ENTRETANTO

Entretanto

Por: Renato Zupo | Categoria: Internacional | 02-12-2023 00:38 | 1357
Renato Zupo
Renato Zupo Foto: Arquivo

O morto
Cleriston Pereira da Cunha foi preso desde os atos do 8 de janeiro e por conta deles. Primário e de bons antecedentes, residência certa e ocupação fixa.  Centenas de traficantes e assaltantes no Brasil são soltos através de liberdades provisórias concedidas por juízes das comarcas ou juízes federais, todos os dias, com base nestes argumentos, mas eles não serviram para Cleriston, que permaneceu preso após alguns pedidos de soltura, como outros de seus supostos comparsas acusados de quebradeira na Praça dos 3 Poderes naquela data já histórica. Cleriston, apesar de moço e forte, não era saudável – é esse o detalhe. Vários pedidos seus de liberdade, ou de substituição da prisão preventiva por recolhimento domiciliar com monitoramento eletrônico foram realizados. Sempre alegando doença, mal físico, eminente perigo para sua vida. E como os pedidos, ou ao menos o derradeiro deles, não chegou a ser apreciado, ele morreu na cadeia da Papuda, o que  serviu para um protesto com milhares de manifestantes na Av. Paulista neste último final de semana. 

Hermenêutica e omissão
Juízes não podem ser responsabilizados por decidirem assim ou assado, por deferirem ou indeferirem pedidos. Manter a prisão de alguém  não importa necessariamente em erro do magistrado, em falta contumaz, ainda que o preso venha a falecer. Isto porque não há crime de hermenêutica, não peca o operador do Direito por interpretar a lei, o juiz tem é que julgar, e o fará de uma maneira ou outra, inevitavelmente, errando ou acertando, para condenar ou absolver, porque suas ações e decisões são impessoais e em nome do Estado. Erros judiciários são resolvíveis por recursos e não decorrem necessariamente da má-fé de quem decide. Ainda que um pedido de soltura de réu doente seja negado e o réu venha a falecer preso. Entram aí variáveis: morreu do quê? A condição carcerária influenciou a morte? Havia laudo dizendo claramente desse perigo? 

O buraco é mais embaixo
O problema de Cleriston (e do Ministro Alexandre de Moraes) foi outro: segundo noticiado, o pedido derradeiro de soltura não havia sido julgado por Moraes até a data do óbito. Aguardava decisão e já com parecer da PGR pela soltura. Qualquer juiz brasileiro submetido a um pedido urgente, que envolva a saúde de um preso e a presumível necessidade de sua soltura para salvar-lhe a vida, DEVE apreciar o pedido o quanto antes e com a rapidez possível. Seja para soltar ou deixar preso, repito. O que não pode é deixar de decidir. Se o preso morre sem decisão – como no caso – este juiz terá sérios problemas no mínimo com sua consciência. Sintomaticamente, depois da morte emblemática do réu antidemocrático, outros quatro foram soltos. Deve ser por motivo de saúde. Alguém aprendeu – tarde demais.

Aplausos e vaias
O Ministro Alexandre deixou Cleriston sem decisão, segundo dizem. O que vai acontecer agora? A Ministra Rosa Weber disse em plenário que os presos da Papuda e da Colmeia adoram ao Ministro Alexandre, que o aplaudem quando lá vai, inclusive os presos do 8 de janeiro. Bem, não podemos nos esquecer do grande número de presos de facções criminosas que comandam internamente aos outros detentos em penitenciárias brasileiras, inclusive na Papuda de Brasília. A propósito, em quem será que estes presos de facção votam, ou votariam? De qualquer modo, você escolhe com quem fica: com as vaias da Paulista ou com os aplausos da Papuda.

Dino no STF
Lula da Silva indicou Flávio Dino para a próxima vaga na nossa corte constitucional de justiça. Politicamente viável, juridicamente indecoroso.  O juiz que toma para si argumentos de política partidária e que decide e age em sua profissão guiado por ideologias políticas, quaisquer ideologias, se apequena como magistrado, destrói a sua biografia como juiz, prejudica a imagem do Poder Judiciário e a credibilidade das instituições democráticas. Foi assim com Sérgio Moro. Witzel. E agora Dino. Vão dizer que não é juiz há bastante tempo, mas está voltando a ser, como futuro ministro do STF. Um cabo eleitoral de Lula no Supremo, é isso que se teme, é essa a imagem que irá passar à população, ainda que Flávio Dino se transforme, quando e se Ministro do STF, no mais imparcial dos julgadores.  Não dá. A mulher de César não pode ser só honesta, ela tem que parecer honesta. O profissional do Direito é como a mulher de César.

Pega mal? Nem sempre
Não estou dizendo que ministros do Stf não possam ter tido cargos no Executivo, não possam ter composto a outros governos. Diga o que se quiser de Toffoli ou de Alexandre de Moraes, mas exerciam cargos técnicos para Lula e Temer, respectivamente. Nunca se viu a cor de sua ideologia enquanto (enquanto…) em suas carreiras de origem.  Mendonça de Barros e Kássio Nunes, nomeados por Bolsonaro, são técnicos, vieram das bases da advocacia e do Poder Judiciário. E continuam técnicos, sem sangue no olho, sem ideologia, votando conforme suas consciências, a prova e a lei. O que Bolsonaro tentou não foi aparelhar o sistema, foi desaparelhar. Juiz não pode ter lado político. Não pode nem aparecer politicamente, quando isso envolva política partidária. Militância ideológica nenhuma. Sempre que isso acontece, perde a República, já combalida, com seu povo desacreditando cada vez mais das instituições.

O dito pelo não dito.
Se não puder voar, corra. Se não puder correr, ande. Se não puder andar, rasteje, mas continue em frente de qualquer jeito” (Marthin Luther King, ativista político norte americano).

RENATO ZUPO – Magistrado, é Juiz de Direito na Comarca de Araxá, Escritor.