ELA por ELA

CLAUDIA COSTA

Por: Reynaldo Formaggio | Categoria: Entretenimento | 17-07-2021 13:40 | 5795
Foto: Arturo Paulino

Bertold Brecht afirmou que "há os que lutam um dia e são bons, outros lutam um ano e são melhores, há os que lutam por muitos anos e são muito bons. Mas há os que lutam toda a vida e estes, são imprescindíveis". Aos 48 anos, a paraisense Claudia Costa certamente é uma dessas pessoas. Filha do saudoso Daniel Joaquim Antonio e de Alice Maria Antonio, Claudia cresceu com sólidos princípios cristãos ao lado dos irmãos, Daniel (in memória) e Paulo. Missionária há mais de vinte anos, ela seguramente é luz no mundo. Nesta entrevista, Claudia recorda seus passos, compartilha suas experiências e vislumbra um mundo mais fraterno e justo, para todos.

Claudia, quais suas origens? O que a família representa pra você?
Venho de uma origem simples e uma família batalhadora. Meu pai começou como sapateiro e depois tornou-se funcionário do antigo Banco Credireal, minha mãe, do lar. Sou a caçula de três filhos. Fui a rapa do tacho. Somos evangélicos, membros da Igreja Presbiteriana, criados dentro dos princípios cristãos. E meus pais nos ensinaram valores que nos moldaram como pessoa, como amor ao próximo, respeito, bondade, honestidade, solidariedade, compromisso, perseverança, entre outros. A família para mim é a base, o fundamento que define quem somos.

Onde estudou e que memórias traz de seu tempo de escola?
Comecei no antigo Chapeuzinho Vermelho com a saudosa Tia Edmée e muitos dos meus colegas do Jardim da Infância seguiram comigo na jornada escolar. Depois estudei no Campos do Amaral, no Paraisense e fiz parte da primeira turma do Ditão. Participei de todo o processo de reivindicação e conquista de uma escola de Ensino Médio para nossa cidade. (A Neiva Neves comentou disso na entrevista dela). Que saudade daquele tempo! Tenho ótimas memórias, assim como bons e queridos amigos que continuo em contato e que fazem parte de quem sou e da minha história. Éramos muito dedicados nos estudos e nos divertíamos muito, sempre prontos pra ajudar uns aos outros. Fiz faculdade de Letras em Passos, trabalhei como professora de Português por dois anos no Ditão e depois na Superintendência de Ensino por vários anos até minha saída de Paraíso.

Como decidiu se tornar missionária e o que é preciso para seguir essa carreira?
Como membro da Igreja Presbiteriana, sempre estive envolvida tanto no serviço da igreja local como em compartilhar do amor de Deus às pessoas e cresci com esse desejo. Eu ficava muito tocada em ver e ouvir a necessidade das pessoas especialmente em lugares mais remotos, o que me despertava o desejo de ajudar. Com isso em mente, orava a Deus por direção nas decisões e para que Ele abrisse portas, também buscava conselho e orientação daqueles mais experientes. Com o apoio da minha família e igreja, resolvi fazer um curso de Missôes pra entender um pouco mais desse universo e ser mais efetiva no trabalho. Foi um ano de estudo intenso sobre bases bíblicas, evangelismo, cosmovisão e culturas, antropologia, trabalho em equipe, linguística, projeto social, etc... Atuo numa organização internacional chamada OM – Operação Mobilização. É uma agência missionária que atua em mais de 120 países nas mais diversas áreas, dentre elas apoio a igrejas locais, educação e desenvolvimento pessoal, evangelismo, ação social, desenvolvimento de comunidades, justiça, etc. Também temos um navio, o Logos Hope com uma tripulação internacional de cerca de 400 pessoas que viaja o mundo levando ajuda, esperança e conhecimento. Para quem quiser conhecer melhor este trabalho, convido para conhecerem o site: www.om.org/ships

Nos conte um pouco sobre sua trajetória de missionária. Por quais lugares passou, onde se encontra atualmente e quais os maiores desafios dessa jornada?
Servi por dois anos no Brasil como professora de Inglês a candidatos em treinamento para servir em outros países e logo fui para o Leste Europeu onde atuei por cerca de 17 anos, morando na Bósnia-Herzegovina até o ano de 2019. Cheguei num país bastante destruído pela guerra e iniciando um processo de reconstrução. Ali trabalhei junto a uma equipe internacional envolvida na ação social e desenvolvimento comunitário tendo como base o Evangelho de Jesus. Também atuei em outros países dos Balcãs como Sérvia, Kosovo, Albânia e Montenegro, no auxílio a refugiados. Com o passar dos anos, Deus foi “alargando minhas tendas” e passei a atuar em diversos países da Europa como parte da liderança internacional da organização. Hoje, atuo como diretora na OM para a América Latina provendo liderança e dando cobertura às nossas equipes de trabalho e projetos em todo o continente.

