DANIEL

“Nunca tive amigos e atiradores como os de Paraíso”, diz Tenente Daniel

Por: Nelson Duarte | Categoria: Educação | 15-07-2023 19:51 | 1339
Tenente Sebastião Daniel de Souza
Tenente Sebastião Daniel de Souza Foto: Nelson Duarte

O tenente Sebastião Daniel de Souza no início da década de 1970, como sargento do Exército foi  instrutor no Tiro de Guerra em São Sebastião do Paraíso. Recentemente veio participar de congraçamento com atiradores do ano de 1972. “Quero, deixar bem claro que por várias regiões que passei e morei, nunca tive amigos e atiradores como os meus de São Sebastião do Paraíso. Sou grato a vocês pelo carinho e amor que todos dedicam a mim”, disse emocionado.

Tenente Daniel é natural Porciúncula, município situado no noroeste do Estado do Rio de Janeiro, filho de Sebastião Thimóteo de Souza e Argina Martins Ferreira. “Meu pai é filho de italiana e português e minha mãe cabocla”, salienta. Permaneceu em sua terra natal até aos sete anos, quando seus pais mudaram para o Rio de Janeiro. Foram contratados pelo Conde Pereira Carneiro, dono do Jornal do Brasil, para trabalharem, ele como jardineiro e ela como lavadeira.

Conta que a Condessa Pereira Carneiro por não gostar que ele e os irmãos ficassem brincando com os seus netos, os encaminhou para colégio interno. “Eu fui para o Colégio Cidade dos Meninos, localizado em Caxias, onde permaneci até completar oito anos. Meus pais me visitavam uma vez por mês. Dali fui para o Instituto Profissional Getúlio Vargas, na época localizado no Bairro de Bonsucesso, onde permaneci até os 16 anos. Lá estudei o primário, desenho técnico e me formei como alfaiate. Tive o privilégio de ter me esforçado em todas as etapas da minha vida no colégio interno, tendo por isso sido agraciado em ser o auxiliar direto do vice-diretor que era também o nosso professor de desenho técnico. No colégio me formei em alfaiataria, desenho técnico e também como datilógrafo”, explica.

Tenente Daniel lembra que naquele colégio teve como amigo e colega de turma o Antônio Carlos – Mussum, o qual por ser mais velho do que ele, dois anos, muito o auxiliou. “Sempre me cobrava para que eu estudasse e também lesse os livros de nossa biblioteca. Quando o mesmo saiu e foi servir na Aeronáutica, chegando ao cargo de Cabo foi visitar-me no colégio, e eu disse estar interessado em seguir a mesma carreira dele o que ele disse não ser boa, e sim o Exército”.

Por um desentendimento com o diretor do colégio Daniel foi mandado para o Patronato de Menores de São Gonçalo para trabalhar na secretária, onde ficou por alguns meses. Saiu sem ter um destino certo, uma vez que seus pais não possuíam imóvel e estavam separados. “Saí do Patronato caminhando e passei por uma alfaiataria onde me apresentei ao proprietário, solicitando ao mesmo ajudar-me, pois estava estudando. Pedi a ele para, apenas, me fornecer café da manhã, almoço, jantar e passagem para o colégio. Consegui o emprego, porém não a moradia e por isso fui morar com minha avó paterna no outro lado da cidade”. Trabalhou na alfaiataria por mais ou menos um ano e seis meses.

Nesta época estava estudando no Ginásio Orlando Rangel, onde fez inúmeros amigos e se saia muito bem, pois jogava tênis de mesa, voleibol e ainda participava de corridas. “No colégio fui muito querido por minha professora de matemática, inglês e também pelos demais professores. Morando com minha avó, no segundo ano ginasial estava eu com 17 anos. Numa manhã, após tomar o café, falei a minha avó que estava saindo de sua casa, tendo ela me indagado: “Tieli onde você vai! seus pais estão separados e você não tem casa para onde ir”. Mesmo assim, saí.

“Neste dia, às sete horas saí caminhando pelo bairro e parei em frente a uma alfaiataria e indaguei do proprietário se não estava necessitando de um profissional. O alfaiate disse que sim e eu então lhe perguntei se ele poderia permitir que eu morasse na alfaiataria, por não ter onde residir. Com muito custo o mesmo levantou, junto aos vizinhos da casa da minha vó, minha real situação e permitiu-me residir na alfaiataria. Neste período eu me alimentava num restaurante social do estado e trazia a sobra do almoço para jantar, o que quase sempre não ocorria, pois, a comida azedava por não ter geladeira”, conta.

No colégio cada dia eu me tornava mais conhecido, e graças ao bom Deus, mais amado pelos professores e demais colegas. Finalmente chegou o período de apresentar-me para servir o Exército tendo-me apresentado no 3º Regimento de Infantaria. Vejam só a minha sorte: fui escolhido para servir na 2ª Cia de Infantaria onde servia como 1º Tenente o meu professor de Inglês – Helter Jerônymo Luiz Barcellos, que posteriormente viria a ser professor da UFF, pessoa extraordinária”.

No quartel um dia o professor Helter o viu engraxando o coturno do capitão comandante da Cia e lhe chamou atenção, que aquele não era um serviço para ele, e por isso imediatamente o levou a presença do comandante e solicitou que o mesmo o indicasse para a prova de cabo.

