"Somos espíritos eternos a caminho da plena evolução". Nesta caminhada, cada ser é único, definitivamente. Nas entrevistas, revelar a idade é opcional. Pois Marilisa Felício Grande Vergani sabe o valor de cada um dos 56 anos e 10 meses dessa trajetória terrena e agradece cada dia dessa jornada. Gratidão é palavra praticada por ela e, mesmo nas vicissitudes apresentadas, Marilisa extrai um aprendizado. Mulher, filha, irmã, amiga, esposa, mãe, espírita, economiária aposentada da Caixa Econômica Federal, palestrante... São muitas atribuições e lições que, generosamente, Marilisa compartilha nesta entrevista.
Marilisa, nos conte sobre seus primeiros anos.
Nasci em São Paulo, filha de Neusa Formagio Grande e Vanderlei Felício Grande. Convivi mais com meus pais e minha irmã caçula, Maristela, embora desde pequena tivesse grande afeição pela família de meus pais, principalmente meus avós, tios e primos, pelos quais sempre tive muito amor. Cursei o primeiro grau (ensino fundamental hoje) no estado de São Paulo. Com 8 anos, minha família mudou-se para Ribeirão Preto, ficamos assim mais próximos de nossos parentes. Quando fiz 14 anos meus pais voltaram para Paraíso, fiquei mais um ano em Ribeirão morando com minha avó paterna para concluir o primeiro grau.
Você aprendeu piano, pintura, sempre apreciou música, cinema e todo tipo de manifestação artística. A arte sempre esteve presente em seu lar?
Com certeza! Meus pais, apesar de possuírem pouca instrução formal, sempre adoraram ler, principalmente minha mãe, que sempre foi uma “rata” de biblioteca, tendo trabalhado na Biblioteca Municipal Professor Alencar Assis durante alguns anos. Meu pai sempre amou cinema e até colecionava figurinhas com os astros de Hollywood e da Cinelândia. Minha mãe sempre adorou os grandes pintores, principalmente Van Gogh. Meu pai também amava as grandes orquestras: Glenn Miller, Franck Pourcel, Billy Vaughn, cantores mexicanos como Miguel Aceves Mejias, o americano de origem italiana Mario Lanza... Também gostavam de música sertaneja de raiz, samba, Luiz Gonzaga, Elis Regina, Roberto Carlos, Vicente Celestino, Dalva de Oliveira, Nelson Gonçalves, Elizete Cardoso, bossa nova e rock (Elvis, Jovem Guarda). Então posso dizer que tive uma boa base eclética na minha formação cultural.
E sobre o tempo de escola? Algum professor em especial a marcou?
Meu Deus! Sem medo de errar posso dizer que todos meus professores me marcaram de alguma forma e tenho tanto o que agradecer-lhes. No primeiro ano tive a Dona Elisabete, em São Paulo ainda, que transformou um depósito numa linda sala de aula... Em Ribeirão tive o Sr. Horácio, que era um sargento do Exércíto maravilhoso, Dona Emília – professora de matemática excepcional, e Dona Regina de educação artística e do trabalho, que me ensinou técnicas que até hoje uso. Aqui em Paraíso, a magnífica Dona Neiva Neves, no colegial; Cirene Amaral no magistério; Professor Carmo Perrone Naves, que conseguiu manter a Escola Benedito Ferreira Calafiori nos fundos do Paraisense, às vezes literalmente carregando os alunos para que a escola não fechasse. Na faculdade o Dr. Vilobaldo, (que fez verdadeiras peripécias para conseguir concluir as negociações do prédio do Seminário), Dona Arlete, minha querida amiga (gênio da matemática e da física), Silas e Branca, José Editis, Jane, Silvana, Gabriel, o maravilhoso Professor Juarez Rezende. Minha pós foi marcada por mestres doutores brilhantes da USP, UFMT, UFBA, mas são tantos e tão queridos que poderia usar todo o espaço e ainda assim seria pouco para enumerá-los e agradecê-los. Ah! e não posso esquecer a Linah, minha amada amiga professora de pintura (sempre presente), a Paula Inês, também amada amiga professora de piano (que sempre me ajuda) e o Guelfo, que me deu noção de violão.
Qual a sua formação e como foi sua trajetória profissional até ser aprovada no concurso da Caixa Econômica Federal?
Minha formação acadêmica é Bacharel em Ciências Contábeis e em Administração de Empresa pela então FACEAC, agora Libertas, e pós graduação em Desenvolvimento Regional Sustentável pela Universidade Federal do Mato Grosso. Comecei trabalhando como recepcionista da Prefeitura na primeira administração do Sr. Waldir Marcolini, ao lado da minha querida Tia Neuzely, quando da inauguração do paço municipal na Praça dos Imigrantes. Trabalhei na primeira clínica de psicotécnico aplicando exames, onde conheci minhas duas melhores amigas da vida, Romilda Theodoro Duarte e Martha Aparecida Lemes. A Martha me arrumou o terceiro emprego nas Lojas Pernambucanas, onde trabalhei como auxiliar de escritório e auxiliar de crediário. Depois trabalhei no escritório de Contabilidade São Sebastião e por último antes de entrar na Caixa, na Contabilidade Pessoni. Grandes amigos foram feitos durante esses 10 anos, dos 15 aos 25, com carteira assinada (risos). Trabalhei como economiária por 25 anos na Caixa Econômica Federal, uma segunda família, meus adorados amigos.