Neste momento em que o mundo atravessa uma grave pandemia, como você acompanha a solidariedade entre os povos?
Esse princípio de solidariedade tem crescido e isso, na maioria das vezes, entre os mais vulneráveis que compartilham do pouco que tem e disponibilizam de seus dons e talentos em favor do próximo, na luta por sobrevivência. Ainda temos muito a aprender nesse processo e sermos mais generosos.

Qual a situação mais difícil que já passou?
Acho que foi na onda de refugiados vindos do Oriente Médio, chegando à Europa. Muita gente, fugindo da guerra e procurando abrigo e um futuro melhor. É de cortar o coração ver o desespero daquelas pessoas, ouvir suas histórias e as condições em que se sujeitam passar e muitas vezes não ter recursos suficientes para ajudar. Mais triste ainda ver famílias separadas, gente desaparecida e a luta para encontrar entes queridos. Madrugadas e longos dias a céu aberto nos campos entre as fronteiras de um país e outro ficarão pra sempre marcados na minha mente.

Se não fosse missionária, o que escolheria fazer?
Pergunta difícil essa porque amo o que faço. Provavelmente estaria envolvida em educação, na área de desenvolvimento de pessoas. Ou quem sabe na área de serviço social e cuidado de pessoas. Com certeza seria algo envolvendo gente.

Nas raras horas de lazer, o que gosta de fazer?
Gosto de assistir um bom filme, ler um bom livro pra ficar tranquila, apreciar a paisagem num tempo mais reflexivo sem pressa e sem muita gente em volta. Mas também curto muito estar com os amigos para um bom papo, um café gostoso e acompanhado de muita risada. Tento conciliar os dois!

Há os que dizem que vivemos “o fim dos tempos”. Por outro lado, nunca houve tantas ONG (organizações não governamentais) e entidades filantrópicas nas mais diversas áreas e segmentos da sociedade. O mundo tem salvação, Claudia?
O trabalho das ONG e entidades filantrópicas é importante e parte do nosso papel como seres em comunidade desafiados a servir o próximo. No entanto, se olharmos pela perspectiva humana do aqui e agora numa visão de futuro condicionada a bondade e ação do ser humano teremos uma falsa esperança e isso é frustrante. Quando olhamos para a Bíblia, mais especificamente o Evangelho de Mateus capítulo 24, vemos Jesus advertindo seus discípulos de que as coisas ficariam difíceis, se multiplicaria a iniquidade, o amor se esfriaria, e coisas muito ruins iriam acontecer e então viria o fim. Esse mesmo capítulo nos diz que a vitória está na volta de Jesus e sua vitória sobre o mal. E isso nos traz uma esperança viva. Nossa confiança e esperança devem, portanto, estar firmadas em Deus, Nele está a nossa salvação.

Sabemos que você é uma mulher de fé. Qual o sentido da vida? Para onde vamos?
De fato, me considero uma mulher de fé que busca viver dentro da vontade de Deus. O sentido da vida está em Jesus. Ele oferece vida abundante àqueles que aceitam Seu sacrifício na cruz e vivem uma vida de comunhão com Ele. Está em nossas mãos a decisão de segui-Lo e viver uma vida com propósito. 

Se você tivesse o dom de mudar alguma coisa no mundo, o que faria?
Eu trabalharia no esforço de trazer mais amor, mais empatia, mais generosidade, mais solidariedade, menos egoísmo, menos arrogância, menos intolerância...

Você pertence à um grupo religioso e provavelmente teve atuação e contato com pessoas que professam outras crenças. É latente os inúmeros casos de intolerância religiosa, racismo, homofobia, xenofobia, misoginia, entre outros. O que é preciso para combater preconceitos de qualquer ordem? Já sofreu algum?
O preconceito existe em todas as camadas da sociedade. Infelizmente isso se dá porque o ser humano se sente melhor que outros. Jesus deixou-nos um exemplo a ser seguido que vai além de grupos religiosos. Através do mandamento, ‘amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos’, Ele nos deixa o desafio e modelo de amor ao próximo, amor aos Inimigos, amor aos excluídos... E esse amor perfeito nós só encontramos em Deus. Sim, já sofri preconceito por causa da cor da minha pele, por ser mulher numa posição de liderança, por ser estrangeira e por aí vai. Mas a gente aprende com isso enquanto somos confrontados com nossos próprios preconceitos sejam eles conscientes ou inconscientes.

Se arrepende de algo? Faria escolhas diferentes?
Não me arrependo de nada que já fiz até aqui e não faria nada diferente. A gente cresce, amadurece e aprende até mesmo com escolhas que nos pareceram erradas. As experiências que vivemos moldam quem nós somos. 

Quem é a Claudia hoje? Como se vê daqui a trinta anos?
Acho que a Claudia hoje é alguém plena, feliz, amada, cheia de vida, sensível ao que se passa ao redor (acho que com os anos isso aumenta) com um coração aprendiz e uma bagagem enorme de experiências e vivências que moldam e movem a maneira de ver as coisas. Em trinta anos quero ainda continuar aprendendo e compartilhando com outros o que tenho vivido.