Um dos grandes nomes da história da Educação em São Sebastião do Paraíso, Ruth Corsi é uma mulher de múltiplos significados. Segundo a Bíblia, Ruth significa “amiga e companheira”. E foi por ler muito as Sagradas Escrituras que o pai, o curtidor Geraldo Lino Corsi, escolheu seu nome. Sua mãe, Terezinha dos Reis Corsi, exímia costureira, a apresentou às artes. Ambos também a incentivaram a investir nos estudos e, mesmo não mais neste plano, são tratados por Ruth no presente, pois é assim que ela os sente. Ruth é sinônimo de fortaleza. Assim como a irmã, Regina Reis Corsi, a quem considera o porto seguro de todos da família, também se tornou, por méritos próprios, uma grande educadora. Ruth é liberdade. Consciente de suas escolhas, criou os filhos com seu trabalho, valores e convicções. Ruth é coragem. Após a aposentadoria, assumiu a direção do SOS - Serviço de Obras Sociais e ampliou suas atividades. Ruth é resiliência. Enfrentou com galhardia uma grave enfermidade, sem nunca esquecer que a vida é um eterno aprendizado. Com a sinceridade que lhe é característica, Ruth Corsi compartilha conosco, parte de sua vitoriosa trajetória de vida.
Ruth, como tudo começou?
Minha infância foi maravilhosa. Vivi sempre na Mocoquinha e tive uma infância onde tudo era modesto; a casa, as roupas, os calçados, os amiguinhos, os brinquedos inventados, tudo bem simples e agradável demais. Brincava na rua de pique de correr, de esconder, de roda, de matança... Andar na enxurrada depois da chuva forte era delicioso! Cortávamos o pé nos cacos de vidro. Minha mãe lavava, amarrava um paninho e voltávamos para a brincadeira. Mas o que eu mais gostava mesmo, era brincar de escolinha! Eu liderava a “escola”. Juntava os amiguinhos, sentava cada um num banquinho, meu pai fazia vários, virava uma cadeira, onde servia de mesa para cada um e escrevia num quadro que meu pai também fez para mim. Assim, desde meus sete anos, eu sou professora.
E sobre a família que constituiu? O que seus filhos e netos representam para você?
Sobre a família que construí só tenho a dizer que realizei o sonho que toda mãe deseja. O filho, Sérvio Túlio Corsi de Oliveira, e a filha, Semíramis Corsi Silva, trouxeram pra mim quatro pessoas maravilhosas: a nora Fabrícia Migliorato Corsi, o genro Fernando Figueiredo Balieiro e os netos Henrique e Pâmela. Todos só proporcionam alegria e contentamento a minha vida.
Como escolheu se tornar professora e como foi a trajetória na educação?
Escolhi ser professora? Que nada, eu nasci professora! E na outra vida, tenho certeza, serei professora também. Meu histórico de professora/educadora é muito lindo. Assumi a primeira vez como professora na turma que funcionava na Capelinha no fundo do Asilo. Depois fui para a então Escola Estadual “Interventor Noraldino Lima.” Dei aulas no Curso de Suplência nesta escola e no “Coronel José Candido”. Fui convidada pelo Prefeito Sr. Alípio Mumic, para fazer um curso de Professor de Sala de Mestre Único, no Instituto “João Pinheiro” e Fazenda do Rosário. Lá tive a honra de conviver com a grande pedagoga Helena Antipoff. Voltando de Belo Horizonte fui ser Supervisora das Escolas Rurais Municipais. Fui professora de Inglês no Colégio “Paula Frassinetti”. Implantei o Mobral em Paraíso. Lecionei Matérias Pedagógicas na E.E. “Benedito Ferreira Calafiori” e Faculdade “Calafiori”. Atuei como Supervisora Pedagógica nas escolas “Cel José Cândido” e “Com. João Alves”. Trabalhei também por cinco anos na Superintendência Regional de Ensino. Aposentei-me como Diretora da Escola Estadual “Paula Frassinetti”, cargo que exerci por 10 anos.
Você sempre foi à luta e arcou com todos os ônus e bônus de ser uma mulher independente. Se considera uma feminista?
Ônus e bônus! (risos). Quando jovem, buscava realizar meu sonho de me graduar professora, tive o apoio de meus pais. Não posso jamais esquecer quem me deu tudo pra realizar este sonho, Sr. Wando Marcolini. Deve ser um anjo no céu, porque o foi na Terra. Com 15 anos dava aulas particulares, para ter meus próprios recursos. Não entendo bem o que é ser feminista, mas defendo a igualdade de direitos. A luta por isto deve começar dentro de casa. As mulheres ainda são muito submissas. Ao aceitar viver com um alguém, tem que ser tudo dividido. Não existe tarefas femininas e/ou masculinas. Tem coisas a serem feitas numa casa e c’est fini! Vamos repartir. Se não for assim, mulher tem que abandonar o cara, partir pra outra situação.
