OPINIÃO

Ressuscitaram o AI5?

Por: Redação | Categoria: Do leitor | 22-10-2022 01:17 | 6262
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Hermínio Naddeo
Quando o regime militar, através do presidente Costa e Silva, baixou o ato institucional número 5, que ficou conhecido como AI-5, o Brasil, de fato, não gozava de uma democracia plena e nem vivia um momento eleitoral, inclusive um dos objetivos foi fechar o Congresso Nacional e suspender eleições. O AI-5 foi decretado em 13 de dezembro de 1968, quando o pau quebrava no nosso país, com guerrilheiros do naipe de Dilma Rousseff, Fernando Gabeira, José Dirceu, José Genoíno, Franklin Martins à frente e outros tantos tocando o terror na população brasileira na tentativa de derrubar os militares. Em resumo, apesar de tudo parecer normal de leste a oeste e de norte a sul na vida dos brasileiros, as anormalidades eram muito mais perigosas do que a população conseguia perceber no seu dia a dia.

O AI-5 foi, sim, uma medida muito dura na vida política brasileira, interferindo profundamente na democracia daquele momento. Atitudes duras foram tomadas pelos militares, como o fechamento do Congresso Nacional e das Assembleias Legislativas, bem como, a nomeação de interventores, escolhidos pelo regime, para os governos estaduais. Daí para frente, governo federal e estaduais passaram a governar através de decretos-leis que tinham força de lei, entre eles: decretação de ilegalidade de reunião de pessoas sem autorização da polícia, suspensão de habeas corpus por crime de motivação política, poderes para o presidente destituir sumariamente funcionários públicos, incluindo pessoas eleitas e até juízes, cassação de mandatos eletivos, suspensão de direitos políticos de cidadãos comuns, legitimidade instantânea de atos do presidente (como foi o próprio AI-5) e a censura prévia de música, cinema, teatro, televisão e imprensa. Obviamente, se existisse internet na época, teria entrado no pacote. Não houve, porém, fechamento do STF e do judiciário, ainda que não se possa afirmar que este poder não tenha tido a opção de concordar, ou não, com as alterações feitas na Constituição em 1967 e que, portanto, era a lei vigente no país.

Como resultado do AI-5, o regime militar perseguiu os guerrilheiros e terroristas, prendeu vários, matou outros tantos, e ao longo dos anos seguintes restabeleceu a ordem no país até que chegamos ao processo de abertura, que levou à Anistia Ampla Geral e Irrestrita, que permitiu a volta de exilados e autoexilados, e zerou os crimes de lado a lado - ou pelo menos era essa a ideia. Muitos dos que eram favoráveis à derrubada do regime militar, mas que não mostraram a cara no processo de guerrilha, se refugiaram no silêncio e se infiltraram nos sindicatos, na religião, nas artes, na imprensa e na educação, passando, então, a fazer um trabalho mínimo e silencioso no contraponto à sucessão de governos militares, plantando vagarosamente suas sementes na juventude para que pudessem ser colhidas mais à frente. Em 13 de outubro de 1978 o presidente Ernesto Geisel promulgou a emenda constitucional número 11 que revogou todos os dispositivos do AI-5, como primeiro passo para a abertura. Foi então que no início dos anos 1980, começou a pressão para que eleições diretas para presidente da república já fossem adotadas em 1982. Porém, esta eleição ainda foi realizada de forma indireta pelo colégio eleitoral através dos votos de deputados e senadores que elegeram Tancredo Neves, ficando a eleição direta para 1989, quando Fernando Collor foi eleito pelo voto popular.

Não estou aqui tratando do mérito do regime militar. Todo mundo sabe que teve muita coisa certa e muita coisa errada durante aquele período, a fim de cumprir o propósito de eliminar a ameaça comunista no Brasil. Foi, sem dúvida, um período sombrio da história brasileira, mas efetivamente sombrio para quem era contra o regime militar e lutava para derrubá-lo. E pode-se perguntar a qualquer um que viveu essa época se, além dos efeitos da censura prévia na música, no cinema, no teatro, na televisão e na imprensa, cujas implicações diretas para a população residiam na supressão de obras e informação que pudessem servir como meio de subversão intelectual na propagação de mensagens de teor socialista/comunista, foram afetadas de outro modo. Não se tratava de combater mentiras ou fake news, cujo termo nem era sonhado naquele momento. O objetivo era suprimir mesmo a verdade das intenções dos comunistas para que elas não chegassem à população. Podemos dizer, então, que o AI5 não foi um ato dissimulado de censura, muito ao contrário, foi explícito ao extremo, pois a regra do jogo sobre o que se podia e não podia dizer, ou fazer, era de conhecimento de todo mundo, porque não era um mero capricho dos militares, e sim a lei vigente.

