OPINIÃO

Ultraje a Rigor, e agora a revista The Economist

Por: . | Categoria: Brasil | 17-06-2023 00:49 | 371
Foto: Arquivo

Fábio Caldeira: Doutor em Direito pela UFMG e professor da Academia da PMMG

"A gente não sabemos escolher presidente; a gente não sabemos tomar conta da gente; tem gringo pensando que nóis é indigente;"inúteu", a gente somos "inúteu".

Seguramente muitos dos leitores lembram da música Inútil, gravada em 1983 e tocada em 1985 pela banda Ultraje a Rigor, no auge do movimento pelas Diretas Já!

De lá pra cá muita coisa aconteceu no ambiente político nacional. De 1989 a 2022 foram 9 eleições pre-sidenciais. E democracia não se constrói da noite para o dia. Até porque o voto é mais emocional do que racional.

E nesse ponto são muitas variáveis envolvidas. Principalmente em uma sociedade polarizada, intolerante e maniqueísta, como estamos vivendo. Importante é reconhecer que a alternância de poder faz parte do jogo democrático, atendendo à soberania popular.

Bem, ao contrário da música do Ultraje a Rigor, publicação do último dia 08 pela revista inglesa The Economist reveste de conotação discriminatória e agressiva não apenas aos brasileiros, mas a todos os latinos. Seu conteúdo é até interessante e faz sentido, ao listar fatores de improdutividade na região, como falta de investimento em educação, corrupção e economia informal.

O grave problema está no título da matéria. "Uma terra de trabalhadores inúteis" (em inglês, "A land of useless workers").

Após grande repercussão negativa, a revista alterou o título no dia seguinte da publicação original do artigo, para "Por que os trabalhadores latino-americanos são tão surpreendentemente improdutivos".

Após alterar o título, os editores da publicação adicionaram uma observação ao texto.

"Mudamos [o título] para deixar claro que estamos analisando os custos sociais e econômicos da baixa produtividade. Nosso objetivo é chamar a atenção para as causas estruturais da baixa produtividade média do trabalho nos países latino-americanos, incluindo poderosos oligopólios que silenciam a concorrência e um grande setor informal que obriga muitas empresas a permanecerem na subescala", afirma a revista.

"Como o artigo deixa claro, tudo isso está além do controle dos latino-americanos, cujos padrões de vida foram prejudicados. Terminamos com um apelo para uma melhor formulação de políticas."

O continente latino-americano tem graves problemas estruturais e culturais que remontam desde o processo de colonização. Temos baixíssima educação cidadã, governos populistas na quase totalidade de sua história democrática e corrupção explícita seguida de impunidade, o que dentre outras consequências faz da região uma das mais desiguais do planeta.

A maioria dos países democráticos da região vem nas últimas décadas sendo governadas por partidos de diferentes matizes ideológicas, em um movimento pendular entre direita e esquerda. Alguns avanços são perceptíveis, em grau maior ou menor, dependendo do país e do momento.

Mas questões nevrálgicas não são enfrentadas com efetividade, por incompetência, falta de vontade política ou pelo fato do status quo ser satisfatório, seja no aspecto pessoal, partidário ou de poderosos grupos de poder do momento.

Destaco três questões, que enquanto não enfrentadas com obstinação pelos países democráticos da região, continuaremos com números vergonhosos de pobreza e desigualdade. Educação, combate à corrupção e desprivatização do estado de setores corporativistas que fazem prevalecer seus privilégios em detrimento dos demais.

Pobre América Latina! Continente não de inúteis, mas composto por uma elite política e econômica que em grande parte não está nem um pouco preocupada com o interesse público e o bem comum, e muito menos com os anseios e necessidades desta e das próximas gerações. (Fonte: Jornal Hoje em Dia 16/06/2023)