“Passei, saí cabo e permaneci até o final do período que nunca mais terminou. O professor conseguiu que eu fosse indicado para permanecer no quartel e me incentivou a fazer o curso de sargento. Tudo isso por saber que eu não tinha onde residir e que estava naquele momento vivendo dentro do quartel. Continuei minha luta e consegui passar no concurso para sargento e fui indicado a fazer o curso de sargento no 1º Batalhão de Polícia do Exército”.

“No período que estudei no ginásio fui muito agraciado por todos os meus professores, o motivo não sei, só agradeço a Deus por tudo isso. Naquela época conheci, através da família de minha professora de português o venerável de Loja Maçonaria de São Gonçalo, Sr. José – português, o qual possuía muitas casas e falei ao mesmo do meu interesse em alugar um imóvel para que eu pudesse unir a família que estava toda separada”.

O Sr. José disse que tinha uma casa e que eu poderia aluga-la. Falei a minha mãe que não aceitou a proposta, uma vez que entendia que meus irmãos não tinham propósito, e que isso iria acarretar o desentendimento entre nós. Em face disso, continuei a residir no quartel e conheci a irmã de minha professora de português e resolvi casar. Casei-me ainda como cabo – o que não era permitido na época.

Terminei o curso de Sargento de Polícia do Exército e, residindo em São Gonçalo, fui transferido para servir na 1ª Cia de Polícia do Exército na Vila Militar. Necessitava tomar ônibus, lancha, bonde e trem. Saía de minha casa às 4h30 e retornava à noite. Assim permaneci até meados de 1964, na 1ª Cia de Polícia do Exército. Nesta ocasião, após a revolução, algumas medidas tomadas por colegas meus não condiziam com minha vontade, e também com a do meu comandante, e por este motivo pedi transferência e fui transferido para a 7ª Cia de Fronteira em Tabatinga – Amazonas, onde cheguei em 25 de janeiro de 1965, permanecendo até 1969.

Em Tabatinga exerci minhas funções com bastante elogio por parte de meus comandantes, chegando inclusive a ser o representante legal da empresa Aérea Cruzeiro do Sul, que por duas vezes me convidou para exercer o cargo de gerente em cidades da região norte. Em Tabatinga fui diretor de escola, professor de matemática e instrutor do curso de cabo. Consegui, através de um curso noturno encaminhar seis cabos para o curso de sargento.

“Fiz, nesta época, prova para o Curso de Aperfeiçoamento de Sargento e passei e 10º lugar, tendo sido indicado para realizar o curso em Recife. Como eu sempre gostei muito de Minas Gerais, pedi ao meu comandante e fui ao Quartel General onde me transferiram para cursar na Escola de Sargento das Armas. Cursei e fui convidado a ser monitor no curso de infantaria o que abracei em 1970”.

Permaneci na EsSA até o ano de 1971, ocasião que pedi para ser instrutor de Tiro de Guerra sendo indicado para minha querida e muitíssima amada São Sebastião do Paraíso. Em Três Corações tive a felicidade de comandar o pelotão que recebeu Pelé para inaugurar a sua estátua. Assim, após tudo isso cheguei a São Sebastião onde tive o privilégio de tratar diretamente com o prefeito Dr. Luiz Ferreira Calafiori, pessoa extraordinária que muito admiro até hoje.

Também tenho que mencionar Monsenhor Mancini, que me ajudou a concluir o curso de técnico em contabilidade e posteriormente me encaminhou para a faculdade. Creio que a amizade que me uniu ao Monsenhor Mancini tenha sido minha vida religiosa. Quando cheguei a Paraíso passei a encaminhar os atiradores para as obras da igreja e também por admirar muito uma pessoa tão notável. Trabalhei com ele na Rádio Difusora e fui também professor de educação física área que tinha um imenso amor.

Fui instrutor do Tiro de Guerra até ser diagnosticado com uma doença rara, tendo sido encaminhado para o hospital do Exército em Juiz de Fora, onde permaneci mais de trinta dias e posteriormente encaminhado para o Hospital Central do Exército. Fiquei hospitalizado por mais de dois anos e posteriormente fui transferido para Ouro Fino (MG), onde comandei o Tiro de Guerra por oito anos. Formei em advocacia em Pouso Alegre.

Após concluir meu período como instrutor em Ouro Fino, retornei a Niterói e fui servir no Forte Gragoatá, onde permaneci até ser promovido a 1º Tenente e pedir transferência para a reserva. Antes de solicitar transferência para a reserva fui presidente da Cooperativa dos Subtenentes e Sargentos do Rio de Janeiro, que tinha por finalidade construir imóveis para os militares. Permaneci no cargo até darmos final aos projetos. Também fui candidato ao cargo de Presidente do Clube dos Subtenentes e Sargentos de Niterói, onde até hoje pertenço a diretoria.

Após o término de permanência na ativa, montei um escritório de contabilidade e administração de condomínio e imóveis que estou lutando até hoje. Como a idade já está bastante avançada estou “dando” o escritório para uma de minhas funcionárias.

“Quero, deixar bem claro que por várias regiões que passei e morei, nunca tive amigos e atiradores como os meus de São Sebastião do Paraíso. Sou grato a vocês pelo carinho e amor que todos dedicam a mim. Se pudesse estaria periodicamente aí com vocês”, conclui Tenente Daniel.