OPINIÃO

Cuidado com os falsos. Eles estão por aí!

Por: . | Categoria: Brasil | 28-06-2023 00:03 | 460
Foto: Arquivo

Tio Flávio

Na minha adolescência fui muito influenciado pela minha mãe, que é espírita, a frequentar a Casa de Caridade Nosso Lar, uma instituição dedicada ao estudo do kardecismo e à prática de ações sociais. Lembro-me muito bem do quanto eu era tímido e tinha muito receio de falar em público, pois não queria e nem gostava de me expor.

Um dia, na mocidade espírita, uma das coordenadoras pediu para que eu preparasse um estudo de um tema determinado por ela para que eu pudesse apresentar na reunião do mês seguinte. Suei, pensei em sair daquele grupo para não ter que enfrentar aquela situação, tentei argumentar para me livrar da incumbência, mas nada disso foi suficiente. A palavra da minha mãe ainda era mais poderosa, dissuadindo-me de qualquer ideia que não fosse a da apresentação pública.

Peguei vários livros sobre o assunto na biblioteca, li um monte de coisa. Coloquei todos os livros no chão e fui construindo o arcabouço teórico, mas precisava encontrar, também, algum exemplo da aplicabilidade daquilo que falaria. Mais e mais livros e no fim de alguns dias dedicados à leitura, os meus trinta minutos de fala estavam organizados em uma folha de papel.

No dia da apresentação, a minha mão chegava a pingar de tanto suar. Segurar a folha de papel não era a solução, pois entregaria o quanto eu tremia. Coloquei uma "cola" sobre a cadeira e fui falando aquilo que eu havia estudado. Ao término do tempo, ainda não tinha conseguido concluir a minha explanação e faltava o exemplo prático, o que fez com a coordenadora me desse mais um dia de reunião para continuar a minha "palestra". Era tudo que eu não queria. Devia ter controlado o horário, pensei na hora.

Não foi nada fácil parar ali na frente de quinze meninos e meninas da minha idade para falar sobre algo que estávamos aprendendo juntos e que tinha um orientador na sala para me ajudar, caso houvesse algum desvio ou deslize. Mas, eu sabia o assunto, estudei e pesquisei por dias, não era um especialista, mas tinha me preparado. Então, para que aquele medo descomunal? Hoje a gente chama de autossabotagem, aquilo que nos faz acreditar que não somos capazes de algo e que sempre terá alguém mais adequado para aquele papel, aquela função. É como um vírus que se instala no nosso sistema mental e vai corroendo as nossas forças, expondo nossas fraquezas.

Mas tem o quesito que poucos admitem: o medo de fracassar, ainda mais em público.  Porém, há um outro lado que nós todos temos que ter um cuidado imenso e uma vigilância constante: os estudiosos Dunning e Kruger batizaram com os seus sobrenomes um estudo que demonstra que algumas pessoas, com uma leitura rasa ou acesso restrito a uma informação, se consideram especialistas em determinado assunto, ou seja, trata-se de um viés cognitivo que leva pessoas com baixo conhecimento sobre algo a supervalorizar o próprio conhecimento, enquanto os especialistas no tema subestimam a própria capacidade, sabedores que são do quão vasto é o estudo daquele tema em específico.

"Para estarmos cientes da nossa própria ignorância sobre um tema, temos que ter um mínimo de conhecimento sobre ele. Só assim é possível identificar nossas dúvidas e as lacunas em nossa compreensão. Quando não sabemos praticamente nada sobre algo, por outro lado, fica fácil cair na ilusão de que conhecemos muito sobre aquilo porque não nos deparamos com a complexidade real do assunto; só com versões simplificadas dele", como explica Bruno Carbinatto, na Revista Super Interessante.

Assim, posso dizer que se eu falar que entendo muito sobre o efeito Dunning-Kruger, chega a ser quase que uma autoconfissão de que sofro dele, pois meu conhecimento sobre este estudo é bem rasteiro. Dito isto, por que cargas d"água estou aqui desenvolvendo este assunto? Por algo muito sério que vejo acontecer e se difundir cada vez mais: há muita gente oferecendo cursos, terapias alternativas e soluções universais com base em pseudociências, programas de coach e, olhem só, atendimentos psicanalíticos que não passam de engodos. E a oferta é tão bem construída que em alguns casos me leva a acreditar que pode deixar de ser o efeito Dunning-Kruger para se configurar num mau-caratismo planejado para enganar pessoas vulneráveis.

Uma seguidora das minhas redes digitais me disse que estava tratando de uma depressão com uma coach. Eu conheço alguns profissionais de coach que estudam, viajam, fazem cursos em outros países, se aperfeiçoam e são bons, mas há um sem-número de gente que da leitura de um livro já se embrenha a fazer psicoterapia com alguém que está fragilizado mental, espiritual, emocional, física e financeiramente. Esta pessoa veio me pedir indicação de algum outro coach, pois ela estava sentindo a atual muito insegura. Eu não pensei duas vezes em dizer-lhe para buscar um psicólogo e este, se fosse o caso, poderia orientá-la na busca de um psiquiatra.

Isso me acendeu um alerta e fui, pela curiosidade, vendo as abordagens de alguns perfis de "profissionais" que vendem uma solução e, ao conversar com eles, não temos nada além de uma embalagem que enfeita um produto vazio, mas que apesar de tudo pode gerar um estrago sem igual: ceifa vidas, adoece pessoas e mina a credibilidade de profissionais sérios de fato.

O conhecimento é a melhor possibilidade de prevenção que temos de tudo isso aí.

(Hoje em Dia 16/06/2023)
Tio Flávio Palestrante, professor e criador do movimento voluntário Tio Flávio Cultural