Diferentemente da fase jovem onde precisamos da energia vinda dos macronutrientes (carboidratos, proteínas e lipídeos) para realizarmos nossas atividades diárias, a fase idosa necessita de maior ingestão de micronutrientes (vitaminas e minerais). A suplementação alimentar muitas vezes é necessária no idoso e a dieta deve ser prescrita por um profissional Nutricionista. Além da assistência nutricional dos moradores, realizo a coordenação da Unidade de Alimentação e Dietoterapias do Lar. São servidas seis refeições diárias (café da manhã, lanche da manhã, almoço, lanche da tarde, jantar e ceia). Todas as refeições são preparadas levando em conta as necessidades nutricionais de cada paciente. Servimos dietas especiais para pacientes com patologias, com sondas e oferecemos suplementos alimentares para aqueles que não conseguem atingir o ganho calórico diário. A cozinha do Lar funciona 12 horas/dia com quatro cozinheiras, que realizam seu trabalho com muito amor e dedicação, já que as refeições são dos momentos mais prazerosos do dia a dia do paciente institucionalizado.

Além do acompanhamento nutricional, o que mais o Lar oferece aos seus moradores?
O Lar São Vicente de Paulo oferece atendimento médico, psicológico, fisioterapêutico, terapia ocupacional e também possui uma educadora física que desenvolve várias atividades de recreação.  O Lar possui hoje uma equipe multidisciplinar completa que presta assistência diária aos idosos ali institucionalizados. Trabalhamos juntos para melhor atender a demanda de cada paciente.

O asilo é visto por grande parte da população como um local em que as pessoas sem família ou cuja família não se dispõe a cuidar, deixa seus familiares aos cuidados da instituição. O Lar é um lugar triste? O que diria para quem tem preconceito quanto aos asilos?
Sim, o asilo muitas vezes é visto assim. Mas a realidade hoje é muito diferente. O idoso que vive no Lar hoje, muitas vezes, estava em situação de risco ou sem condições de se manter adequadamente. Para o idoso estar institucionalizado ele deve se enquadrar ao Estatuto do Idoso e ao regimento do Lar. Para chegar ao Lar, ele passa por um processo de acompanhamento com pessoas especializadas para verificar a real necessidade da institucionalização. O idoso lúcido e consciente não pode estar no Lar sem o seu consentimento e muitas vezes as pessoas tem o pensamento de que o idoso foi abandonado no Lar. Existem órgãos fiscalizadores que acompanham toda a trajetória da saída de sua casa até a sua total adaptação ao Lar. Eu sempre convido as pessoas a irem conhecer o Lar, sempre estamos de portas abertas a mostrar o funcionamento do Lar e como os idosos ali vivem.

Já vivenciou alguma história marcante nestes anos? Já viu por exemplo alguém saindo da instituição e recomeçando a vida?
Sim, vivenciei um caso em que dois pacientes se apaixonaram. Depois de sua saúde restabelecida, decidiram sair do Lar e juntos recomeçaram a vida. Hoje esse casal vive no distrito de Guardinha e têm um filho fruto dessa união. É maravilhoso ver que conseguiram superar tantas adversidades e hoje estão bem e felizes.

Há também aqueles que por algum motivo não conseguem ficar internados?
Os idosos passam por acompanhamento e adaptação, e sim, pode acontecer do idoso querer retornar a sua casa ou família, se caso possuir e tiver condições.

Atravessamos a maior pandemia dos últimos 100 anos e sabemos que os idosos são extremamente vulneráveis ao Covid 19. Tiveram casos de óbitos? Como lidar com as perdas em geral?
Infelizmente tivemos nossos primeiros casos entre setembro e outubro de 2020. Foram dias tristes e assustadores, pois não sabíamos como seria a dimensão desse vírus dentro do Lar e também dentro de nossas famílias, já que muitos profissionais também retornam diariamente para as suas casas. Mas com a graça de Deus e a união de todos os profissionais envolvidos, conseguimos vencer dia a dia e superamos os momentos mais difíceis. Infelizmente tivemos alguns óbitos de idosos que estavam, em sua grande maioria, com outras comorbidades já estabelecidas e que com o Covid, foram se agravando.

No último ano não tivemos a tradicional Festa do Asilo e provavelmente não teremos neste ano. Sabendo que é uma renda a menos e com os altos custos para suprir as necessidades dos moradores, como o Lar tem se mantido? O paraisense é solidário?
O paraisense é solidário demais e é a população que mais nos ajuda e nos acolhe diante de nossas maiores necessidades diárias. A instituição conta com o apoio e a parceria de voluntários mensalistas e doações de vários tipos.

Além da parte financeira, a instituição demanda muito trabalho e atividades diversas. Há voluntários que colaboram também nesse sentido?
Existem grupos voluntários que são nossos parceiros, mas com a pandemia tivemos que parar essas atividades. Há diversos tipos de grupos que desenvolvem um trabalho lindo (grupos de pinturas em panos de prato, grupos de jogos, grupos de orações, leitura, hidro-ginástica, entre outros). Com a pandemia tivemos a ideia de criar um grupo no Whatsapp e unirmos esses amigos e voluntários do Lar, e é por esse grupo que nos comunicamos com nossos amigos, dando notícias dos nossos idosos e eles nos ajudam com arrecadações semanais dos itens de maior necessidade da casa. Convido a todos que queiram participar a entrar em contato pelo 35-35312718 e solicitar a entrada no grupo.

Nayra, sabendo da sua responsabilidade e do quão extenuante é seu trabalho, o que gosta de fazer nas horas livres?
Com a pandemia tivemos que nos adaptar às novas rotinas e estamos vivendo mais isolados e fora do convívio social. Principalmente por trabalhar com pessoas do grupo de risco, ultimamente tenho aproveitado a vida junto à natureza e meus familiares mais próximos. Estou morando em uma chácara e procuro nas minhas horas vagas aproveitar ao máximo os momentos com minha filha Beatriz. Amamos cuidar dos nossos animais de estimação, aproveitamos sempre a piscina e esse lugar lindo que estamos tendo o privilégio de morar!

Por falar em maternidade, quais os desafios de ser mãe nos dias atuais?
Costumo dizer que minha filha despertou o melhor de mim. Eu me descobri como mulher, como profissional e me melhorou como ser humano. Todas as mães sejam elas solteiras ou não, passam por desafios, mas me sinto privilegiada por ter uma rede de apoio sempre presente. Sempre que preciso, e até quando não preciso, tenho pessoas se oferecendo para nos ajudar em todos os sentidos. Minha filha é muito amada pela família e amigos. Ser mulher, mãe e ser mãe solo está bem acima de qualquer questionamento que a vida nos impõe, somos capazes de tudo, somos capazes de conquistar o mundo com nossa inteligência e força.

Se pudesse mudar algo no Brasil, o que mudaria e porquê?
Mudaria a nossa classe política, combater a corrupção seria a primeira etapa. O Brasil vive um dos piores momentos de crises, onde as pessoas de classe baixa são as que mais sofrem. Daria oportunidade de emprego às pessoas menos favorecidas, melhoraria a educação, diminuiria o número de estádios de futebol e aumentaria o número de hospitais. Já seria um bom começo para melhorar o Brasil.

Nayra, qual seu maior sonho?
Hoje seria a Vacina do Covid 19 chegar a todos, sem nenhuma exceção, e voltarmos ao convívio social. Também gostaria de chegar aos 96 anos como minha avó Elisa, lúcida e sempre saudável, sendo um exemplo de mulher e mãe para minha filha!