Após a merecida aposentadoria, você aceitou o desafio de assumir o SOS – Serviço de Obras Sociais de nossa cidade. E foi além criando o projeto SOS Criança. Fale sobre estes desafios. Há muitos necessitados em nossa cidade? O povo paraisense é solidário?
Assim que me aposentei, passei a me sentir descartada. Fui voluntária no projeto “Amigos da Escola”. Trabalhava com alunos e formei um Terno de Congo. Tentei voluntariado nas instituições, mas notava a não aceitação das diretoras. Dou razão a elas. Aí fui até a Associação dos Aposentados. Lá fui muito bem recebida pelos amigos e pelo Presidente Sr. Alfredo Albieri, homem de visão e com um grande coração. O Serviço de Obras Sociais, SOS, estava pra cerrar suas portas, pois não se encontrava alguém que queria administrá-lo. A convite, resolvi com amigos assumir a instituição. Vários projetos fomos desenvolvendo ao longo dos 17 anos que lá estou. O SOS FAMÍLIA e o SOS CRIANÇA são os dois mais fortes. Tem outros projetos complementares. O SOS é um lugar de desafios constantes. Temos uma diretoria, mas poucos se comprometem com a função. Nossa cidade carece de voluntários. Os idosos que fundaram as instituições estão enfraquecidos fisicamente. Raros jovens querem trabalhar de graça. O materialismo, o capitalismo, mexe com a cabeça dos jovens. Poucos são aqueles que querem tirar algumas horas da semana, para trabalhar pelo semelhante. Sem dinheiro, fica difícil administrar uma instituição com 90 crianças e várias famílias necessitadas. Sobre a solidariedade do povo, que posso dizer? É fácil enfiar a mão no bolso e doar 10 reais todo mês. Difícil é dedicar algumas horinhas numa visita a um pobre ou a uma sala cheia de crianças.
Nestes dias de pandemia, como estão as atividades do SOS? Você tem o espírito jovem e a facilidade para se reinventar, certo?
Tenho um espírito jovem. Idade cronológica pra mim, aparece quando me levanto. Tudo dói. Mas para trabalhar pelo semelhante, não sinto dor nenhuma. Fico muito feliz em conversar com as pessoas, saber de suas dificuldades e ver que tem gente que sofre imensamente. Distribuímos muitas cestas básicas. Tenho muitos amigos. Ligo e peço, na mesma hora chega aqui em casa. Com esta pandemia, suspendemos o atendimento presencial das crianças. Dei aulas on-line de violão. Incrível, aprendi muito! Mais incrível ainda, as crianças que participaram aprenderam muito mais que se estivéssemos no presencial. Triste é ver que muitos querem participar, mas não têm o celular em condições ou internet que satisfaça. Isto dói muito. Fizemos o Natal do SOS CRIANÇA. Os amigos ajudaram. Fizemos sacolas grandes com presentes, panetones, guloseimas variadas.
A arte também sempre se fez presente. De onde vem este apreço e como aprendeu violão?
Gosto muito de arte. Herdei de minha mãe, o dom do artesanato. Eu e minha irmã tínhamos que fazer os serviços domésticos, tudo dividido. Depois, ajudar na costura. Desde os seis anos ela me ensinou os pontos de bordado. Tinha uma voz maravilhosa e cantávamos com ela. Até hoje sei as músicas de Orlando Silva, Francisco Alves, Osny Silva, Dalva de Oliveira. Quando fiz 12 anos, ela me deu um violão verde, lindo! Era pra eu e minha irmã aprendermos a tocar. Eu não gostava muito, mas pra fazer a vontade dela, ia toda semana aprender com Maria Odete Yanuzzi. Logo tomei gosto e toda vez que chegavam visitas, ela me fazia tocar e cantar.
Recentemente você passou por um sério problema de saúde. Em algum momento sentiu-se revoltada ou pensou em desistir? Tem medo da morte? O que ela representa para você?
Sim. Eu sentia apenas uma dorzinha de nada na barriga. Fiz a colonoscopia. Aí deu um tumor pequeno de 1 cm. Chorei muito na hora que li a palavrinha na biópsia, mas foi só naquela hora. Fui operada na Santa Casa de Passos – HRC, pela equipe do Dr. Carlos Renato. Iniciei as sessões de quimio, só para prevenção. Não tive mais problema nenhum. Terminava a sessão, vinha pra Paraíso e ia direto para o SOS cuidar de minhas crianças. Nunca me revoltei. Pensava, é mais uma experiência que tenho de conhecer. Apesar de saber e crer que a vida continua, tenho medo de morrer sim. Só pessoa doente mental não tem. Sei que estamos aqui de passagem. Logo partiremos para a viagem à Pátria espiritual, mas espero que demore mais alguns anos.