Concomitante a sua vida profissional, você constituiu família e teve quatro filhos. Como foi conciliar trabalho e família?
Graças a Deus a Caixa me proporcionou a oportunidade de concretizar meu sonho de ter quatro filhos. O mais surpreendente para todos sempre foi que meus filhos, todos os quatro, Angelo (29), Elisa (28), Aída (24) e Estela (23), foram muito queridos, desejados e planejados. Foi o trabalho mais bem executado, feliz, e satisfatório da minha vida. Claro que houve momentos que parecia que ia ficar doida, mas nunca deixei de ir a uma reunião de escola, uma apresentação de balé, de fazer um piquenique na pracinha da Prefeitura, de levar as classes da escola para comemorar um aniversário. Nunca deixamos de comemorar um aniversário ou Natal...
Hoje você é palestrante e estudiosa da doutrina Espírita. Como conheceu e o que a levou a abraçar a doutrina de Kardec?
Lembro-me como se fosse hoje. Estava na casa da Romilda e falei para ela da minha profunda fé em Deus. Mas que gostaria de ter uma fé concreta, que não acreditava em muitas coisas pregadas pela igreja e que faltava alguma coisa, acho que nem sabia que ela era espírita. Ela me deu os livros “O amor venceu” e “Laços Eternos” da Zíbia Gasparetto, que não li de imediato, mas um dia os li e fiquei maravilhada. Aí li “Nosso Lar”, depois li o “Livro dos Espíritos”. Minha avó Maria já havia me dado o Evangelho Segundo o Espiritismo, que lia ocasionalmente e me trazia grande Paz ao espírito. Nunca mais parei de ler... Minha fé encontrava a racionalidade. Não fui eu que abracei a doutrina dos espíritos, ela que me abraçou, me envolveu, me consolou, me esclareceu e me amparou.
Recentemente você perdeu seu esposo vítima de covid-19. Como tem encarado essa nova etapa?
O Célio, meu marido, foi o maior instrumento de evolução para meu espírito... nós éramos iguais nos valores, na ética, no entusiasmo pela vida e completamente diferente nos gostos... então ocasionalmente “virávamos o arreio pra barriga”. Mas nosso casamento foi pautado no amor, na dignidade e no respeito. Então, essa nova etapa começa como uma provação... Racionalmente, eu sei que é o melhor para nossa evolução, sou grata por ele não ter sofrido muito, nem por tempo prolongado. Sou grata por ele ter conseguido voltar para casa (ele estava no Rio Grande, quando apareceram os sintomas), por ter tido a Graça de vê-lo antes e depois do desencarne. Emocionalmente, estou dolorida pelo afastamento, que embora momentâneo, traz a ausência física. Nós estávamos acostumados a nos tocar o tempo todo: beijos, abraços, carícias, sorrisos, piscadelas... isso faz uma falta dolorosa. Risadas, implicâncias e piadas também... Queria ser mais forte para poder sustentar melhor meus filhos, minha sogra, minha cunhada e meus sobrinhos, mas estou de luto e me sinto fragilizada. Mas sei que quando “Sou fraca, sou forte” por que Deus age através de mim.
Marilisa, de onde viemos e para onde vamos?
Essa é a mais fácil de todas: viemos de Deus e iremos para Deus.
Qual sua maior motivação nesta caminhada terrena?
A certeza que “tudo concorre para o Bem”.
Você sempre procura ver o lado positivo das coisas? O que nossa cidade tem de melhor para se orgulhar nestes 200 anos de história?
Para mim não existe lado negativo, tudo é oportunidade de crescimento, aprendizagem e evolução. O que mais me orgulha em nossa cidade é a generosidade do povo. Às vezes me assombra. Aparece em algum grupo público do Facebook que uma criança gostaria de uma festa de aniversário, um oferece o bolo, outro oferece salgado, outro oferece decoração. Uma casa cai e logo tem gente levando material, alguém se oferecendo para mão de obra. Um comércio pega fogo e de madrugada alguém leva móveis novos. Não é maravilhoso?
“Perdoe 70 vezes 7. Qual a “fórmula” para compreender o próximo?
Emannuel ainda fala que é “70 vezes 7, cada ofensa”... Para compreender o próximo devemos realmente nos colocar no lugar do próximo. Com suas experiências, possibilidades, e momento espiritual... É muito fácil para mim, nascida numa família amorosa e equilibrada, casada com um homem que eu amo e que me ama (independente da dimensão em que nos encontramos) acolhida pela família de casamento com respeito, amor e dignidade, querer dizer o que é certo ou errado ao meu irmão que está momentaneamente na ilusão. Mas, o que eu faria se estivesse no momento espiritual que ele se encontra, com as experiências que ele viveu e com as possibilidades que ele possui? Difícil de saber, não é mesmo?
Marilisa, qual o maior presente que você recebeu?
A vida.