MAZZAROPI 110 ANOS

Um encanto de gerações em Paraíso

Por: Roberto Nogueira | Categoria: Brasil | 17-04-2022 09:48 | 1380
Mazzaropi, 110 anos: filmes celebram o riso e a “vitória” do caipira
Mazzaropi, 110 anos: filmes celebram o riso e a “vitória” do caipira Foto: Divulgação/Agência Brasil

*DA REDAÇÃO

Sala escura. De repente, a telona ilumina-se. O projetor joga a luz em preto e branco e sonhos. Nas poltronas, o público aguardava ansioso. Mais ansioso ainda, de forma anônima e escondido entre as fileiras da sala, uma pessoa esperava e anotava as reações. Uma por uma. Só relaxava mesmo quando ouvia o som preferido… o sorriso. Mais do que isso: gargalhadas, e que faziam o público pensar.

O multiartista paulista Amácio Mazzaropi (1912 - 1981), que nasceu há exatos 110 anos e dedicou a vida à arte, fazia de tudo: atuava, dirigia, escrevia, produzia, cantava… e marcou o nome na história da cultura brasileira ao projetar o homem caipira do interior de São Paulo (que poderia ser de qualquer canto do país), de uma forma perspicaz, com comédia e crítica, usando e abusando de aparentes contrastes. Ingenuidade e sagacidade, ou ternura e esperteza, simples e complexo…

Foram 32 filmes (feitos em 28 anos, de 1952 e 1980), com uma média impressionante de mais de um longa-metragem por ano. Antes do cinema, trabalhou no circo e no teatro. Como cineasta, trabalhou com a Companhia Vera Cruz e depois fundou a própria empresa Produções Amácio Mazzaropi (PAM Filmes).

Segundo a pesquisadora e historiadora Soleni Fressato, que é professora da Universidade Federal da Bahia a proposta do humorista era fazer as pessoas rirem, com sua personalidade e jeito engraçado. “Era pra isso que ele fazia cinema. Ele ia nos próprios filmes dele sem que ninguém soubesse para saber quais elementos despertavam o riso na plateia. Aí ele repetia em outros filmes”, afirma

Ela escreveu o livro “Caipira sim, trouxa não”, sobre a obra de Mazzaropi, a partir da sua tese de doutorado. O “Jeca” que ninguém consegue passar para trás atrai a atenção de pesquisadores da arte brasileira, e também continua encantando o público. Para Soleni Fressato, um dos segredos da atenção e do sucesso permanentes tem relação com a valorização da vida simples e dos sentimentos humanos, pelo caminho da comédia.

Além do riso para descontrair, a pesquisadora entende que ele guardava espaço especial para questionamentos. “Entre as décadas de 1950 e 1970, de avanço da industrialização no Brasil, ele valoriza o meio rural. O caipira que ele representa sai desse meio rural e vai pra cidade e ele não se transforma na cidade. Ele continua com seus valores caipiras e isso que dá força; Ao analisar os filmes do artista, a pesquisadora identifica que há a valorização de um camponês que transita entre a subordinação e a transgressão. “O sorriso no cinema de Mazzaropi vai até contra os padrões estabelecidos porque ele resistia às imposições”. Deboches por um riso que surge ambivalente (espalhafatoso e que mexe com as ideias do público).

GERAÇÕES
A obra de Mazzaropi provoca curiosidade e encanta brasileiros de diferentes faixas etárias, e não apenas os mais velhos, como alguém pode supor. O universitário (de engenharia agronômica) Derick Christian, morador em São Sebastião do Paraíso é administrador de um grupo no Facebook com mais de 441 mil integrantes.

A paixão dele pelo artista começou em 2019 depois de comprar alguns DVDs antigos para presentear o pai. Mas foi o filho que se encantou primeiro. “Aí comprei a coleção toda (dos 32 filmes)”. O fã tem uma obra favorita, O Jeca e a Freira (de 1967).

“O Mazzaropi encanta desde a criança até o idoso. No grupo, a gente troca reportagens, trechos de filme, a programação da TV Brasil que a gente coloca quase diariamente no grupo informando os horários de exibição. Até hoje, ele arrasta multidões. Igual, como antigamente, ele arrastava pro cinema”.

O universitário vibra com a organização das cenas e a magia do cinema. “Em uma cena, ele estava ali na fazenda. Na outra, na igreja. Então a pessoa imagina aquele universo como um só”. Universo que rodeia os fãs e está na praça da cidade. “A gente enxerga ele nas pessoas da cidade, nos vizinhos mais antigos. Mazzaropi está muito vivo em tudo que a gente vê hoje em dia”, garante.

PERÍODO DE OURO
Ele fez sucesso de bilheteria, que não é pouco, mesmo para os padrões de hoje. Nos anos 1970, por exemplo, com cinco filmes, ele teve um público de mais de 13 milhões de pessoas. “O que torna o feito ainda mais impressionante é que ele, quando lançava um filme, tinha no máximo dois rolos: o original e a cópia. A película era muito cara. Ele não tinha a possibilidade de fazer cópia de distribuição que hoje tem uma grande produtora no Brasil. E mesmo assim ele conseguia atingir um público muito grande”, detalha Soleni Fressato.

Nos anos 1950, quando Mazzaropi começou a produzir cinema, há um maior investimento nessa arte, com equipamentos mais sofisticados, contratação de atores, uma experiência de indústria. A televisão chegava ao Brasil também, e a rádio continuava sendo o meio mais popular. “Ele chamava cantores que faziam sucesso no rádio para cantar nos filmes dele. Assim as pessoas conheciam visualmente aqueles artistas”, explica a historiadora.

A trajetória singular de Amácio Mazzaropi pode ser visitada no museu, na cidade de Taubaté (SP), que leva o nome do artista. O curador do espaço cultural, Claudio Marques, testemunha que quando as pessoas vão ao museu, se emocionam demais ao relembrar momentos que trazem lembranças de suas vidas.

O curador entende também que, com o uso do humor e da ironia, ele continua tocando as pessoas ao tratar de temas que vão muito além do tempo em que ele viveu e produziu. “Ele tratava de racismo, por exemplo. e também da questão do opressor e do oprimido.

Uma das razões do sucesso é que o público se sente com a alma lavada se saindo bem em relação aos opressores”. Outro tema que o curador cita é a atualidade ao tratar da questão ambiental, da deterioração dos rios, por exemplo. “Tudo continua ainda em voga”.
*Texto adaptado e produzido pela Agência Brasil