ENTRETANTO

Entretanto

Por: Renato Zupo | Categoria: Justiça | 27-12-2023 00:11 | 351
Renato Zupo
Renato Zupo Foto: Arquivo

Subjetivismo
O STF acabou de decidir que portais de notícias e empresas  jornalísticas também são responsáveis pelo conteúdo divulgado em entrevistas, para o bem e para o mal,  e principalmente quando o entrevistado falte com a verdade dos fatos,  profira aquilo que se convencionou chamar “fake News” – o crime que não existe,  mas  existe, se é que você me entende. O problema com as fake News é o mesmo que acontece com a nova decisão do Supremo. Os conceitos aqui são por demais subjetivos. Quando algo dependa de uma impressão pessoal para ser definido, da opinião ou do gosto ou do entendimento da pessoa que observa e vê e sente, se diz que se está diante de uma questão subjetiva. Quando, ao contrário, um objeto é em si mesmo, há uma realidade aferível que dispense conceitos e opiniões para ser verificada e enunciada, a questão passa a ser objetiva. 

Fato e opinião
No caso das Fake News, se coíbe a veiculação de conteúdos falsos, assim considerados como não verdadeiros. Objetivamente não verdadeiros. Se digo que a perícia das urnas eletrônicas detectou fraude eleitoral no ano passado e este fato não ocorreu, houve divulgação de conteúdo sabidamente falso, ou presumivelmente falso e não verdadeiro. É uma verdade fria de um fato concreto e objetivo que está sendo revelada –independente de quem ache, opine ou veja. Já quando digo, como o ex-presidente Bolsonaro fez, que não confio nas urnas eletrônicas pelos motivos x, y ou z, estou emitindo opinião - opinião que depende do sujeito que a manifesta, e portanto estamos diante de uma questão subjetiva em que não há espaço para que se diga se o fato conceituado (e não afirmado) é falso ou verdadeiro. Estou apenas dizendo, no exemplo, que não confio nas urnas, não que nelas tenham sido cometidas, concretamente, fraudes. Dizer se falas de entrevistados são verdadeiras ou falsas acho até que é prática do bom jornalismo. Conferir fontes, buscar uma segunda opinião antes da divulgação – tudo isso sempre deveria ter existido e, se são práticas que sumiram do mercado, sumiram em péssima hora. 

Bifurcação
Mas a questão se bifurca, porque há obstáculos encontrados na decisão do  STF que nos permitem concluir facilmente que, para entender se um entrevistado ou biografado está mentindo, dependemos um bocado de subjetivismo aqui, e nem todas as verdades e inverdades veiculadas pela pessoa retratada na matéria são aferíveis objetivamente. Não existe responsabilidade objetiva na prática do jornalismo e em uma democracia não podemos responsabilizar o carteiro pelo conteúdo da carta. Quando a matéria é uma  entrevista  ou reportagem sobre  uma pessoa, ela deve retratar fielmente a pessoa, seus acertos e erros, opiniões e gostos.  E o fato jornalístico, que pode ser inclusive a prática de fake News pelo retratado, não pode ter sua divulgação obstaculizada por qualquer modalidade de censura prévia, ainda que disfarçada de precedente jurisprudencial, de “stare decisis”. Não se pode punir a imprensa por ser má imprensa, não se pode punir a um jornalista por não ser um jornalista bom o suficiente e não conferir fontes ou não ressaltar dubiedades no relato sobre alguém que é divulgado.  Assim como não se pode punir a um médico simplesmente por não ser bom médico, ou um advogado por não ser bom advogado, etc... Você não tem obrigação alguma à excelência e eventuais danos que cause no exercício de sua atividade profissional já são resolvidos pelo Código Civil. 

Fundo eleitoral de novo
O Fundo Eleitoral previsto para o ano que vem registra um aumento estipulado de mais de 150%. E o país em dificuldades financeiras, hein? Eu já disse aqui que fundo eleitoral é escabroso, é juridicamente ilógico. Se a lei civil define ao partido político como pessoa jurídica de direito privado, como ente de direito privado, porque vou mantê-lo com dinheiro estatal? Que se permitam doações livres de campanha, com prestação de contas, e pronto. Garantir verba para partidos nanicos a título de pluralismo partidário só tem razão de ser se a representatividade política resultar em valor agregado para os eleitores, o que não se vê. O pluralismo político só é defensável se evita a polarização ideológica, o que não está mais acontecendo. O motivo para o Fundo Eleitoral é o mesmo motivo para a existência de eleições de dois em dois anos: é um ganha pão para políticos, independente da vitória nas eleições. Concorrer já é vantajoso. Já se ganha o nosso dinheiro.

O dito pelo não dito.
Para ganhar um ano-novo que mereça este nome, você, meu caro, tem de merecê-lo, tem de fazê-lo de novo, eu sei que não é fácil, mas tente, experimente, consciente. É dentro de você que o Ano-Novo cochila e espera desde sempre.”. (Carlos Drummond de Andrade, poeta brasileiro).
RENATO ZUPO – Magistrado, é Juiz de Direito na Comarca de Araxá. Escritor.