Chego então aos últimos 33 anos da nossa história, um dos mais longos períodos democráticos do país com a sucessão de cinco presidentes eleitos pelo voto direto e dois vice-presidentes que assumiram a presidência após as respectivas cassações de seus presidentes por impeachment. E é bom ressaltar que o próprio uso do impeachment é uma ferramenta absolutamente democrática. Nesse período vimos a esquerda se postar como força política, disputar eleições em todos os níveis sem que nenhuma interferência ou opressão impedissem A ou B, culminando com a chegada de Lula ao poder em 2003, escolhido pela maioria dos eleitores brasileiros e engolido a seco por quem não votou nele. Fez um primeiro mandato digno de um neoliberal, preservando o tripé macroeconômico estabelecido desde a criação do Plano Real (que ele e o PT foram contra) e nadando de braçada no melhor momento econômico da história do Brasil e do mundo, graças especialmente ao crescimento da China que impulsionou para cima os preços das commodities. Entretanto, não podemos dizer o mesmo de seu segundo mandato, eivado de escândalos de corrupção e já com a estrutura econômica deteriorada em função de ações do governo e dos reflexos da crise econômica mundial de 2008.

Lula passou seu governo para Dilma, que resolveu aprofundar teses marxistas na economia, com intervenções em preços, desonerações irresponsáveis, e lameada por dezenas de escândalos realizados nos governos petistas que culminaram na operação Lava Jato, que todo mundo sabe o que é, e que resultou no seu impeachment e na prisão daquele que em 2010 lhe passou a faixa presidencial. Em seguida, Michel Temer, vice de Dilma, assume a presidência, e ao mesmo tempo se inicia o ativismo judicial em larga escala. Ministros do STF que até então avalizavam os processos conduzidos por Sérgio Moro, Vallisney de Oliveira e Marcelo Bretas, passaram a se opor frontalmente à Lava Jato, ao Ministério Público Federal e até mesmo à lógica e aos fatos, mudando votos, anulando sentenças, reinterpretando a Constituição Federal e os códigos do direito, subvertendo o ordenamento jurídico vigente aos propósitos que só vieram a ficar transparentes com a eleição de Jair Bolsonaro.

Foi a partir da posse de Bolsonaro que o ativismo judicial ligou o modo turbo. Inúmeras interferências nas ações do governo federal, que foram da proibição de nomeação do diretor da Polícia Federal, prerrogativa exclusiva do presidente da República, passando por suspensão de decretos, críticas ácidas, prática política (vetada por lei à magistratura), retirada do poder da presidência da República para comandar o combate ao Covid, sucessivos pedidos de explicação de atos da presidência, até a inclusão do presidente da República em inquéritos sem a devida e exigida autorização, constitucional, da Câmara dos Deputados. E no claro intuito de atingir o presidente, o judiciário interferiu, também, nas prerrogativas do Congresso Nacional, como, por exemplo, a interferência direta de ministros do STF na Câmara dos Deputados, promovendo os movimentos partidários que derrubaram o voto impresso e a determinação para que o Senado Federal instalasse a CPI da Pandemia que, sabidamente, tratava-se de um ato político contra Jair Bolsonaro. Sem falar nas diversas declarações de ministros, no Brasil e no exterior, inclusive durante sessões plenárias, a fim de denegrir a imagem do presidente e do país.

Se fosse apenas tudo isso, apesar de ser tudo isso, seria pouco. Com o protagonismo direto de Alexandre de Moraes, o ativismo judicial começou mesmo a tomar ares de AI-5. Através de uma nomeação ilegal e inconstitucional dada por Dias Toffoli para que Moraes relatasse o infame inquérito das fake news, foi inaugurado um período de perseguição a jornalistas, cidadãos comuns, empresários e políticos, todos apoiadores de Bolsonaro, e todos por crime de opinião e supostos atos antidemocráticos, que, de fato, se traduzem a qualquer ato que seja contrário ao que pensam os ministros do STF e os interesses que eles representam. Com base nisso, e sem nenhuma base legal, foram realizadas prisões irregulares, incluindo a do deputado federal Daniel Silveira, em pleno gozo de seus direitos políticos, proibição de ações policiais nas favelas do Rio de Janeiro, bloqueios de contas bancárias, intervenções em redes sociais, desmonetização de canais do Youtube, retiradas de sites da internet, realização de buscas e apreensões em residências de cidadãos comuns, inquéritos intermináveis, intervenção direta na Polícia Federal com escolha de delegados para comandar inquéritos e desprezo total pela prerrogativa exclusiva do Ministério Público Federal, para promover denúncias e arquivamentos de inquéritos.

