Nesta semana São Sebastião do Paraíso atinge a triste marca de 100 óbitos por Covid-19. Pode parecer pouco mas, para efeito de comparação, a vizinha cidade de Passos, com uma população com cerca de 40 mil habitantes a mais, registrou 81 óbitos no mesmo período. Mais do que nunca, Jeferson Silva Braghini exerce um cargo de extrema importância e responsabilidade, Administrador do Cemitério Municipal. Em tempos difíceis onde muitas famílias não podem se despedir dignamente de seus entes queridos em função da pandemia mundial de Covid-19, ele e sua equipe têm a árdua missão de tentar cumprir os protocolos e, concomitantemente, amparar a dor das famílias enlutadas. Aos 39 anos, é um jovem que carrega imenso respeito por seu ofício, muita fé em Nossa Senhora Aparecida e a crença que a vida continua. Com muitos sonhos por realizar, Jeferson compartilha com o leitor, um pouco de sua visão de mundo, seu trabalho em tempos caóticos e uma mensagem de otimismo e esperança para o futuro.
Jeferson, conte sobre suas origens. Qual sua melhor memória da infância? Tinha medo de “assombração”?
Nasci em São Paulo, capital, em 2 de janeiro de 1982. Sou filho de Ana Célia da Silva e José Benedito Braghini. Tenho quatro irmãos: Cleonar, Juliano, Giselle e Henrique. Minha melhor memória são as férias na casa da minha avó Joana. Vínhamos várias vezes por ano de São Paulo para São Sebastião do Paraíso, até nos mudarmos para cá em definitivo. Minha avó me agradava no que podia. Avó que estraga neto. Só recordação boa! Assombração? Claro! Quem nunca teve medo ou correu quando era pequeno?
Qual sua formação? Onde estudou e trabalhou até chegar a Administrador do Cemitério?
Tenho Ensino Médio Completo feito na Escola Estadual Clóvis Salgado. Comecei a trabalhar aos 15 anos como auxiliar de escritório, depois como vendedor, frentista, cobrador, garçom, segurança, auxiliar de expedição. Em 2004, aos 22 anos, fui aprovado no concurso da Prefeitura e convocado em abril de 2008 para o Cargo de Encarregado de Obras. Em julho de 2008 fui transferido para o Cemitério. Em dezembro do mesmo ano acumulei os cargos de Encarregado de Obras e Agente Administrativo e assumi então a Administração do Cemitério. Desde então já coordenei mais de seis mil sepultamentos e uma equipe com 15 funcionários em diferentes frentes de trabalhos e obras.
Nestes 12 anos trabalhando no cemitério, algo te surpreendeu? Já vivenciou alguma situação estranha ou curiosa? Teve medo de algo?
Nada me surpreendeu mais do que as mortes por essa pandemia que estamos vivendo, pois a tristeza é muito grande! Agora, medo eu nunca tive, pois sempre mantive minha fé e tratei meu local de trabalho com muito respeito.
Ocorrem muitos casos de furto no cemitério?
Ocorrem alguns casos, mas que não chegam a ser constantes.
Professa alguma fé? Sente alguma energia diferente no cemitério?
Sou católico e devoto de Nossa Senhora Aparecida. Nunca senti nenhuma energia diferente, até porque procuro tratar tudo com muito respeito e tenho a fé em Deus que me sustenta!
Visitando o campo santo, vemos diversos mausoléus antigos abandonados. Algumas famílias não estão mais em nossa cidade para zelar por seus jazigos, muitos deles perpétuos. Algo pode ser feito a respeito?
Tenho um desejo antigo de fazermos um recadastro dos responsáveis pelos jazigos, que além de atualizar e organizar através de um software específico, levantaria os que estão em estado de abandono. Só então o poder público poderia tomar alguma providência.
Você lida diariamente com a morte. O que ela representa pra você?
A nossa criação exige sempre que sejamos os melhores para sermos vencedores. Não há espaço para perda ou choro. Ao contrário disso, lidamos diariamente com tristezas, frustações e perdas. Mas encaro isso tudo como uma missão, de estarmos no lugar e hora designados por Deus, onde tudo serve como aprendizado, por que é a partir desses momentos que nos fazemos melhores e mais fortes. A morte é tão natural quanto o nascimento, portanto temos que aprender a trabalhar as perdas em nossa mente, não para serem esquecidas, mas para que sejam superadas.
“Do pó viemos e ao pó retornaremos”. Você crê em vida após a morte? Ou acha que tudo termina no túmulo?
Existe vida após a morte e além do túmulo! Vida é obra, é sentimento e amor! Há muito amor e sentimento deixado por aqueles que partiram e que ainda permanecem vivos, seja dentro do sentimento de pessoas, ensinamentos, livros, construções, obras, etc. Enquanto houver uma pessoa lembrando-se de alguém que já partiu, este alguém permanecerá vivo.
Quais as datas e os túmulos mais visitados no cemitério?