Crítica, consciente e politizada, você também já se envolveu com a política. Como foi essa experiência?
Faço tudo pra ser uma pessoa politizada. Interesso-me pela política. Afinal ela nos governa desde o momento que acordamos, até o momento que apagamos a luz para dormir. Gosto de discutir política, mas não tenho muito tempo pra prestar atenção no desenvolvimento dos processos. São muitos. Sonho com o dia que haverá um governo justo e sobretudo honesto. Isso que eu queria. Eu não me envolvo em discussões políticas, pois respeito a opinião de cada um, mas dialogo apenas com aqueles que sei, compartilham comigo da maneira de pensar. Fui candidata a vereadora certa feita. Tive muitos votos. Se fosse em outro partido daria para entrar, mas eu estava num partido grande. Fui honesta com todos. Não gostei da experiência de pedir votos. Acho que cada um vota em quem quer. Achei legal uma senhora da roça, que eu não reconheci, que me disse: “Dona Ruth, votei na senhora porque foi nossa diretora e eu te conhecia”. Teve pessoas que falaram pra mim: “Não votei em você. Você não me pediu.” Ah... me poupe! Então “tô fora”!
Qual é a personalidade que mais admira na história da humanidade?
Tem tantas personalidades que admiro. Vou citar duas mulheres, Frida Kahlo, porque no sofrimento ela buscou a arte para superá-lo e viveu pouco, mas intensamente. E outra que vou citar com letras maiúsculas EVITA PERÓN. Eu a conhecia como um mito. Fui no museu dela em Buenos Aires, na antiga casa de apoio às mulheres. Fiquei impressionada com o trabalho social desta mulher em benefício das mulheres pobres e desamparadas. Ela usou o poder que tinha perante o grande ditador Perón e fez um trabalho estupendo não só no social, mas dentro da área política.
São Sebastião do Paraíso 200 anos. Em sua opinião, o que a cidade tem de melhor e o que pode melhorar?
Se eu tivesse que me mudar de Paraíso eu sentiria muito em deixar pra trás o povo. Aqui sou amiga de todo mundo. Conheço a grande maioria, até os que vieram de outras paragens, se aportaram aqui e me tornei amiga. A cidade toda me conhece. Sou bem relacionada com todos. Então o melhor de Paraíso é nosso povo. Temos de melhorar muito na educação, não escolar. Esta está boa. Mas falta ao povo a consciência ecológica e ambiental. A cidade está com ruas e sobretudo as praças muito sujas, quebradas, largadas. Lixo por todo lado. Em minha opinião isto se deve ao abandono, falta de zelo e manutenção pelo poder público. Vou sempre às praças Santo Antônio, Santa Rita e São José, onde fazíamos Tai Chi Chuan. O povo coloca lixo pela manhã e o caminhão recolhe mais tarde. Os canteiros quebrados, nem a grama tem manutenção. Isto tem um custo irrisório para a Prefeitura. Recado ao Prefeito Marcelo: nosso povo, os jovens e crianças não têm lazer. Eles se reúnem nas praças. Cuide delas pra nós. Organize os moradores em volta e passe a eles este pedido. Tenho certeza, vai ter eco seu pedido!
A fé e a espiritualidade são muito presentes em sua vida?
A fé e a espiritualidade estão sim, muito presentes em minha vida. Desde o momento que abro meus olhos ao acordar-me, elevo meu pensamento ao Pai, agradecendo e ao deitar-me também o agradeço pelo bem que recebo e pelos desafios que tive de encarar naquele dia. Agradeço o aprendizado que estes desafios me proporcionaram. Também peço aos meus protetores, que enquanto meu corpo físico descansa, encaminhem meu espirito para trabalhos no outro lado ou para locais-escolas. O Evangelho é meu guia. Quando tenho algo difícil pra resolver penso: o que Jesus faria nesta situação? A resposta vem na hora. A fé nos dá alento e esperança. Pensar que tem Alguém cuidando da gente e que esse Alguém é onipotente, onisciente, onipresente, nos dá muita coragem. O sentimento é de gratidão, sempre! Aproveito e deixo meu agradecimento de coração ao Jornal do Sudoeste, na pessoa do amigo Nelson Duarte e a você Reynaldo Formaggio, nosso grande amigo, pelo honroso convite.