Chega ser cômico dizer que o ‘cavalinho da Ferrari’ foi ajudado por uma zebra! Mas foi o que aconteceu na tarde ensolarada de 11 de setembro de 1988, em Monza. A F1 está no que é chamado de “santuário do automobilismo” para o 73º GP da Itália. Desde a criação da F1, Monza só não abrigou a corrida em 1980 por motivos de reforma - a prova foi realizada em Ímola.
A lembrança do GP da Itália de 1988 tem a ver com o atual momento da F1. No último dia 14 completou-se 35 anos da morte do comendador Enzo Ferrari, fundador da lendária equipe que leva o seu sobrenome. E a F1 vive situação de domínio absoluto, bem parecido ao da McLaren naquele ano em que varreu todos os adversários. A Red Bull quebrou nesta temporada uma marca que por 35 anos ficou adormecida e parecia que nunca seria despertada: o recorde da McLaren que venceu 11 corridas seguidas com Senna e Prost. Das 13 provas disputadas neste ano, Verstappen venceu 11 e Sergio Perez duas. Mas a equipe austríaca não sabe o que é perder desde o GP de Abu Dhabi no ano passado. Portanto, são 14 vitórias consecutivas. Um assombro.
Em 1988 a F1 atravessava um ano de transição. Era a última temporada dos motores turbo. A partir de 89 os carros seriam empurrados pelos motores aspirados. Por conta disso, a Federação Internacional de Automobilismo abriu uma brecha no regulamento para quem optasse por antecipar às novas regras já com os motores aspirados, e para compensá-las foi criado um campeonato paralelo do qual a Tyrrell foi a campeã. Mas o principal era o Mundial de Construtores entre as que continuaram com os motores turbo, do qual McLaren e Ferrari faziam parte.
Steve Nichols projetou o espetacular MP4/4 Honda-turbo da McLaren. Um carro tão próximo da perfeição que nas palavras de um dos grandes comentaristas que o Brasil já teve na F1, Edgard Mello Filho, a quem o tenho como um dos meus professores de automobilismo, dizia na época “se colocar um motor de máquina de costura nesse chassi, ele anda, de tão bom que é”! Claro que a metáfora do mestre Edgard era só para ilustrar a excelência daquela McLaren do primeiro título de Ayrton Senna. Mas o carro deu chabu em Monza, 12ª etapa daquele Mundial.
Tudo caminhava para ser apenas mais um domingo de vitória da McLaren e a dúvida era quem venceria, Senna ou Prost. Monza estava entupido de gente nas arquibancadas, como é tradição no GP da Itália. Mas talvez nem no sonho o mais fantástico dos tifosi poderia vislumbrar uma vitória da Ferrari naquele domingo, muito menos com dobradinha. As razões eram muitas. A Ferrari não vencia uma prova desde o encerramento da temporada anterior. A última vez que os carros vermelhos haviam terminado um GP em primeiro e segundo lugares havia sido no Canadá, em 1985. E a última dobradinha em Monza havia ficado ainda mais distante, em 9 de setembro de 1979 com Joddy Scheckter e Gilles Villeneuve! E pairava no ar o clima triste pela recente morte do comendador Enzo.
Mas “carreras son carreras”, disse certa vez o argentino Juan Manuel Fangio a frase que se tornou célebre do automobilismo (corridas são corridas, e elas só terminam na bandeirada).
A McLaren havia feito todas as poles, impondo sempre um segundo ou mais sobre os adversários mais próximos, e chegou para o GP da Itália com 147 pontos; 18 a mais que a soma dos pontos de todas as outras equipes(!) só para se ter ideia do tamanho da superioridade do time comandado pelo sisudo Ron Dennis.
Senna fez a pole, mas foi Prost quem tomou a ponta até ser ultrapassado pelo brasileiro ainda no primeiro quarto de corrida. Na volta 30 Prost começou a perder rendimento. Na 35ª foi ultrapassado por Gerhard Berger para delírio dos ferraristas, e abandonou a prova com problemas de motor. Senna seguia firme na ponta, mas na penúltima volta encontrou pelo caminho o francês Jean-Louis Schlesser que aos 40 anos fazia sua única corrida na F1, substituindo Nigel Mansell na Williams, vetado por catapora. Ao colocar uma volta no retardatário, os dois se tocaram e Senna abandonou. Fim da sequência impressionante de vitórias da McLaren e uma dobradinha da Ferrari tão histórica quanto inesperada com Berger e Michele Alboreto.
Dada as devidas proporções, a Red Bull tem tudo para emplacar amanhã a 15ª vitória consecutiva. Verstappen pode se tornar o único piloto a ganhar 10 corridas seguidas, mas vai que aquela zebra de 1988 ainda esteja por lá, pastando nos arredores de Monza?