A data de maior visitação é em 2 de novembro, Dia de Finados. Em seguida vem o Dia das Mães e logo o Dia dos Pais. Temos também constantes visitas à Capela da Mariana Marques, Capela do Zezé Rosa e o jazigo da Patrícia Braghini, inclusive todos eles são procurados até por pessoas de cidades vizinhas.
Recentemente foi inaugurado o “cemitério ecológico”, um paliativo para a situação de superlotação atual do cemitério. Há uma estimativa de quantos jazigos e pessoas sepultadas há no cemitério nestes pouco mais de 120 anos? (o primeiro sepultamento registrado data de 1899) Ainda há espaço? Em sua opinião, o que deveria ser feito para sanar esta questão?
Na verdade não é um paliativo, é um projeto que trabalho desde 2014 para que fosse implantado. Desde o início eu sabia que poderia estender a “vida” do Cemitério Municipal em 30 anos (ou mais). Por esse período a família paraisense continuará sepultando seus entes queridos em um mesmo cemitério, já que um novo exige tempo, um alto investimento e que seja afastado da cidade. Com o auxílio dos colegas de trabalho da Secretaria de Obras e muitas pesquisas, tivemos a oportunidade de aprimorar o projeto, tirá-lo do papel e chegar ao padrão que temos hoje. Estimo que tenhamos entre 45 a 50 mil pessoas sepultadas ao longo desses 120 anos e temos cerca de 7.500 jazigos numa área em torno de 65.000 m². Inclusive com o Cemitério Ecológico “Memorial da Saudade”, o projeto prevê a construção de 3.000 Lóculos Verticais Perpétuos, aumentando em 40% a capacidade de espaço perpétuo dentro do cemitério. O cemitério Ecológico é o que existe de mais moderno no meio funerário, pois o sistema adotado não agride o solo e não contamina o ar. É o processo mais próximo do natural e que respeita as mais diversas crenças religiosas. Além de ser um local apresentável, sem distinção e digno. Claro que a demanda por espaço nunca acabará, mas agora teremos um largo espaço de tempo para pensarmos novamente em uma área nova com novas tecnologias.
Atravessamos uma pandemia mundial que também nos atinge, tendo vitimado até o momento, 100 pessoas em nossa cidade. 2020 foi o ano com mais sepultamentos na história de São Sebastião do Paraíso? Como trabalhar com os rígidos protocolos e ao mesmo tempo ter que lidar com a dor das famílias que não podem velar normalmente seus entes queridos?
Creio que estamos passando pelo período mais difícil desta geração. Em 2020 alcançamos a triste marca de 578 óbitos/ano. Tínhamos batido um recorde em outubro de 2020 com 65 sepultamentos/mês. Mas em janeiro de 2021 vivemos um cenário de guerra! Com o quadro de funcionários reduzido, onde quatro da linha de frente se afastaram por Covid-19, atingimos inacreditáveis 88 sepultamentos em um único mês, um volume nunca visto antes na história. Todos os dias seguimos protocolos rígidos de segurança. Os velórios comuns tiveram seu tempo e número de pessoas reduzido. Já os acometidos pelo protocolo de Covid-19 a despedida é breve, sem que os familiares possam abrir ou tocar o caixão. É muito triste. Perdi uma amiga de serviço. Amiga mesmo! Não superei ainda! Mas a vida é essa, temos que engolir o choro e seguir, porque à frente temos outras famílias que ainda precisam de nós!
Você exerce uma função de muita responsabilidade e creio, de estresse. O que gosta de fazer para relaxar nas horas vagas? Tem algum hobbie?
Sou casado com Cristiane B. Goulart Braghini, tenho dois filhos: Cássio Augusto (19), Davi Luiz (05) e os enteados Adriano (18) e Thiago (12). Então no momento, o que tenho curtido de verdade e me feito feliz é minha família, meus filhos e esposa. Uma refeição juntos e um passeio quando possível, têm sido os meus melhores hobbies! Gosto de basquete, mas há muito tempo não pratico. Gosto também de carros antigos e admiro a cultura Rat Look (basicamente são carros com aspecto envelhecido e enferrujado, mas com total funcionalidade mecânica e elétrica), mas este gosto só tem me trazido prejuízo! (risos) Mas o importante é que em todos eles, fiz amigos!
Nossa cidade se aproxima de seu bicentenário. Se pudesse ofertar algum presente a ela, o que daria?
100% de imunização contra a Covid-19 e suas variantes. Seria um presente que eu gostaria de dar. Só assim para podermos dormir seguros e em paz!
Embora jovem, você acumula uma experiência de vida que poucos têm. Tem algum sonho ainda por realizar?
Tenho muitos sonhos. Quero alcançar o equilíbrio, em todos os aspectos, no sentido mais amplo da palavra na vida. Quero saúde para ver meus filhos saudáveis e encaminhados na vida. Quero continuar a crescer profissionalmente e dedicar-me aos estudos. Quero fazer muitas viagens em família. Quero envelhecer com minha esposa e netos. Quero continuar vivendo momentos felizes e de paz!