"Um país se faz com homens e livros", já dizia Monteiro Lobato. O livro por sinal, é uma das maiores paixões da paraisense Regina dos Reis Corsi. Regina sempre se viu cercada por outras grandes mulheres. Sua mãe, a saudosa costureira Terezinha dos Reis Corsi foi seu primeiro exemplo, assim como o pai, o também saudoso curtidor Geraldo Lino Corsi. Cresceu entre brincadeiras com a irmã, a também exímia educadora Ruth Corsi, além de desfrutar da companhia da filha Fernanda, da sobrinha Semíramis e da neta Giovanna. Com grande parte de sua vida dedicada à Educação, Regina representa nesta entrevista todos os professores que têm seu legado comemorado no dia 15 de outubro.
Como era a Regina criança? Você mais brincava ou brigava com sua irmã Ruth?
Era tímida, porém amava brincar. Além de minha irmã Ruth, que também era amiguinha de brincadeiras, havia as vizinhas que à tarde se juntavam para se divertirem conosco. Eram brincadeiras antigas: roda, ciranda, os marinheiros, pega lencinho, esconde varinha, passa anel, boca de forno, pular maré, pique-esconde, entre outras. Eram tempos simples, tínhamos poucos brinquedos, mas muita interação. Brincávamos muito na rua, mas sempre sob os olhos e cuidados do meu pai e da minha mãe. Inclusive, na rua em que eu morava não havia luz elétrica e meu pai improvisava uma lâmpada puxando a energia da nossa casa, ligando a luz para a rua e apagando quando chegava a hora da vizinhança ir dormir. Eu e Ruth não brigávamos, minha mãe dizia para nós: “- Só vale ranhetar” (risos). Havia um senso de justiça entre meus pais para conosco, repartíamos tudo.
Como foi seu tempo de estudante? Algum professor em especial a marcou?
Estudei na antiga Escola Estadual Noraldino Lima, hoje municipalizada, e depois no Colégio Paula Frassinetti, porque minha mãe já visualizava as filhas sendo professoras. Para estudar no Colégio, uma escola particular, fui indicada a prestar uma prova e ganhar uma bolsa de estudos para os quatro últimos anos do Ensino Fundamental. Como me destaquei nessa prova, meus pais não precisaram se preocupar em pagar o Colégio, o que seria muito difícil tendo em vista que sou filha de operários. Todas minhas antigas professoras foram muito importantes para mim. No Noraldino Lima, destaco a Dona Terezinha de Pádua, que era meiga, paciente e carinhosa. No Colégio, vai meu carinho, especialmente para a Madre Amaral (professora de Geografia) e para a Madre Morais (professora de Francês). Sempre fui uma aluna dedicada, chegando ser líder de sala, pois buscava merecer e agradecer pela bolsa de estudos que recebia e pelo esforço dos meus pais.
Qual a sua formação e como decidiu seguir carreira no magistério?
Sou professora formada pelo Magistério no Colégio Paula Frassinetti e, logo após essa primeira formação, comecei a trabalhar como docente, economizando para realizar a graduação no Ensino Superior. Sou formada em Letras, com habilitação em Língua Inglesa, pela Faculdade de Filosofia de Passos, atual UEMG. Sou também pós-graduada em Matérias Pedagógicas pelo Centro Universitário Claretiano de Batatais. Apesar de minhas formações em instituições de ensino, eu possuía uma força de vontade muito grande em aprender vários conteúdos, o que muitas vezes eu fazia estudando para dar minhas aulas. Lembro-me de comprar coleções de discos de ensino de inglês e estudar sozinha madrugada adentro, com a ajuda da minha mãe que tomava as lições mesmo não sabendo Inglês. Decidi ser professora com incentivo da família, eu gostava de ensinar e de aprender.
Em quais escolas atuou?
Iniciei minha carreira como professora em escolas da Zona Rural de São Sebastião do Paraíso: no Bairro dos Varões lecionei para adultos em um curso noturno e na Fazenda Olhos D’Água para crianças. Trabalhei também com crianças na Escola Estadual Paula Frassinetti (antigo Coleginho) que, inicialmente, era dentro do Colégio. Voltaria a atuar nesta escola anos mais tarde, quando ela já se encontrava alocada no bairro São Judas e sendo dirigida pela minha irmã Ruth. Ainda no Ensino Fundamental, lecionei na Escola Estadual Ana Cândida de Figueiredo. Quando lecionava em escolas rurais e no Coleginho, no entanto, prestei um concurso para trabalhar na extinta Minas Caixa, como bancária. Trabalhei na Minas Caixas por 16 anos, mas nunca deixei de lecionar, atuando como professora de Língua Portuguesa e Literatura para o Ensino Médio e Inglês para o Ensino Fundamental na inesquecível e estimada Escola Técnica de Comércio, sob a direção do Monsenhor Mancini e depois do Monsenhor Hilário. Quando a Minas Caixa fechou, voltei às minhas origens de professora de ensino público, prestando um concurso que me levou a atuar no Ensino Médio da Escola Estadual Clóvis Salgado, onde me aposentei como professora. Concomitante ao cargo da Escola Clóvis Salgado, como funcionária da Minas Caixa que tinha passado pelo fechamento, fui direcionada para outro cargo de acordo com minha escolha, passando a atuar também na Superintendência Regional de Ensino.
Quando surgiu seu interesse por Literatura?
