"Existe um lugar no mundo onde nascemos, aprendemos uma língua, descobrimos como nossos antepassados superavam seus problemas. Num dado momento, passamos a ser responsáveis por este lugar". A citação de Paulo Coelho traduz perfeitamente a missão encampada por nosso entrevistado. Oriundo de tradicional família paraisense, o psicólogo e escritor Luiz Pimenta Neves Júnior nunca perdeu a ligação com a terra natal, afinal, como ele mesmo brinca, seu umbigo está enterrado onde nasceu. Caçula dos seis filhos do casal Luiz Pimenta Neves e Maria de Lourdes Resende Pimenta, aos 74 anos o autor vem se dedicando à "Pimentas no Paraíso", obra que, mesclando história e ficção, acompanha a saga de sua família tendo como pano de fundo a formação da cidade. Nesta entrevista Luiz, generosamente, rememora os primeiros anos em São Sebastião do Paraíso, sua trajetória e o resgate das origens familiares e de nosso povo.
Luiz, você vem de uma família com forte atuação política. Tem alguma lembrança do período em que seu pai foi prefeito
Não, quando ele foi prefeito eu tinha entre um e quatro anos. (Entre 1947 e 1951 seu pai, Luiz Pimenta Neves, foi o 26º prefeito municipal). Lembro-me do período a seguir, quando ele foi presidente da Câmara por oito anos consecutivos. Lembro-me das eleições, com muitas células impressas espalhadas pelo chão da cidade e também de minha mãe hospedar em minha casa diversos políticos ilustres da UDN na época, como Pedro Aleixo, Magalhães Pinto, Oscar Corrêa, Bilac Pinto e outros.
Onde estudou em Paraíso, quem foram suas professoras e o que mais o marcou nesse período?
Estudei no Grupo Escolar Coronel José Cândido. Minhas queridas professoras foram Dona Marianinha Nogueira, Dona Geralda e, nos dois últimos anos, Dona Dirce Brigagão. A seguir, em 1958, cursei o primeiro ano no Ginásio Paraisense. O que mais me marcou neste período? Posso caracterizar este período da minha vida com uma só uma palavra: felicidade!
Percebemos que a política de outrora era um ideal. Alguém da sua família deu continuidade? Que leitura você faz do cenário político atual?
Ninguém da minha família, descendente do meu pai, seguiu a carreira política. Para mim, o atual cenário político é caracterizado por uma indesejável polarização ideológica que nos condena a movimentos pendulares, que oscila de um extremo ao outro, produzindo nocivas desconti-nuidades da construção do país. Assim, ficamos paralisados, marcando passo. Muita energia gasta e pouco resultado.
Você ainda era muito jovem quando sua família se mudou da terra natal, certo? A que se deveu essa mudança? E após tantos anos, o que ainda o liga a Paraíso?
Sim, saí de São Sebastião do Paraíso com 11 anos de idade. Depois que cursei o primeiro ano de ginásio, em Paraíso, fui transferido para o Ginásio Arquidiocesano de Ouro Preto. Meu pai e minha mãe queriam mudar de vida, encarar novos desafios. Um ano e meio depois, em 1960, eles também se mudaram para Ouro Preto. O que me liga a Paraíso? Meu umbigo! Está enterrado aí! (risos)
Nos conte sobre sua formação acadêmica e atuação profissional.
Sou psicólogo formado pela UFMG e fiz pós-graduação na USP. Passei minha vida profissional sendo consultor de empresas, trabalhei para várias, entre elas Vale do Rio Doce, Petrobras, MRS, SEBRAE e outras. Atuava na área de estratégia e gestão da mudança.
Sua obra “Pimentas no Paraíso – volumes 1 e 2” é uma saga familiar tendo como pano de fundo histórico a construção de uma cidade e da identidade de seu povo. Como surgiu a ideia de escrever o livro?
