ELA por ELA

Neiva Aparecida Neves

Por: Reynaldo Formaggio | Categoria: Entretenimento | 24-04-2021 11:53 | 2070
Neiva Aparecida Neves
Neiva Aparecida Neves Foto: Arquivo Pessoal

Neiva Aparecida Neves, umas das educadoras mais respeitadas de São Sebastião do Paraíso, é sinônimo de coragem e determinação. Sexta dos sete filhos dos saudosos Luiz Neves e Olinda de Paula Neves, aos 15 anos abraçou a profissão que seguiria por toda a vida. À arte de ensinar, somou-se o dom para educar, tornando-se mãe e tutora de quatro crianças, hoje jovens já encaminhados. Às vésperas de celebrar oito décadas de uma vida dedicada à educação, Neiva compartilha generosa e abertamente suas impressões sobre aspectos profissionais e pessoais dessa jornada.

Neiva, quais são suas primeiras memórias? Algum fato em especial a marcou?
Recordações muito bonitas! Tivemos uma infância muito feliz e saudável. Meu pai, pequeno fazendeiro, nos transmitiu o valor à natureza. Parte das férias passávamos na Fazenda Santo Amaro, em contato com o café, o leite e os colonos. Papai nos fazia levantar cedo para respirar o ar da manhã. Era uma pessoa da roça, com uma grande inteligência. Ele e mamãe nos incentivavam a estudar. Lembro-me com carinho dos “causos” que os capangas contavam. Era um misto de medo e curiosidade ouvir histórias sobre a “mula sem cabeça”, entre outras. Saudade deste contato com estas pessoas muito amigas, fiéis e dedicadas...

Neste início de vida, alguma professora a inspirou? Como surgiu o interesse em seguir essa carreira?
Tive o privilégio de conviver com ótimas professoras. A primeira delas, ainda aos seis anos, foi a Odete Amaral, muito carinhosa e competente. Me alfabetizei nesta idade na Escola Interventor Noraldino Lima, à época estadual e recém-inaugurada. Não tinha idade para frequentá-la, mas me permitiram acompanhar meu irmão Luiz (Luiz Neves, dentista) que já tinha sete anos. Gostava e tinha facilidade para declamar e representar nos teatrinhos. Meus pais eram simples, ruralistas, mas sabiam prezar muito os estudos. Então ao término do ginasial fiquei sabendo de uma professora que se casou e deixou sua turma. Pedi uma oportunidade ao prefeito Sebastião Pimenta Montans e comecei na escola rural da Fazenda Água Limpa. O secretário estadual da Educação era o Clóvis Salgado e na sua gestão foi implantado o ISER – Instituto de Educação Rural. Fiz o curso e me aprimorei com a educadora húngara Helena Antipoff na Fazenda do Rosário em Belo Horizonte. Uma formação muito rica dentro e fora da sala de aula. Aprendíamos a lidar com as plantações, pequenas criações, uma ampla formação que nos deu excelente base.

Por quais escolas passou e quais cargos ocupou? Qual o momento mais marcante em todos esses anos?
Após este início na escola rural da comunidade Água Limpa, fui convidada para lecionar na Escola São João da Escócia, à época ligada à maçonaria. Ainda cursando o magistério no Colégio Paula Frassinetti foi feito convite para permanecer lá como professora. A Irmã Maria do Carmo Novaes, madre superiora que respondia pela escola, me deu todo apoio e suporte para que aceitasse o desafio. Prestei o exame de suficiência para lecionar Língua Portuguesa e também passei a trabalhar no então Ginásio Industrial, a atual Escola Estadual Clóvis Salgado. Me graduei em Letras pela Faculdade de Filosofia de Guaxupé e passei em concurso estadual para o cargo de inspetora. Conciliei por certo tempo todas as funções, trabalhando 64 horas semanais, fora o trabalho em casa, como elaborar aulas e provas.

Iniciando no magistério ainda muito jovem, também cedo a senhora se aposentou oficialmente. Mas a caminhada não parou e durante mais 20 anos, permaneceu em sala de aula. O que a motivava na profissão?
Sim, como iniciei muito jovem, com 25 anos de atuação já era possível requerer a aposentadoria. Me aposentei como inspetora e como professora, mas continuei por mais 20 anos em sala de aula. Na gestão do prefeito Waldir Marcolini, batalhamos junto aos alunos pela implantação do 2.º grau, à época colegial, em nossa cidade. A princípio em uma parceria entre estado e município, o curso funcionava na Escola Paraisense. Com diversas idas a Belo Horizonte conseguimos o terreno onde foi construída a Escola Estadual Professor Benedito Ferreira Calafiori. O que me motivava era o interesse demonstrado pelos bons alunos.