O abuso de autoridade do STF, chega ao ponto de incluir em inquéritos pessoas sem prerrogativa de foro, e que só poderiam e deveriam ser processadas pela primeira instância, pois sendo o STF a última instância, o processamento destas pessoas por esta casa implica em que elas não tenham nenhuma outra instância para recorrer de eventuais condenações. Mas não acabou. Estes cidadãos comuns, há dois anos, sequer sabem o porquê estão sendo processados, uma vez que o acesso aos autos é negado a eles e seus advogados. E temos também a cereja do bolo, provavelmente a maior atrocidade jurídica da história do Brasil, que foi feita em dois atos: sendo o primeiro a revogação do entendimento de que se pode prender criminosos com condenação em segunda instância, o que tirou Lula da cadeia; e a anulação de todos os processos do mesmo Lula com a invenção da “lei do CEP” pelo ministro Fachin, que permitiu que ele estivesse apto a concorrer à presidência da República.

No fim das contas, que diferença faz se a arbitrariedade veste farda ou veste toga?

Chego então ao momento atual de eleição, quando o mesmo Alexandre de Moraes, agora exercendo o papel de presidente do TSE, em nome sabe-se lá de que, instala na corte eleitoral um verdadeiro bunker de resistência à reeleição de Jair Bolsonaro, ou, se alguém preferir, um verdadeiro comitê de campanha pró Lula. Com uma composição descaradamente favorável ao ex-presidente, o TSE tem proibido praticamente tudo o que favorece Bolsonaro ao mesmo tempo que ignora tudo o que o prejudica, agindo inversamente quando os fatos dizem respeito a Lula. Não se trata de uma opinião partidária ou parcial da minha parte, mas a um conjunto de evidências. só não discutíveis pela imprensa que também, francamente, atua a favor do PT. E tudo isso culmina agora com o estabelecimento de censura prévia a veículos de comunicação como Gazeta do Povo, Jovem Pan, Brasil Paralelo, sites na internet, perfis em redes sociais, todos a pedido do PT. Já haviam proibido Bolsonaro de usar em sua campanha imagens do 7 de setembro, de sua viagem à Londres, de seu discurso na ONU. Agora proíbem expressamente, também, o uso de determinadas palavras, sim palavras, para a campanha do presidente, de apoiadores e dos veículos de imprensa em geral. Chegamos a esse ponto.

Faltando 11 dias para a eleição, precisamos perguntar o que ainda está por vir. E questionar no que, de verdade, estas ações de perseguição e censura diferem do AI-5 de 1968. Não há ataque mais contundente à democracia do que impedir a liberdade de expressão ou criminalizar a opinião. São os dois fundamentos básicos que nos diferenciam de todas as outras espécies de vida que existem neste planeta, e o que nos torna mais próximos dos regimes ditatoriais que conhecemos. Preocupante, não? Tudo isso com o escancarado objetivo de prejudicar a campanha de um candidato à presidência da República para favorecer o outro, impedir a disseminação de informações de um lado e facilitar a disseminação para outro lado, impossibilitando ao eleitor a análise do contraponto, da definição do que é verdadeiro ou falso, pela iniciativa da pesquisa feita pelo próprio eleitor. Definitivamente, este não é o papel de uma corte eleitoral e nem mesmo do poder judiciário em nenhuma de suas instâncias.

Não há nenhuma evidência de que o ativismo judicial se encerre após as eleições, vença quem vencer. Contudo, dados os discursos e ameaças de Lula, a sensação é que, caso seja ele o vencedor, poderemos ver o endurecimento de tais medidas, se não de imediato, certamente após uma eventual posse. As ligações paralelas entre Lula, Moraes e grupos que vivem na ilegalidade, que constituem o crime organizado, não nos permitem apostar que a democracia sobreviva após 1º de janeiro de 2023 com uma eventual vitória petista. E nem mesmo que muitos dos apoiadores de Jair Bolsonaro que se expuseram principalmente contra o lulopetismo sobrevivam, e aí cada um pode entender isso como quiser. Estamos no limiar de descambar de vez para um regime socialista ditatorial ou para um regime que reafirme nossa liberdade. Mas também não pensem que mesmo Bolsonaro vencendo as eleições este caminho será fácil. A esquerda brasileira não aceitará a derrota, isso é certo. Se quer indícios claros disso, a visitinha de Lula, semana passada, ao Complexo do Alemão e o tiroteio que poderia ter vitimado Tarcísio de Freitas, no dia de ontem, são fortes o suficiente. Esta fase se resolverá no dia 30 de outubro. Até lá muitas surpresas desagradáveis podem ser reveladas, como até mesmo eu ser penalizado por ter dito tudo o que disse neste artigo.

Fica a curiosidade de vermos Alexandre de Moraes utilizar trechos estabelecidos pelo AI-5, sem tirar nem pôr, depois de investigar e prender pessoas que o usaram retoricamente para expressar o repúdio ao ativismo judicial do qual ele desponta como ator principal, incluindo aí um deputado federal em pleno exercício de seu cargo e no pleno direito de uso de sua imunidade parlamentar para “quaisquer palavras, opiniões e votos”, exatamente por ter usado o AI-5 em sua fala desastrada. Isso tudo precisa acabar ou o que acabará é o Brasil.
Hermínio Naddeo – (No Ponto do Fato 19/10/ 2022)