Viver de arte é uma escolha? Para alguns sim, para outros missão é o termo mais adequado e este, provavelmente, é o caso de Danilo Lucas Marcelino. Nascido em Itaú de Minas e paraisense de coração, desde tenra idade se enveredou pelo caminho das artes, tornando-se Danilo Roxette. Filho de José Marcelino e Vilma Maria Marcelino, irmão mais novo de Mateus, Danilo é um artista que transita por diversas mídias, sempre com talento e criatividade. Ator, diretor teatral, editor de vídeo, criador de conteúdo, Danilo Roxette é dono de múltiplos talentos. Generoso com os amigos, atento e grato aos que o precederam e com um olhar carinhoso para os valores da terra, o jovem artista já acumula grande experiência no vasto e complexo universo artístico. Nesta entrevista, generosamente, Danilo compartilha as venturas e agruras inerentes a todos que se propõem a viver de arte.
Danilo, qual a memória mais antiga você traz consigo?
Tenho lembranças difusas da infância e eu não conseguiria definir a mais antiga, mas graças a Deus, são todas memórias agradáveis. Pra citar uma, me recordo que durante o período pré-escolar, que fiz numa escolinha que funcionou por um tempo no antigo seminário do Sion, as professoras proibiam as crianças de se aventurarem demais pelo amplo terreno e que eu ficava muito curioso em explorar uma piscina desativada que havia por lá. Tinha medo de levar bronca, mas eu ia mesmo assim. Lembro também da luta de meus pais para garantir uma vida digna para nós. Meu pai trabalhando como encanador e a minha mãe trabalhando na antiga Paraisoplex.
Muito jovem, antes mesmo de se tornar artista, você adotou o nome Danilo Roxette. De onde surgiu essa inspiração?
Vem de uma referência à dupla sueca de música pop-rock. Quem me apresentou as primeiras músicas que eu ouvi de Roxette foi o meu irmão, o Mateus Marcelino. Aliás, quase todo o espectro dos estilos musicais que eu aprecio até hoje veio por influência dele. Eu tinha nove anos. Aos dez eu já me via como um fã e tinha passado a escrever Danilo Roxette em muitos cadernos de escola.
Como foi a oportunidade de acompanhar os shows da turnê do Ro-xette no Brasil? E como foi lidar com a perda de um ídolo?
Pude acompanhar os dez últimos shows que o Roxette fez no Brasil em 2011 e 2012. Foi uma experiência inesquecível porque eu pude vê-los pessoalmente. A Marie Fredriksson faleceu em dezembro de 2019, no mesmo dia em que a minha avó materna, Maria Olgaídes Alves, também partiu. Essas despedidas são uma certeza nas nossas vidas e, há poucos meses, também me despedi de minha avó paterna, Maria das Dores Marcelino. É difícil lidar com a partida de pessoas que amamos, especialmente as que fizeram muito por nós e pelas quais sempre seremos gratos.
Além do Roxette, quais outros artistas você admira?
Os artistas que eu mais admiro mesmo são aqueles que eu posso acompanhar de perto. Minha iniciação nas artes foi com um trio que admiro demais: a Edyna Maldi Borges, multiartista impecável; Katia Mumic, madrinha das artes e o Marcelo Oliveira, professor muito generoso. Também convivi com artistas incríveis que conheci na graduação como a Wallie Ruy, o Rafael Carvalho e tantos outros. Acompanho bastante o trabalho do Zé Celso e de toda a galera do Teatro Oficina Uzyna Uzona, que frequentei numa breve oportunidade. Também admiro profundamente duas irmãs diretoras de teatro, professoras da UFOP, a Aline Andrade e a Letícia Andrade. A lista é extensa...
Como foi sua trajetória no teatro? E o que o levou a optar pela graduação em Artes Cênicas?
Várias professoras da Escola Estadual Ana Cândida me despertaram para o teatro, entre elas Silvia Pessoa, Eneida Pádua, Fabrícia Corsi e, especialmente, a Katia Mumic. Foi ela quem me convidou para a Oficina de Artes Cênicas Sebastião Furlan depois que eu fiz uma apresentação de expressão corporal (com música do Roxette) numa disciplina que ela ofereceu. Eu tinha 13 anos e fiquei na Oficina até os 17. Quando fui prestar vestibular, contei com um preparo crucial através do cursinho “Paulo Freire”, que era organizado pela Ruth Corsi com o apoio de vários professores. Fui aprovado no curso de Artes Cênicas da Universidade Federal de Ouro Preto e aceitei o desafio.
Além de ator, você também atua em diferentes mídias e suas conexões. Como surgiu o trabalho com vídeos, edição e intervenções artísticas?
Me formei diretor teatral, mas sempre fui encantado pelo audiovisual. Com dedicação, aprendi sozinho a editar vídeos num software profissional e a minha primeira edição foi um videoclipe caseiro da música “Fogo”, do Capital Inicial. Foi uma homenagem à Semíramis Corsi que fiz para inscrever num Festival de Vídeo Amador que a Marília Nogueira organizou aqui em Paraíso em 2006. A Marília, inclusive, é outra artista que admiro! Eu sou um entusiasta multimídia que navega pelo teatro, audiovisual, projeção de vídeo e por aí vai.
Como é viver de arte pra você? Teria outra atividade?
É sofrido. Há muita instabilidade porque projetos vão e vem. Já passei por crises que eu não teria superado sem a colaboração da família e de amigos. Já trabalhei como operador de telemarketing, analista de atendimento, agente de viagens, assistente administrativo... No momento, graças a Deus, estou tendo trabalhos como editor de vídeo. É uma atividade que, além da renda, me dá muita satisfação porque nela eu não me sinto distante da arte.
