O pianista Tullio Costa é um dos grandes talentos de São Sebastião do Paraíso. Aos 33 anos, já percorreu um longo caminho na música, seja executando peças dos maiores nomes do piano, ensinando o mesmo instrumento, compondo e produzindo musicais. Apaixonado pela Psicologia, o filho de Elenita Michelato da Costa e Carlos Roberto da Costa, irmão de Carina Costa, está em constante busca de sua evolução. Nesta entrevista Tullio revela com sinceridade e espirituosidade, suas impressões sobre os desafios que vida nos apresenta.
Tullio, quais suas primeiras memórias? Algum fato em especial te marcou?
Minhas primeiras memórias remetem a casa dos meus avós maternos e paternos. Duas passagens são muito lúcidas nas minhas lembranças. Uma delas aos cinco anos de idade, quando cortei a ponta do meu dedão da mão esquerda com uma faca, na tentativa de esculpir algo num pedaço de madeira. Minha mãe quase morreu de susto nesse episódio (risos). A segunda memória, também dos meus cinco anos, é da minha cirurgia de amígdalas e adenoide que como recompensa, ganhei um chuveiro novo do meu pai. “Um chuveiro?” (risos) Sim! Eu tinha verdadeira fixação em desmontar coisas e ver como elas funcionavam e os chuveiros me chamavam muito a atenção. Me lembro ainda de estar sonolento após a cirurgia e ver o meu pai entrando no quarto do hospital com um chuveiro lindo, na embalagem pra me presentear. Vai entender, não é? (risos)
Você se lembra da primeira vez que viu um piano? Como a música entrou na sua vida?
Lembro que o meu primeiro grande impacto com a Música, foi quando ouvi a Sonata Appassionata n.º 23 Op.57 do Beethoven. Acho que foi pela televisão, em alguma novela ou algo assim. Lembro que eu fiquei extasiado com aqueles acordes imensos e barulhentos. Aquilo era bonito demais e pedi para os meus pais para aprender Música. Ganhei um violão de presente. Chegando para as aulas, o que havia na sala? Um piano! Pronto, o resto vocês já podem imaginar. Comecei a aprender música aos 11 anos de idade e aos 12 anos, já tinha uma primeira aluna.
Em 2010 você obteve sucesso de público e crítica ao montar o musical original “Lua Cheia – O Galo Socorro” (ao lado de Adriano Lima). Como foi o processo de construção da peça e a receptividade do público?
Em 2009 eu havia encerrado um relacionamento importante na minha vida e as coisas não estavam fáceis pra mim. Havia vendido o meu piano e tinha somente um teclado em casa. Eram noites e noites de insônia. Em uma dessas madrugadas com a lua alta no céu, comecei a ouvir um galo cantando em alguma horta vizinha e a sensação que tive é a de que ele cantava “socoooorro!”. Corri para o teclado e escrevi uma música curtíssima que chamei de “Lua Cheia – O Galo Socorro”. Contando essa passagem para o Adriano Lima, ele desenvolveu o meu relato numa crônica de duas páginas: uma história de amor tragicômica entre o galo Socorro e a galinha Lua Cheia. Era o que precisávamos para fazer daquela primeira música de um minuto e meio, um show de quase duas horas com 28 músicas originais. Foi uma delícia receber, a entusiasmada reação dos paraisenses. Alguns me procuram ainda, perguntando quando teremos o Galo Socorro novamente. Bem! Eu espero que isso aconteça outra vez.
Estudos e aperfeiçoamento são constantes em sua trajetória. Como foi sua formação e os principais cursos que realizou? Algum mestre o marcou em especial?
A formação tradicional, fiz na E. M. Interventor Noraldino Lima, E. E. Coronel José Cândido, E. E. Paraisense que marcou minha história pra sempre com o Natal de Luz e a E. E. Benedito Ferreira Calafiori. Ao mesmo tempo em que fazia o ensino médio, cursava semanalmente o técnico em Piano Erudito em Ribeirão Preto, no Conservatório Heitor Villa-Lobos com a magnífica mestra Lúcia Maria Madeira. Depois fiz um ano de Composição na Universidade Livre de Música – Instituto Tom Jobim em São Paulo na sala do grande mestre e compositor Edmundo Villani-Côrtes e agora por último, cursei quatro anos de Psicologia na UNIFRAN. Tenho muitos mestres queridos e fundamentais em toda a minha história até aqui. Todos esses professores me marcaram de maneira especial e única. Muita gratidão a todos eles.
Além de pianista, você é professor do instrumento. Como é transmitir o conhecimento pela música?
