ELA por ELA

ELIZA SOUSA

Por: Reynaldo Formaggio | Categoria: Entretenimento | 22-03-2022 07:34 | 1803
Eliza Cristina de Sousa
Eliza Cristina de Sousa Foto: Acervo pessoal

A jovem enfermeira paraisense Eliza Cristina de Sousa é mulher de força e coragem. Com vivências pessoais e profissionais adquiridas em diversas partes do mundo, a filha de Hortência e Sebastião Sousa acaba de emigrar para os Estados Unidos com a bagagem recheada de ensinamentos, muita determinação e vontade de colaborar. Casada com o jordaniano Obadah Hamadeen e mãe do pequeno Leandro, Eliza generosamente compartilha sua experiência e se coloca à disposição para auxiliar outros profissionais da Enfermagem que, assim como ela, vislumbram um maior reconhecimento dessa atividade primordial em qualquer sociedade.

Eliza, quando você era criança já sonhava em se tornar enfermeira?
Não, meu sonho era ser policial! Com o tempo percebi que não era a profissão que realmente queria e não sabia mais o que estudar. Quando terminei o segundo grau, minha mãe me sugeriu fazer técnico em enfermagem. Me lembro que estava um pouco desinteressada, mas logo após começar o estágio eu me apaixonei e após terminar o curso de um ano e meio, ingressei na universidade de enfermagem. 

Qual sua formação e em que lugares atuou profissionalmente?
Concluí bacharelado e licenciatura em enfermagem, pós-graduação em oncologia, mestrado em emergências e catástrofes. Trabalhei 12 anos no Brasil, seis meses em Zaatari (campo de refugiados sírios na Jordânia, junto ao programa Médicos sem Fronteiras), comecei a validação do meu diploma na Noruega e não concluí. Agora, após processo de validação para os Estados Unidos, tenho licença para exercer enfermagem (RN – Registered Nurse) e vou trabalhar no Hospital Sanford em Fargo, Dakota do Norte.

Pra você, qual a parte mais motivante da Enfermagem?
Confesso que por um tempo me desliguei da área porque me senti muito desmotivada no Brasil, salários baixos, sobrecarga de trabalho, pressão de gestores, agressões verbais e físicas de pacientes (em 2021 fui agredida fisicamente duas vezes na UPA de São Sebastião do Paraiso: em setembro e no dia 31 de dezembro – na segunda vez por pessoas alcoolizadas). Após saber que poderia trabalhar fora do Brasil, com salários muito melhores, voltei a atuar como enfermeira, porque me sinto muito gratificada em “cuidar de outros”, agora vou poder exercer a profissão que amo com dignidade, salário justo e em um ambiente seguro.

Atuando na área da saúde, como você avalia a pandemia de covid-19?
Foi uma experiência sem precedentes para nós profissionais de saúde. No começo não havia estrutura, equipamentos de proteção individual e conhecimento sobre o vírus, todos estávamos assustados e com medo da contaminação. Com o tempo passou a fazer parte da rotina, porém a partir de fevereiro de 2021 a quantidade de casos graves foi aumentando, e quase todos pacientes que recebíamos eram críticos. Nesse ano, a UPA-covid funcionou muito bem, tínhamos recursos, mas muitas vezes não haviam vagas na Santa Casa. Era desesperador ver pacientes graves e não ter como transferi-los rapidamente... Perdemos muitos amigos e pessoas jovens, eu quase perdi meus pais, perdi uma colega de profissão que me ensinou a trabalhar, a Laura... Mas pior que isso foi ver o negacionismo de muitos. Me lembro de um caso que me marcou muito, uma senhora de 80 anos com 75% de saturação e a filha se negou a interná-la, dizendo que queríamos ganhar dinheiro por conta da covid. No outro dia a mesma senhora voltou muito grave, internou e morreu. Uma semana depois essa mesma filha também morreu... Hoje, graças à vacina estamos mais tranquilos, aqui nos Estados Unidos o uso da máscara não é mais obrigatório em locais abertos e mesmo fechados, a covid deixou de ser uma pandemia e agora é tratada como doença sazonal, como influenza – gripe.

