Cresci numa época em que em muitos quintais havia criação de porcos e galinhas. Apesar de haver muitos açougues pela cidade, grande parte da população ainda tinha isso como costume. Eram cruéis as formas de abate e, quando era de um porco, a população toda do bairro ficava sabendo do sacrifício. O criador, geralmente, distribuía partes do suíno àquelas famílias que contribuíam com “lavagem” para a sua engorda, e isso era uma forma, também, de “indenizá-las” pelo mau odor na vizinhança.
A criação de galinhas era mais comum, pois, além da carne, elas forneciam ovos e o esterco utilizado na horta e no jardim, coisas raras nas residências atuais.
Tivemos uma grande evolução no tão justificável bem-estar animal irracional, apesar de ainda existir o transporte por longas distâncias de animais engaiolados para serem abatidos e o tráfico de animais silvestres. Mas, infelizmente, não vejo todas as mudanças na cultura urbana como positivas.
Hoje, quase não vemos passarinhos em gaiolas, o que é muito bom, mas são raras as residências com horta no quintal e jardim enfeitando a sua frente, espaços na maioria dos casos ocupados pelos bichos de estimação.
As escolhas intramuros das residências são de seus moradores, desde que respeitando as regras da civilidade e o meio ambiente, também arcando com o seu custeio.
Eu escolhi ter horta e jardim em casa e a minha interação com os bichos é limitada a colocar água e comida para os passarinhos, que retribuem com seus cantos, como que um tributo.
Assim como não cabe ao Poder Público o cuidado da horta e do jardim aqui de casa, que não incomoda ninguém e ameniza o impacto da urbanização, eu acredito que não caberia a ele cuidar dos animais de estimação que tenham o seu tutor, principalmente em uma época de escassez de recursos e havendo fila de cidadãos à espera de remédios, próteses ortopédicas e outras tantas carências.
Inconformado com as prioridades nas políticas públicas, vou atravessando as noites mal dormidas ao som de corais caninos e namoros felinos, esperando que um dia tenhamos “A revolução dos bichos às avessas”, que haverá de deixar nítida a fronteira entre o bicho e o homem.
Onde começa um e termina o outro.
E por mais respeito que tenha pelos irracionais e que a cultura contemporânea tente infundir em minha mente alguns de seus valores, jamais, no gozo da consciência, serei “súdito” de algum pet, a menos que a “Majestade” seja um bem adestrado e providente Cão-Guia.
João Bosco Vilar