Gostei do resumo que você fez do meu livro. O livro não se atém só à família Pimenta de Pádua. São Sebastião do Paraíso, seu desenvolvimento e sua história, também é protagonista. Como surgiu a ideia? Asseguro que ela não surgiu repentinamente. Ela veio se desvelando, se apresentando a mim à medida que a idade avançava. Como se eu olhasse através de várias janelas na minha busca do autoconhecimento. Até que um dia, elas começaram a se interligar e eu passei a entender melhor de onde eu vim.
Na segunda parte da obra o período da escravatura é protagonista. Após mais de 130 anos de sua abolição no Brasil ainda vemos o racismo muito presente. Em sua opinião, a que se deve isso?
O racismo foi consolidado em nosso país pela prática da adoção da escravização como o principal sistema de mão de obra. Racismo e machismo, infelizmente, são atributos arraigados em nossa cultura que nos ensinaram a viver de uma forma muito equivocada. Estão de tal forma arraigados em nós que nem os percebemos quando os praticamos. Remédio para isto? Muita educação, cultura e arte. Sempre! Espero que o “Pimentas no Paraíso” contribua para este entendimento.
Paralelo à publicação do segundo volume foi lançado um podcast sobre a obra. Como surgiu a ideia? Acha que as mídias são complementares?
A feliz ideia dos podcasts foi de minha filha, Laura, para fazer a divulgação do lançamento do segundo volume. A seguir Felipe, meu filho, se juntou com as edições da gravação e Lúcia, minha companheira de vida inteira, veio contribuir com suas críticas e correções da linguagem. Quando vi, percebi que minha proposta inicial se transformava num esforço coletivo unindo minha família em torno do mesmo objetivo. Quer coisa melhor do que isto? E sim, acho que as mídias são complementares. Os podcasts serviram para despertar a curiosidade para ler o livro.
Como foi o processo de pesquisa para Pimentas no Paraíso?
Ao longo da vida, devagar, fui acumulando informações, intencionalmente ou por acaso, sobre a família Pimenta de Pádua (genealogia, fotografias, histórias) e sobre São Sebastião do Paraíso (história do café no Brasil, fotografias da cidade, livros). Quando os registros foram se ligando, tive que sincronizá-los, formalmente, em uma vasta planilha. A isto tudo, ainda agreguei informações de Minas Gerais, Brasil e mundo. Até que obtive uma figura mais nítida, inserida no mundo.
O que você pode adiantar sobre a continuação da trilogia?
O livro 1 se passa na época do império, o 2 na primeira República, até 1938 e o 3 até 1960, quando me mudei de São Sebastião do Paraíso. O primeiro se chama Raízes, o segundo Tronco e o terceiro Ramos. Juntos, eles contam a história de 150 anos de São Sebastião do Paraíso. Os 50 primeiros já estão escritos. Os outros 100, vamos ver...
Para aqueles que queiram uma leitura muito aprazível tendo nossa cidade como pano de fundo, onde encontrar “Pimentas no Paraíso”?
Os dois volumes que compõem o Livro 1 podem ser adquiridos na Banca de Jornal do Estevam, ao lado da Matriz ou comigo pelo WhatsApp (31) 99979-3409. O volume 1 também pode ser encontrado para empréstimo na Biblioteca Municipal de São Sebastião do Paraíso ou nas bibliotecas das escolas da cidade. Assim que acabar a pandemia devo ir a Paraíso para distribuir o volume 2 para estas mesmas bibliotecas. Faremos também a doação dos dois volumes do Livro 1 para as Bibliotecas municipais das cidades vizinhas.
Outra personagem importante na história de São Sebastião do Paraíso é sua tia, Dolores Pimenta de Pádua. À parte sua história interessantíssima, o que acha que todo paraisense deveria saber sobre ela?