Meu interesse por Literatura surgiu especialmente quando cursei o Magistério no Colégio Paula Frassinetti, pois tive duas mestras que gostavam muito de escrever poesias e de nos incentivar a ler e escrever, as Madres Alves e Pereira. Mas minha mãe também gostava de ler e nos incentivava a ler. Além delas, meu Tio Morival Reis, irmão de minha mãe e então estudante de Direito, sempre presenteava a mim e à Ruth com coleções de literatura.
Quais seus gêneros e autores favoritos?
Meus autores preferidos são especialmente os escritores da literatura nacional e em português. Gosto muito de Machado de Assis, Fernando Pessoa, Clarice Lispector e o grande poeta Carlos Drum-mond de Andrade. Gosto também de Literatura Infantil, como os livros para crianças de Olavo Bilac e de Cecília Meireles, entre outros. Em termos de gênero literário, amo o Romantismo, o Realismo e o Modernismo. Atualmente estou lendo “Livro do Desassossego”, de Fernando Pessoa, considero essa obra como o gênio de Pessoa em seu auge.
Como vê a Educação atualmente?
Embora tenha havido uma espécie de democratização do Ensino nas últimas décadas, com o acesso de crianças e adolescentes em maior número às escolas e à internet e, depois, às universidades, o que é certamente positivo, ainda temos muito que lutar para um Ensino público igualitário e de qualidade. Com a chegada da pandemia, lógico que houve retrocessos, pois pelo tamanho e abismo social do Brasil e necessidade ainda maior da internet, muitos ficaram sem acesso ao Ensino formal. Acredito que os resultados desse abismo que aumentou com a pandemia, serão sentidos nos próximos anos de forma muito negativa. Porém, gostaria de destacar que mesmo em meio a essas dificuldades tenho visto um esforço enorme dos meus colegas de profissão, que mesmo muito desvalorizados não têm medido esforços para levar seu conhecimento aos estudantes.
Quais os maiores desafios que enfrentou na sua profissão?
Certamente é a desvalorização dos governos e de órgãos que fiscalizam a Educação. A parte física das escolas públicas muitas vezes é ruim, maltratando os alunos em sua infraestrutura. Há famílias que apoiam e incentivam seus filhos, mas há muitos casos em que isso infelizmente não acontece por falta de estrutura, pelas condições sociais e pela necessidade de que os estudantes trabalhem para ajudar financeiramente em casa, prejudicando seus estudos. Acredito que com bons governos essa situação poderia mudar, pois os estudantes mais carentes precisam de auxílio para não parar de estudar. No entanto, não vejo com otimismo, para tão breve, algum tipo de mudança positiva neste sentido.
Conte-nos sobre a família que constituiu.
Fui casada e hoje sou divorciada. Tenho uma filha, Fernanda, formada em Enfermagem pela UEMG e em Direito pela Libertas. Tenho uma neta de 13 anos, a Giovanna, cursando o oitavo ano na Escola Galileu. Somos uma família de mulheres muito unidas e amigas.
Nesta semana comemoramos o Dia do Professor. Em sua opinião, qual a importância do professor para a sociedade?
Mais do que nunca, penso que a pandemia veio para nos provar que os professores são extremamente importantes para a formação do ser humano, pois, tendo nossas escolas fechadas por conta das necessidades de distanciamento social, muitos pais passaram a perceber como é importante um profissional com formação e conhecimento para ensinar. Penso que, quanto aos conteúdos gerais e éticos, todos podem e devem passar, porém o conhecimento pedagógico é algo que somente pessoas com formação e dedicação realmente possuem. Diante disso, gostaria muito de ver minha categoria mais valorizada.
Nossa cidade se aproxima de seu bicentenário. Que presente gostaria de ofertar a Paraíso?
Uma geração de habitantes mais éticos, cidadãos e cidadãs honrados e honradas, com consciência política e olhar em busca de um futuro melhor.
Qual a maior lição que aprendeu em sua vida?
Vindo de meus pais, aprendi que deveríamos ser respeitosas, generosas, esforçadas em nossos estudos e trabalhos, valorizando os feitos e a memória de nossos ancestrais.
Regina, tem algum arrependimento? Faria escolhas diferentes?
Não tenho arrependimentos, tudo que fiz em minha vida pessoal e profissional, está feito. Porém, se os rumos políticos do Brasil continuarem como estão, com a desigualdade, corrupção e autoritarismo aumentando, gostaria de viver fora daqui. Amo nosso país e nossa gente, mas tenho me entristecido muito com sua atual situação. Hoje mesmo, vi uma matéria sobre a situação dos brasileiros e brasileiras em relação à falta de comida e me emocionei muito quando uma senhora e um senhor foram mostrados abrindo sacos de lixo de um supermercado contendo ossos e alimentos vencidos que pegaram por não ter alimento em casa.
Quem é a mulher Regina hoje? Algum sonho a realizar?
Tudo que sou hoje devo às muitas quedas que sofri e que me ensinaram a ser forte. Sou destemida pelas decepções, é um cair e um levantar, e seguir em frente. Sonhos são desejos intensos que temos em diferentes áreas e épocas da vida. Em termos de sonhos, penso na família e nos amigos. Tenho coragem na vida e minha motivação sempre será minha família. Para finalizar, deixo um pensamento de Clarice Lispector: “Não sei amar pela metade. Não sei viver de mentira. Não sei voar de pés no chão. Sou sempre eu mesma, mas com certeza não serei a mesma para sempre”.