Você já morou em diversos lugares, certo? Se sente uma cidadã do mundo?
Sim, não tenho medo do novo, e desde que saí a primeira vez do Brasil, pude ver oportunidades que não existem no nosso país. Sendo enfermeira é possível trabalhar em muitos países de primeiro mundo como Noruega, Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Alemanha, Emirados Árabes, etc... Basta fazer o processo de validação (cada país tem uma exigência), o que não é fácil e exige dedicação, porém, vale cada minuto dedicado para ter um salário digno. Infelizmente a Enfermagem é muito mal remunerada no Brasil e sofre com sobrecarga de trabalho. A categoria está lutando há muitos anos por um piso salarial digno e carga horária compatível (PL 2564/2020), porém, infelizmente, nem após essa pandemia, onde foi provado que o mundo precisa de nós, fomos valorizados profissionalmente no Brasil, pelo contrário, nosso trabalho aumentou e ainda temos que ver pessoas nos difamando em mídias sociais.

Seu esposo é da Jordânia. Como o conheceu? Em algum momento houve um choque de culturas?
Conheci meu marido pela internet, em um site de idiomas, enquanto morava em Madrid. Eu ensinava espanhol para ele e ele me ensinou inglês. Em nenhum momento houve choque de culturas, pelo contrário, quando morei na Jordânia fui extremamente respeitada e valorizada como mulher, diferente do que muitas pessoas pensam no ocidente, pois vivem presas às mídias sociais e televisão. Amei morar em Petra (uma das 7 maravilhas do mundo) e me apaixonei pela comida árabe. Hoje, com um filho em um ambiente multicultural, ensinamos a ele o que acreditamos (em termos religiosos e culturais) e quando ele crescer decidirá que caminho seguir. Leandro está sendo criado trilíngue, falamos árabe, inglês e português com ele.

Recentemente você e sua família se mudaram para os Estados Unidos. Qual foi a maior motivação para essa mudança?
A maior motivação foi com certeza ter uma vida melhor, mais segura, salário digno, ambiente de trabalho seguro e melhores condições de vida. Sem dizer que Enfermagem é a profissão no topo (número 1) que os americanos mais confiam. Aqui somos muito respeitados. Depois da pande-mia, em eventos públicos, normalmente o orador pede aplausos para os militares que defendem o país, depois da pandemia, os enfermeiros começaram a ser também aplaudidos.

Você também tem um projeto para auxiliar profissionais de enfermagem a migrarem para os Estados Unidos. Nos conte melhor como funciona.
Tenho sim, comecei a divulgar vídeos no Instagram sobre a vida nos Estados Unidos e logo vou começar a postar vídeos sobre validação do diploma. No momento estou indicando uma empresa de amigos (também enfermeiros que trabalham nos Estados Unidos) que prestam consultoria para quem quer trabalhar aqui e não ter dor de cabeça com a parte burocrática. Para mais informações meu e-mail é eliza.sousa@yahoo.com.br, Instagram: eliza.sousa6 

Você é adepta da alimentação saudável. O que diria para quem tem a intenção de buscá-la?
Eu tento... Já fui mais naturalista, antes da gravidez era vegana, hoje tento fazer um balanço na minha dieta, evito alimentos processados, enlatados, refinados, etc durante a semana, e deixo os finais de semanas livres para refeições mais pesadas.

Ainda a respeito da dieta saudável, crê que isso impacta diretamente no sistema de saúde?
Hipócrates já dizia: “que seu remédio seja seu alimento, e que seu alimento seja seu remédio”, isso é totalmente verdade! Uma em cada cinco mortes no mundo é causada pela alimentação. Doenças como diabetes, hipertensão, cardiopatias e câncer estão diretamente associadas à alimentação e estilo de vida.

Gostaria de deixar uma mensagem final para nossos leitores, em especial para seus colegas enfermeiros?
Gostaria sim. Não desistam de lutar por condições dignas de trabalho, salários justos e carga horária compatível. Sei como é desafiador trabalhar como enfermeiro no Brasil, exaustão física, mental, remuneração baixa... Especialmente nessa pandemia, vi colegas de trabalho adoecendo por covid e por depressão. Infelizmente nossos gestores não dão o devido valor a essa profissão tão maravilhosa e fundamental. Lutem amigos, não abaixem a cabeça, em 2020 provamos que o mundo não segue sem nós.

Hospital em que Eliza atuará como enfermeira nos Estados Unidos