Gerações de alunos passaram pelas suas mãos. Costuma acompanhar a trajetória deles?
Sim, tenho ex-alunos que me visitam, telefonam... São boas e eternas amizades. É gratificante e muito nos satisfaz!

A senhora acompanhou muitas mudanças na Educação. O ensino melhorou, piorou ou são tempos diferentes?
Acho que são tempos diferentes. Temos que acompanhar. Consegui grandes evoluções em sala de aula como os teatros, os júris simulados que inspiraram muitos alunos a optar pelo Direito. Penso que por mais que a tecnologia auxilie devemos conviver com os livros, conhecer os clássicos. O passado não deve ser divorciado nem do presente nem do futuro. O passado é uma plataforma para o hoje.

O que mais a encanta em nossa Língua Portuguesa? O que pensa sobre as reformas ortográficas?
As reformas ortográficas são interessantes. A questão da acentuação, por exemplo. Nossa Língua Portuguesa é riquíssima e no Brasil, com extensão continental e diversas influências, em cada canto percebe-se ainda mais essa diversidade. A música brasileira, por exemplo, é muito rica. Algumas traduções do português não são tão boas, pois faltam recursos a muitos idiomas. Isso temos de sobra. Como traduzir “saudade”?

E sobre a família que construiu? O que representa pra você?
Nas férias acompanhava meu irmão, que visitava os filhos em Goiás e Mato Grosso. Quase na divisa com Rondônia conhecemos uma família muito humilde, eram oito irmãos que perderam a mãe. As meninas ficaram em minha família, sendo que duas foram acolhidas por mim. Arlete mora em Uberlândia, está com 41 anos, é casada e nos deu a Alice. A Ketty, com 40, escolheu se tornar professora, assim como eu. Após 15 anos da adoção das meninas, em visita ao Lar Pedacinho do Céu, me encantei com um casal de irmãos e também os adotei. A Gabriela está com 23 anos, estuda Enfermagem e já trabalha no setor de hemodiálise da Santa Casa. O João Vitor tem 20 anos, concluiu o 2.º grau e se qualificou como torneiro no Senai, hoje é um excelente mecânico. Sempre gostei de casa grande e cheia, então me sinto realizada. E contei com o grande apoio da Izilda, funcionária e amiga que sempre me orientou e deu suporte quando precisei me ausentar.

O que gosta de fazer? Tem algum hobby?
Cuidar das plantas, das cachorrinhas. Também da mente e do corpo. O cuidado nasceu antes do homem. Também gosto muito de viajar. Certa vez fui para Israel e chegando ao hotel, estavam tocando Tom Jobim. Havia um grupo de hóspedes mexicanos e começaram a tocar Roberto Carlos. Eles ficaram encantados, pois são muito fãs do nosso “rei”. Isso nos enche de orgulho!

Quais são suas predileções na Literatura? Tem algum autor favorito?
Vou citar três brasileiros que para mim são baluartes da nossa literatura: Machado de Assis, Guimarães Rosa e Carlos Drummond de Andrade. Aprecio literatura estrangeira, mas quase não me sobra tempo de tanto que gosto da literatura brasileira.

Se sua vida fosse transformada em livro, que título ele teria?
“A Vida é um Processo”.

Neste 2021 Paraíso completa 200 anos de história. Sabemos que a senhora ofertou grande parte da sua vida à educação e cultura dos nossos jovens. Se sente reconhecida e realizada? Mudaria algo em sua trajetória?
Me sinto muito gratificada. Sou realizada como pessoa e profissional.

Neiva, a senhora é uma mulher de fé? Acha que temos uma missão e propósito na vida?
Sou católica. Viemos ao mundo para nos aprimorar, sempre aprender. Nossa missão é reconhecer, fazer algo a favor de si e do próximo.

O que você diria para aquela jovem que entrou pela primeira vez em uma sala de aula para comandá-la?
Para mim mesma jovem diria: parabéns pela coragem! E para uma jovem iniciante diria para ter paciência, procurar compreender e pensar que por trás de toda atitude de um aluno, há uma razão para que ele aja assim.

Quem é a mulher Neiva hoje? Que balanço faz de sua trajetória?
Procuro ter minha vida em ordem. Aprendi no escotismo a manter a calma, tranquilizar para poder ajudar. Nas situações de dificuldade, refletir para depois agir. A yoga também me ajudou nisso, aprender a respirar, tranquilizar e refletir. O dia em que eu dormir para sempre, quero deixar tudo organizado. Avalio minha trajetória como muito positiva. Trabalhei muito e creio que tive mais acertos que erros. Usei meus erros para melhorar em todos os aspectos.