Tia Dolores é a filha mais velha do segundo casamento do Antoninho (Coronel Antônio Pimenta de Pádua). Casou-se com Jaime - filho de Tomé Pimenta de Pádua, vereador atuante na época das duas gestões que Antoninho foi o prefeito da cidade. Tomé era primo-irmão de Antoninho, o pai de Dolores. Dolores é um exemplo de mulher forte, muito bonita e independente. Muito cedo, ficou viúva de seu marido Jaime. Administrava sozinha todo o patrimônio que herdou de seu marido. Ficou muito rica e era mãe e pai de seus três filhos: Caliméria, Carmem e Afrânio. À certa altura de sua vida foi a proprietária da Estância Balneária de Termópolis - Águas Quentes – que dirigia com pulso firme. Pegava o touro a unha! Figuraça! Os paraisenses deveriam saber mais sobre ela. Dolores foi muito mais do que a doadora dos três sinos maravilhosos – batizados por ela de Antônio, Tomé e Jaime - que tocam no campanário da Matriz de São Sebastião. Se a vida me permitir quero contar parte de sua história na trilogia Pimentas no Paraíso.
Você também é um apreciador da cultura popular, certo? Em sua opinião, qual a importância da sua preservação?
Claro que sou apreciador! Afinal de contas, como já disse, meu umbigo está enterrado nesta querida cidade. Não consigo segurar a emoção quando ouço os tambores e a cantoria do Congado e do Moçambique. Acho que a cultura existente em Paraíso é de uma riqueza extraordinária. Deve ser formalmente mapeada e um trabalho de preservação e fomento deve ser realizado, constantemente. Nossa matriz cultural é muito diversificada. Não esqueçam que a cidade recebeu imigrantes de inúmeras nacionalidades, além da Mãe África.
Nos conte sobre a família que constituiu.
Sou casado com Maria Lúcia Bastos Pimenta Neves. Tenho duas filhas, Maria Luiza e Laura, um filho, Luiz Felipe e também duas netas e um neto. No lançamento do volume 2, quem assistiu à live, viu minha neta mais velha, Júlia, conduzindo o evento. Achei chique demais ver minha neta também envolvida com o meu trabalho. No lançamento, só a minha filha mais velha, Lilu, é que nos acompanhou, sem se envolver muito, pois na época estava ocupada com sua tese de mestrado sobre capoeira na Universidade Federal da Bahia.
O que costuma fazer nas horas de folga? Tem algum hobby?
Gosto de ler e ver filmes.
Que filmes e livros considera imperdíveis?
São tantas as obras extraordinárias, mas vou me permitir citar somente duas de cada arte. Livros: “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis e “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa. Filmes: “Meu Tio”, de Jacques Tati e “A Estrada da Vida”, de Federico Fellini.
Luiz, que balanço faz de sua caminhada até aqui? Tem algum sonho a realizar?
Balanço da minha vida? Estou indo ao encontro de mim mesmo, cada vez mais! Sonho? Quero escrever os dois livros que faltam para completar a saga dos Pimentas no Paraíso. Tenho aprendido muito com isto.
O sentimento de pertencimento é muito forte... O que se recorda com mais carinho da cidade que deixou aos 11 anos?
Lembro-me muito bem que eu estava de férias em São Sebastião do Paraíso, era quarta-feira de cinzas, quando acordei de madrugada, entrei no carro do Mecenas, o dia começava a se despontar. Tudo estava banhado em luz azul marinho. Pela janela, eu olhava a minha querida cidade ficando para trás. Muito tempo depois, ouvi uma música do Ivan Lins e Vítor Martins e lembrei-me deste instante: “Guarde nos olhos a água mais pura da fonte.
Beba esse horizonte, toque nessas manhãs. Guarde nos olhos a gota de orvalho chorado. Guarde o cheiro do cravo, do jasmim, da hortelã. Guarde o riso como nunca se fez. Corra os campos pela última vez. Guarde nos olhos a chuva que faz as enchentes. Vai um pouco com a gente, rumo à capital. Vai dentro da gente, vamos pra capital.”