Acredito que ser interprete no piano e ao mesmo tempo professor, possibilita transmitir um pouco do “mundo real” do piano na prática. Uma coisa é você apenas ouvir os alunos praticando métodos infinitos e a outra é você provocar neles as dificuldades que você próprio encontra no seu próprio dia a dia como intérprete. O estudo da Psicologia com absoluta certeza contribuiu para que eu repensasse completamente a minha metodologia e o como fazer a ponte entre o aluno e o piano. Eu me divirto muito com isso. Acho incrivelmente prazeroso dar aulas. Cada aluno sempre me desvela um mundo absolutamente novo de possibilidades.
É difícil viver de arte? E é possível viver sem ela?
Viver, por si só já é difícil (risos). Num país como o Brasil, atualmente regido por um governo bestial, incompetente e omisso também com a Cultura, as artes são vistas muitas vezes como algo frívolo. Essa mentalidade dificulta muito as coisas. Porém temos pessoas, grupos e instituições incríveis que valorizam, apoiam e ajudam a propagar as artes, fazendo com que seja possível sim, viver da mesma. Não é fácil, mas é possível e me sinto orgulhoso disso. Uma vida sem arte seria impensável pra mim.
Atravessamos uma grave e longa pandemia. Quais os desafios enquanto artista, você enfrenta e como está sendo esta adaptação?
Enquanto professor, precisei me adaptar às aulas online. Uma novidade pra mim enquanto professor de instrumento. Levo isso de maneira muito positiva, pois consegui ampliar o alcance das minhas aulas. Tenho hoje alunos em Franca, São Paulo, Belo Horizonte, EUA, Europa, etc. Tenho também alunos individuais e presenciais em Paraíso. Por outro lado, perdi grande parte da minha renda com eventos como os que faço, por exemplo com o “Grupo Musical Luciano Altran”. É uma fase especialmente desafiadora pra quem trabalha com eventos. Tenho esperanças de que, se levarem a sério a crise sanitária e aumentarem as ofertas de proteção através das vacinas para toda a população, o cenário poderá mudar rapidamente.
Além da música você também estuda Psicologia. De onde surgiu o interesse pela área?
Acredito que estar imerso nas artes desde os onze anos de idade, me fez entrar em contato com muitas emoções e questões próprias da existência humana em geral e as minhas também. Penso que as artes e a “Ciência da Alma”, a Psicologia, conversam e convivem muito bem entre si. A Psicologia sempre foi uma paixão na minha vida, então pensei: Por que não? (risos)
Tullio, pra você, qual o sentido da vida?
O sentido da vida pra mim é poder ser absolutamente livre e poder escolher o tipo de música que se prefere dançar.
Ainda jovem você já percorreu muito chão. No que essas experiências contribuíram pra você ser o que é hoje?
São muitas histórias, algumas gotas de clonazepam e muita coragem! (risos) Toda experiência, positiva ou não, me compuseram como sou hoje e estou bem com isso. Acredito que sou bem mais cauteloso com minhas relações pessoais e aos 33 anos, tenho sentido bem mais a minha coluna (risos). Estou sempre buscando me sentir melhor comigo mesmo, minhas ideias particulares e tentando afinar tudo isso com o meio. Melhorar, corrigir, aperfeiçoar, lapidar sempre!
Você faz planos? Quais são suas metas? Tem algum sonho a realizar?
Gosto do improvável. O impossível me atrai fortemente. Ultimamente, meu sonho é poder assistir o final desse pesadelo que todos estamos vivendo. Ver a minha família saudável e segura, ver os amigos bem, tocar o meu piano, escrever minhas músicas e quem sabe um novo musical? Quanto aos planos, sou muito oscilante.
Você também teve uma passagem pela Secretaria Municipal de Cultura. Como foi essa experiência?
Foram três anos de muita aprendizagem e fiz bons amigos ali. Demos palco para que os artistas mostrassem os seus trabalhos. Guardo memórias carregadas de carinho e criatividade pura dessa época, porém declinaria de imediato caso houvesse algum outro tipo de convite para retornar para a iniciativa pública nos dias atuais.
Neste 2021 Paraíso completa 200 anos de história. O que daria de presente para a cidade?
Eu daria oportunidades de diversão e acesso farto à Cultura. Abriria teatros, casas de espetáculo, cinemas, bibliotecas, pinacotecas, danceterias talvez (risos). Tudo o que pudesse ser útil e servisse como um bálsamo, pós esses momentos tão dolorosos e sombrios.
Quem é o Tullio Costa hoje? Como se vê daqui a 30 anos?
Tullio Costa hoje é um homem inquieto pelas questões atuais do seu país. Ele é esperançoso e empático com o sofrimento alheio. Completamente criativo e que desfruta de uma gostosa solitude em seu apartamento. Ele é uma pessoa simples, porém muito complexa. Um paradoxo? Eu realmente espero chegar aos 63 anos de idade (risos). Olho pra essa possibilidade e me calo. Posso ser tantas coisas até lá. Inclusive nada de muito especial.