Alexandre Garcia
Conheci Alexandre Garcia em Brasília, cidade que ele viu nascer e ajudou a desenvolver com seu talento jornalístico. É referência mundial em um ofício que é uma arte: o jornalista é o historiador do presente. Para isso, deve exercer suas atividades com imparcialidade – coisa que Alexandre Garcia sempre fez, com maestria. Agora, está sendo investigado por crime de opinião. Antes dele, Rodrigo Constantino. Não são eles sozinhos no banco dos réus politicamente incorretos, é toda a sociedade brasileira. É a democracia abalada pela lei da mordaça e pela insegurança jurídica de nosso tempo. É a República em xeque, e as vítimas somos todos nós, independente de ideologia, etnia, credo ou preferências políticas. A solução para o impasse não virá sozinha, não vai cair do céu despejada por anjos do bem – o próprio Alexandre vaticinou isso em data recente. A solução é questionar, discutir, defender a liberdade de manifestação do pensamento, a liberdade de informar, a liberdade de imprensa e opinião. Triste um povo que tem que lutar por seus direitos mais óbvios – mas infelizmente no Brasil é assim.
Cabresto e mordaça
Observem que sempre critiquei a politização partidária e ideológica e a superesposição midiática de juízes aqui. É um descalabro e avilta o Poder Judiciário, prejudica a tripartição dos poderes, a independência entre eles. Não vou, portanto, cometer o mesmo erro. O problema não é o que Alexandre Garcia diz, se é discurso de direita ou de esquerda, se é pró Lula ou pró Bolsonaro. Rodrigo Constantino também: não importa o que disse. Importa é que é opinião. Opinião não é fato falso, é a versão do fato, que pode ser errada ou certa, mas é claramente exposta como o que de fato é: opinião. E se temos crime de opinião no Brasil, não temos democracia – uma ideia expulsa e escorraça a outra.
O patrão é o aplicativo?
Os aplicativos resolvem nossos problemas cotidianos, mas nos condicionam a depender deles. É fácil concluir que já nos tornamos dependentes das máquinas. Com os aplicativos de transporte, Uber e afins, então, não nos deslocamos mais sem eles, que esvaziaram ônibus e decretaram a morte dos táxis. New York sem os tradicionais taxis Yellow Cabs é surreal e aqueles bate papos que a gente tinha com taxistas do Brasil e do mundo acabaram graças ao UBER, que começou como um aplicativo de caronas compartilhadas. Mas aqui no Brasil a justiça do trabalho vem entendendo que ele, Uber, um aplicativo, é o patrão, e está reconhecendo vínculo empregatício da máquina com o homem.
O vínculo empregatício
Os juízes do Trabalho que estão reconhecendo este vínculo entre aplicativos e seus condutores estão se embasando naqueles três argumentos técnicos que orientam a existência de relação de trabalho: subordinação, exclusividade e supervisionamento. Se há os três, há vínculo empregatício com todos os seus direitos e mazelas. Aos olhos do Direito, deve ser reconhecida a relação de emprego nestes casos. Lembremos que o UBER nasceu como um aplicativo de caronas em que se compartilhavam custos e que sempre foi para ser um “bico” do sujeito que já tem outra profissão e quer ganhar um troco com o carro à toa na garagem, principalmente em finais de semana. Agora, dizer que um aplicativo te comanda porque te fornece rotas, intermedia a contratação e o recebimento da sua remuneração é um pouco absurdo e abre precedentes inusitados e perigosos: então quem vende habitualmente pelo Mercado Livre também será funcionário dessa empresa. Se o Uber que te transporta se acidenta, entre com ação indenizatória contra o aplicativo! – Toda a sorte de consequências jurídicas são possíveis, todas nefastas a curto e médio prazo para os trabalhadores deste setor. O UBer não vai pagar coisíssima nenhuma, seu capital é todo pulverizado no estrangeiro e a tendência, graças a Deus na contramão do Direito do Trabalho Brasileiro, é que permaneçamos comandados por aplicativos sem rosto e sem dono nestes tempos malucos em que estamos vivendo. Se é assim que se ganha o pão, paciência. Que o Poder Judiciário ao menos não atrapalhe.
O julgamento do 08 de janeiro
Como juiz deve julgar? Não será pelo fígado. A raiva, a mágoa, a paixão ideológica, são péssimos conselheiros para o juiz. É claro que seria assim: o que mais se espera de um magistrado que é também vítima dos crimes que julga? Normalíssimo que julgue com o fígado, nem é santo sem sangue nas veias para proceder de outra forma. Anormal é ser institucionalmente tolerada a competência especialíssima do STF para o julgamento dos supostos atos antidemocráticos de 8 de janeiro. Não há jejunos em Direito dentre os ministros do Supremo. Ali há jurisconsultos. Eles sabem exatamente o que estão fazendo. Quando condenam a 14, 17 anos de reclusão, a um baderneiro, a um vândalo, a um homem ou mulher que é um adolescente tardio, por vezes perigoso, mas sempre um bobo, os ministros do STF sabem exatamente o que estão fazendo – e sabem, mais que isso, por quê estão fazendo.
O dito pelo não dito
“Não há tirania mais cruel do que aquela que se exerce às sombras da lei e com as cores da justiça.” (Barão de Montesquieu, filósofo iluminista francês).