Arte pode ser entretenimento, mas também gerar reflexões. Qual sua opinião sobre a importância da cultura para a sociedade?
Todas as artes têm a sua importância porque elas movimentam a sociedade. As artes da música sertaneja, do teatro, do cinema, da literatura, do funk, do artesanato, das festividades religiosas... Tudo faz parte da nossa cultura. Cultura essa que agora, vale lembrar, está reduzida a uma secretaria dentro do ministério do Turismo. Que, por sua vez, existe principalmente em função do vasto patrimônio cultural e artístico que o nosso povo tem.
Ainda sobre a arte, você também tem a impressão de que grande parte do público não quer saber o significado do que está consumindo?
Talvez essa impressão seja resultado de um baixo repertório dessa parte do público. É preciso incentivar as pessoas a conhecer a diversidade da produção artística e apostar nos seus desdobramentos. Reconhecer, por exemplo, a importância de se ter um familiar que faz mantas com retalhos de tecidos, um vizinho que faz entalhes em madeira, um amigo que escreve poesias... Enfim, ao promover a troca do conhecimento e das experiências no campo das artes, as pessoas terão mais ferramentas para conseguir acessar e ressignificar aquilo que consomem.
Embora todos a achem importante, a arte sempre enfrentou dificuldades e atualmente lida de forma quase bélica com críticas, cerceamento e até mesmo censura. Como enxerga o atual momento das artes em nosso país?
Mais do que nunca, precisamos resistir e reafirmar a nossa importância enquanto profissionais. A produção artística não está fechada em si. Ela também movimenta a demanda por uma série de outros serviços na sociedade. Boicotar as atividades culturais, discriminar artistas e cercear a liberdade da reflexão é uma violência pela qual todos nós pagamos caro. Eu trabalho com o foco de que dias melhores virão para toda a classe artística, especialmente para a parte dela que não bajula ninguém e que se recusa a concordar com algumas imbecilidades.
São Sebastião do Paraíso completou recentemente seu bicentenário. Que presente gostaria de dar para o município?
Viver esse marco histórico da comemoração dos 200 anos de Paraíso me proporciona um sentimento único de pertencimento que reforça a minha percepção do quanto a vida é efêmera. Daqui a um instante, o que temos pode não existir mais, o que acreditamos pode não fazer mais sentido, o que deixamos de valorizar pode fazer falta. Buscar algum equilíbrio nas nossas ações é uma tarefa complexa. Se eu pudesse dar algo pro município, eu daria exatamente esse equilíbrio.
Por falar em nossa cidade, você desenvolve um trabalho muito interessante interpretando textos de autores paraisenses. De onde veio a ideia e como é pra você ressignificar essas obras?
O projeto [Re]citações Paraisenses surgiu no contexto da pandemia, que originou uma onda de vídeos gravados em casa. Em maio de 2020, a Edyna Maldi me enviou uma gravação tocando piano e eu usei essa gravação para recitar um texto dela. Depois, a Academia Paraisense de Cultura publicou uma série de vídeos do “Conexão APC”, que também foram de grande inspiração. A Edyna me sugeriu algumas poesias de autores paraisenses e comecei a recitá-los nos vídeos para o meu canal no Youtube. Tem poesias do Olavo Borges, Dalila Cruvinel, Eliana Mumic Ferreira, entre outros. Ter a chance de trabalhar com a obra desses autores é incrível. Na verdade, eu digo que são autores ligados a Paraíso porque nem todos são naturais daqui, mas assim como eu, são paraisenses de coração.
Atualmente você também atua em um trabalho ligado à Universidade Federal de Ouro Preto. Nos conte melhor sobre esse projeto.
Eu estou trabalhando como editor de vídeo da TV UFOP através da Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto. Tem sido um dos trabalhos mais prazerosos que eu já desenvolvi porque toda a minha paixão por vídeo começou durante a graduação e eu fui bolsista da TV UFOP entre 2007 e 2009. A TV UFOP é geradora de conteúdo audiovisual educativo que, aliado ao jornalismo, reflete o que ocorre na região dos Inconfidentes e também faz uma conexão entre a população e o que é produzido no meio acadêmico.
O que costuma fazer nas horas de folga? Tem algum hobby?
Mesmo de folga, eu adoro ficar no computador. Gosto de fazer lives de jogos retrô no meu canal do Youtube, especialmente os do Super Nintendo porque foi o videogame que eu tive na infância. Aliás, tenho ele bem conservado e funcional até hoje. Também gosto de ouvir música. Os LP’s e o toca-discos de meus pais sobreviveram à minha infância e eu os ouço com muito carinho.
O que diria para uma criança ou jovem que sonha em seguir a carreira artística?
Algumas vezes cheguei a afirmar que eu não tornaria a me envolver com atividades artísticas em razão da instabilidade. Mas eu sinto a arte como uma necessidade e eu nunca consegui me afastar por muito tempo. Eu acredito que cada pessoa precisa atravessar certas situações e comparar experiências é complexo. Quando tenho a oportunidade, eu digo para crianças e jovens que sigam em direção àquilo que acreditam. Sempre reavaliando as ações quando as perspectivas mudarem, porque a única certeza, de fato, são as despedidas.
Danilo, qual seu maior sonho?
Que todos nós pudéssemos seguir nossas trajetórias sem causar sofrimento a nada e a ninguém.