POLEPOSITION

A prancha e as desclassificações de Hamilton e Leclerc

Por: Sérgio Magalhães | Categoria: Esporte | 28-10-2023 03:30 | 918
Detalhe da prancha acoplada ao fundo do carro como medidor da altura em relação ao solo
Detalhe da prancha acoplada ao fundo do carro como medidor da altura em relação ao solo Foto: Peter Fox / Getty Images

A F1 está no México para a segunda de três corridas seguidas nesta reta final de temporada e no próximo final de semana será a vez do GP de São Paulo em Interlagos. Depois vão faltar os GPs de Las Vegas que (re)estreia no calendário este ano, e Abu Dhabi.

Mas o assunto que ganhou as manchetes após o GP dos Estados Unidos e se estendeu durante a semana foram as desclassificações de Lewis Hamilton que fez ótima prova e terminou em 2º, assim como o pole position Charles Leclerc que chegou em 6º, ambos pelo mesmo motivo: irregularidade técnica na prancha instalada embaixo dos carros.

Muita gente ficou surpresa com o fato de os carros terem uma prancha acoplada ao assoalho, e eu mais surpreso ao observar que boa parte da mídia, algumas especializadas em automobilismo, usaram o termo “prancha de madeira”. Sim, quando foram introduzidas na F1 no pós-acidente fatal de Ayrton Senna a peça era de um tipo de madeira chamada Jabroc, mas há mais de 20 anos passou a ser fabricada de um material plástico com fibra de vidro em sua composição, que oferece um desgaste semelhante ao da madeira, porém mais leve.

A finalidade da prancha é impedir que as equipes andem com os carros muito rentes ao chão. Um carro que bate muito no asfalto pode acarretar perda de estabilidade aerodinâmica e provocar acidentes. Voltando ao fatídico GP de Ímola em 1994, embora a quebra da coluna de direção tenha sido apontada pelo inquérito da justiça italiana como a causa do acidente fatal de Senna, a Federação Internacional de Automobilismo nunca descartou a perda de pressão aerodinâmica da Williams, pressão dos pneus, altura do carro como uma das prováveis causas, e foi a partir daí que surgiu a prancha, então de madeira, no fundo dos carros.

A peça tem 10mm de espessura e o artigo 3.5.9 do regulamento técnico da F1 reza que o desgaste máximo permitido não pode ser superior a 1 milímetro de espessura. Domingo passado em Austin, a inspeção rotineira pós-corrida verificou que a Mercedes de Hamilton e a Ferrari de Leclerc estavam frações milimétricas acima do permitido, acarretando um desgaste superior a 1 milímetro e foram desclassificadas.

A FIA normalmente escolhe quatro carros aleatoriamente para serem inspecionados. Em Austin os escolhidos foram a Red Bull do vencedor Max Verstappen, a McLaren de Lando Norris, além dos carros de Hamilton e Leclerc. E muitos questionaram por que a FIA não inspecionou outros carros já que 50% dos analisados estavam fora do regulamento, apontando para a possibilidade de haver mais carros irregulares?

A resposta é simples: não há tempo hábil e nem mão de obra suficiente para inspecionar todos os carros ao final de cada corrida. Há uma logística pontual na F1 em que tudo precisa ser embalado num curto espaço de tempo para ser despachado para a próxima etapa. Para ficar mais fácil de entender, tudo funciona mais ou menos como num teste antidoping em que o atleta é sorteado após as competições. É praxe da entidade que controla os regulamentos da F1. Por isso outros carros não foram inspecionados.

Mercedes e Ferrari acataram as desclassificações e alegaram que o formato de final de semana com corrida sprint, onde as equipes dispõem de menos tempo que o normal para acertar seus carros, e numa pista com asfalto bastante ondulado e de curvas rápidas em que é preciso atacar as zebras, foram os fatores que contribuíram para o desgaste excessivo da prancha.

O motivo das desclassificações pegou muita gente de surpresa já que há muito tempo não se ouvia falar em desgaste excessivo da prancha. Mas é um ponto que passou a receber mais atenção com a introdução do efeito-solo no ano passado em que o assoalho passou a ser a principal fonte geradora de pressão aerodinâmica - a força que faz o carro grudar no chão -, o que não era tanto o caso da geração anterior que tinham a chamada configuração “rake” (traseira ligeiramente mais elevada em relação ao solo do que a dianteira) que não chegava a ser um fator de desgaste excessivo da prancha, comparados aos modelos atuais.

As duas desclassificações promoveram Logan Sargeant ao 10º lugar, tornando-se o primeiro norte-americano a pontuar na F1 desde o GP da Itália de 1993 com Michael Andretti.