TIO FLÁVIO*
Subindo ao palco, o anfitrião daquele evento falou bonito. Disse coisas nas quais ele de fato acredita, mas que precisam de uma certa atenção, já que de tanto serem ditas, acabam colocando a educação e os professores numa gavetinha linda, mas limitada e até mesmo equivocada.
Ao discursar para professores, ele disse que aquela era mais que uma profissão, era uma missão, e que os educadores fazem sempre o seu melhor, dentro e fora de sala de aula, no que diz respeito ao exercício de suas atividades, por acreditarem naquelas crianças e adolescentes, alunos das escolas do município, independente do salário que lhes é pago. Admitiu que o salário dos professores é baixo, principalmente os das séries iniciais, mas deixou no ar que o “amor pela profissão supera qualquer obstáculo”.
A defesa de que o magistério é uma missão é interessante, pois ressalta a sua importância na evolução das pessoas como indivíduos e de todos nós juntos, como comunidade. Mas pode ser perigosa, uma vez que pode levar governos e legisladores a entenderem que não há o que e nem porquê investir em estrutura física das instituições educacionais, formação continuada de professores, remuneração, condições dignas de trabalho, qualidade de vida no trabalho e, também, segurança durante e após a vida acadêmica.
Não é salutar ficar dizendo que o amor vence as dificuldades de uma má remuneração, pois sabemos que o primeiro tópico não deve excluir o segundo. Eu já vi situações – e elas existem aos montes - em que o dinheiro do professor é usado para a compra de material para a sala de aula funcionar e isso não deve ser romantizado. Esse mesmo dinheiro que é de direito de quem o recebe e que pode fazer muita falta para quem trabalha e precisa dele.
Que a gente siga a nossa missão de educadores, mas que possamos ter condições de fazer aquilo que tanto sabemos, que é ensinar, mas também promover o relacionamento saudável, ajudar as pessoas a desenvolverem a empatia, estímulo para a melhor convivência comunitária, valorização da vida e por aí vai.
Não estamos aqui para substituir a família, mas para atuar no desenvolvimento intelectual e cognitivo dos alunos, sem deixar de lidar com questões humanas, que são reforçadas nas escolas, aprendidas no núcleo primário que é a família.
Porém, há casos em que a família nem é presente e, até nesses, o professor não assume a condição de pai ou mãe, mas segue sendo uma referência para um aluno, que neste caso pode ser de fundamental importância, já que vem de uma família ausente ou desestruturada, sendo pobre ou rica, pois não é a quantidade de recurso financeiro que define isso, mas a qualidade das relações.
Se de um lado hoje podemos comemorar, pois a educação trabalha silenciosa salvando vidas, como disse o cantor Emicida, afirmando que “uma professora salvou minha vida” e sendo ainda mais enfático: “Uma professora me tirou do esgoto”. Por outro lado vivemos momentos em que a ausência de investimentos em educação e de seriedade em encarar o assunto, somadas a diversos outros fatores, trazem um adoecimento de crianças e jovens e uma neutralização do que o professor consegue de fato realizar.
Penso que a solidão, a busca por aceitação, a cobrança do ser “bem-sucedido” - equivocadamente sendo entendida como aquele que tem seguidores, likes, dinheiro, fama -, a fragilidade de vínculos familiares e a falta de entendimento de uma nova geração, que a todo momento é comparada com as anteriores, criando lacunas imensas nos relacionamentos intergeracionais, constroem um desafio imenso não só para as escolas, mas para toda a sociedade, afinal, o indivíduo não é fruto só das salas de aula.
Que o Dia dos Professores deste ano sirva de reflexão, mas não só para a classe do magistério, que obviamente também precisa se repensar, olhar para si, entender as mudanças de cenários e de tempo, perceber a influência de fatores externos, como a tecnologia e a cultura.
No entanto, precisamos que os pais também pensem o seu papel, entendam o que lhes cabe; que governos admitam seus erros, sua negligência e, em se entendendo desta forma, busque um ajuste na conduta; que a sociedade não se omita, não “lave as mãos”, transferindo para o poder público ou para as escolas aquilo que cabe a ela; que a mídia, um poder importante, perceba que ela também é fundamental para a disseminação do que há de melhor na sociedade e não só um viés sensacionalista e fatalístico; que os legisladores entendam a educação como uma teia, em que qualquer sensível toque num ponto afeta a diversos outros pontos interdependentes.
E que cada um de nós respeite a educação, incentivando como podemos a construção de uma sociedade que se entenda como tal. Aos professores deste país, o meu total respeito e admiração.
Tio Flávio Palestrante, professor e criador do movimento voluntário Tio Flávio Cultural. (Fonte: Hoje em Dia 13/10/2023)